No inicio dos anos 70 do seculo passado, numa rua do Carregueiro , - TopicsExpress



          

No inicio dos anos 70 do seculo passado, numa rua do Carregueiro , havia passos para cima e para baixo, pessoas que se saudavam com sorrisos ou palavras de circunstancia ou paravam para conversar. 40 anos depois as ruas estão desertas. Hoje quase despovoado este centro esta entregue a memorias. Os palheiros, espigueiros, eiras e poleiros circundavam o casario. De fora para dentro, os galos cantavam e anunciavam o alvorecer. Bebia-se a vida bem devagarinho porque o dia era longo. Levantava-se cedo mas sem pressas. Este quotidiano era alterado quando o dono da única mercearia soprava um corno de um boi e anunciava a chegada de uma caixa de sardinha. Minutos depois as donas de casa invadiam as ruas. Se a corneta não resultasse um foguete de bateria eclodiria no ar e anunciaria as febras marítimas. Esta mercearia tinha outro nome, loja!!! Era um misto de taberna, posto de correio, telefone publico e mercearia. Todos os homens quase sem excepçao usavam chapeu, boinas ou barretes. As mulheres usavam lenço ou chapéus de palha de aba larga. Coloridos para as mais novas, e escuros para as mais velhas. Os socos o calçavam os homens e os tamancos as mulheres. Quando se escutava passos a aproximar-se adivinhava-se se era homem ou mulher pelo som do calçado. As mulheres não usavam calças, era inapropriado, porque realçava as formas que aguçaria apetites pecaminosos. Era peça exclusiva para o homem. Uma blusa e uma saia com um avental, ou um vestido faziam parte da indumentaria sempre com pano cobrindo os joelhos. Namorava-se na fonte , ali os rapazes espreitavam oportunidades de falar com aquelas por quem seu coraçao batia. Tudo começava com um bilhete escrito num pedaço de papel dobrado. Muitas vezes era primordial conquistar confiança de um irmão para o fazer chegar. Suborna-lo com algumas guloseimas ou uma volta de bicicleta era estratégia a considerar. A ginga ye-ye enfeitada com fitas nos punhos, 2 espelhos, e muitos farolins refletores. Os rapazes pensavam que adornando o cavalo de pau os ajudava na técnica de sedução. Cada casal tinha 5, 6, 7 ou mais filhos. Os partos eram feitos na sua maioria em casa, com ajuda de velhas parteiras . Sucediam-se com pequenos intervalos porque os casais desconheciam o uso de contracetivos. Era normal uma mulher gravida carregando um bebe ao colo. Vivia-se do trabalho no campo. O milho, o feijão, as batatas, as hortas, o azeite e o vinho eram fundamentais nesta policultura de sobrevivencia. De manha comia-se broa esfarelada em café quente deliciosamente açucarado em tigelas de sopa. Ao almoço e ao jantar toda a família comia de uma travessa que se colocava no centro da mesa. De estocada bebia-se o vinho pelo gargalo da garrafa. A sopa complementava a ementa, antes ou depois. Tudo cozinhado em lareira nas grossas panelas e tachos de ferro fundido. As casas graníticas de grossas paredes eram habitadas no andar de cima dividido em paredes de tabique. Não tinham casa de banho ou agua canalizada, havia uma retrete de madeira onde se faziam necessidades para uma estrumeira. O res do chao era para as adegas por ser mais fresco. Por não haver frigorificos, armazenava-se ali tambem os produtos colhidos no campo, e os presuntos curados . Conservava-se na salgadeira as carnes de porco, torresmos em panelas de unto e chouriças fumadas na caixa de milho para não ganharem bolor. A floresta dava trabalho na exploração de resina e no corte de madeiras. A fabrica de serração, era a unica a dar trabalho o ano inteiro. Tocava uma sirene no inicio, no almoço e no fim do trabalho. As donas de casa e toda a gente nos mais variados trabalhos regulava-se pelo seu toque. Como não existia pronto a vestir, havia um alfaiate para os homens, modistas ou costureira para mulheres. Havia tambem o sapateiro, o relojoeiro, o barbeiro, o sacristão, o regedor, o padre, o professor, o matador de porcos, o lavrador, todos importantes no bom funcionamento da comunidade. Todas as famílias coziam uma vez por semana a broa de milho. Os campos eram arados com juntas de bois. Animais fraternos que se afogavam na leiva, espumando o esforço sobre a superfície do solo. As noras eram parentes para regar a balde os mimos com força de braço. Havia também as nascentes com agua partilhada em escritura. A agua corria em regos paralelamente aos caminhos fazendeiros ate ao campo de destino. Lembro de colocar 2 maças fazendo corridas na agua. A maça de cor verde e com nome de Joaquim Agostinho ganhava sempre a maça vermelha, se as coisas corressem mal eu dava-lhe uma ajuda. O único adubo fertilizante era o estrume curtido da cama dos animais. Fungicidas, inseticidas, pesticidas e ervecidas eram desconhecidos. Era a natureza em equilíbrio perfeito. Mesmo não sendo familiares tratávamos todos por Ti antes do nome. Uma família grandiosa que em dias de aperto se ajudava mutuamente. Nas escamizadas de milho a noite, sob a luz de candeeiros a petróleo, apareciam de todos os lados .Os mais velhos contavam velhas historias que acariciavam nossos ouvidos e elevava a imaginação. Quando alguém encontrava uma espiga vermelha era saudado por todos. Era ali que poderia sacar-se um beijo aquela que os nossos olhos seguiam. Nas brincadeiras de crianças, rapazes e raparigas raramente se misturavam. Elas brincavam ao truque, a macaca, ao jogo do elástico e claro com suas bonecas. Nos jogavamos ao berlinde que retirávamos das latas de spray, a bilharda, ao futebol balizado com 2 pedras , ao esconde que chamávamos de agache, ao mata salvo, aos cowboys com pistolas de madeira feitas por nos. Não sentíamos o corpo, porque tínhamos uma energia inesgotável. Competiamos correndo a volta do povo. Esforço premiado pelo dono da taberna com um pao de trigo. Arranjar pinhas para acender a lareira, era o nosso trabalho. Nossos pais diziam que trabalho de menino e pouco quem o perde e louco. Eram as nossas acendalhas. As dezenas faziamos fila do mial ao alto da cal. Escasseavam porque não havia fogões a gaz, e era um ritual que se repetia dia apos dia. Subiamos aos pinheiros para podermos trazer o saco cheio. Pendurados aos ramos mais altos derrubávamos as pinhas da ponta em golpes de karate. Mas o que gostávamos mais era roubar fruta. Sabia melhor e era uma aventura porque tínhamos de fugir aos olhos do dono. Não porque tivéssemos medo de ser caçados isso era impossível, mas se nos visse levávamos duas tareias. Primeiro a mae, e depois mais complicado o pai furioso. A noite fazíamos um circulo de fogo numa lata furada com brasas incandescentes que rasgava a noite. Os raros pontos de iluminação publica tornava-nos invisíveis, para tocar campainhas e nas maçanetas das portas, fugindo antes que o dono da casa furioso nos pudesse ver. Cabeças de fósforos no cu de uma velha chave de capela unida por um cordão a um prego de ponta achatada, que depois de pressionada contra uma parede disparáva tiros. Um western que assustavam os morcegos reis das trevas que planavam sobre as nossas cabecitas, e desapareciam quando a noite se tornava dia.
Posted on: Sun, 20 Oct 2013 13:38:19 +0000

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