Numa época em que a normatização médica invade cada vez mais - TopicsExpress



          

Numa época em que a normatização médica invade cada vez mais os territórios do campo social, a saúde se torna preocupação onipresente para um número crescente de indivíduos de todas as idades. Assim, os ideais hedonistas foram suplantados pela ideologia da saúde e da longevidade. Em nome destas, os indivíduos renunciam maciçamente às satisfações imediatas, corrigindo e reorientando seus comportamentos cotidianos. A medicina não mais se contenta em tratar os doentes! ela intervém antes do aparecimento dos sintomas, informa sobre os riscos em que se incorre, estimula o monitoramento da saúde, os exames clínicos, a vigilância higienista, a modificação dos estilos de vida. Encerrou-se um capítulo: a moral do aqui-agora cedeu lugar ao culto da saúde, à ideologia da prevenção, à medicalização da existência. Prever, projetar, prevenir: o que se apossa de nossas vidas individualizadas é uma consciência que permanentemente lança pontes para o amanhã e o depois-de-amanhã. Cada vez mais vigilância, monitoramento e prevenção: alimentação saudável, perda de peso, controle do colesterol, repulsa ao fumo, atividade física — a obsessão narcísica com a saúde e a longevidade segue de mãos dadas com a prioridade dada ao depois sobre o aquiagora. O que nos leva a corrigir aquela proposição freqüentemente citada de Tocqueville: Parece que, a partir do momento em que [os homens das democracias] se desesperam de viver pela eternidade, eles se dispõem a agir como se fossem existir por não mais que um dia. Em vista da importância assumida pelos problemas da saúde e do envelhecimento, é forçoso observar que estamos longe daquele etos: o hiperindividualismo é menos instantaneísta que projetivo, menos festivo que higienista, menos desfrutador que preventivo, pois a relação com o presente integra cada vez mais a dimensão do porvir. O retraimento dos horizontes longínquos levou menos a uma ética do instante absoluto do que a um pseudo-presentismo minado pela obsessão com o que está por vir. Declina a cultura do carpe díem:. sob a pressão exercida pelas normas de prevenção e de saúde, o que predomina é não tanto a plenitude do instante quanto um presente dividido, apreensivo, assombrado pelos vírus e pelos estragos da passagem do tempo. Nenhuma "destemporalização" do homem: o indivíduo hipermoderno continua sendo um indivíduo para o futuro, um futuro conjugado na primeira pessoa. Outros fenômenos revelam os limites da cultura presentista. Ao mesmo tempo que a cultura liberacionista está fora de moda, manifestam-se numerosas formas de valorização do duradouro. Ainda que as uniões sejam mais frágeis e mais precárias, nossa época, apesar de tudo, testemunha a persistência da instituição do matrimônio, a revalorização da fidelidade, a vontade de contar com relações estáveis na vida amorosa. Observam-se mais insatisfações ou frustrações referentes às experiências sem futuro do que odes aos amores casuais. Por que o amor permaneceria um ideal, uma aspiração de massa, se não, ao menos em parte, por causa do valor conferido à duração que associam a ele? E como compreender a vontade de ter filhos, tudo menos caduca, sem supor o investimento emocional de longo prazo? Fica evidente que o instante puro está longe de ter colonizado por completo as existências privadas, pois a sociedade hipermoderna dá nova vida à exigência de permanência como contrapeso ao reinado do efêmero, tão causador de ansiedades.
Posted on: Sat, 03 Aug 2013 17:02:16 +0000

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