Não existe almoço grátis A ideia de tarifa zero soa atraente, - TopicsExpress



          

Não existe almoço grátis A ideia de tarifa zero soa atraente, mas é quase impossível fechar a conta. De uma forma ou de outra, a sociedade paga pelos serviços públicos JOSÉ FUCS A ideia de tornar gratuitos os ônibus urbanos no Brasil, defendida pelo Movimento Passe Livre (MPL), pode ter um forte apelo social, mas provocaria um rombo dramático nas finanças dos municípios e comprometeria outros serviços prestados à população. De acordo com a teoria econômica, tudo tem um custo – mesmo que ele não seja visível a olho nu. Como dizia o economista Milton Friedman (1912-2006), prêmio Nobel de Economia em 1976, “não existe almoço grátis”. Como os recursos disponíveis são limitados, seria preciso encontrar fontes alternativas para custear o sistema, se o ônibus fosse de graça. Isso poderia ser feito por meio de um aumento da arrecadação, com a elevação de impostos, hoje já altíssimos no país. Ou da redistribuição do dinheiro reservado a outros gastos, como os salários dos professores, a melhoria do atendimento nos postos de saúde e a contratação de mais policiais para garantir a segurança da população. Também seria possível fazer isso por meio do corte de despesas. Só que, diante da incapacidade crônica de os governos em todas as instâncias – municipal, estadual e federal – apertarem o cinto, tal solução teria poucas chances de se transformar em realidade. “A tarifa zero é um cobertor curto”, diz o professor Samy Dana, da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo. “Se você puxar de um lado, descobrirá do outro.” O rombo gerado no orçamento dos municípios pela tarifa zero não estaria restrito apenas a cobrir o custo do sistema hoje, estimado em R$ 5,5 bilhões anuais só em São Paulo (em 2013, com a redução do bilhete de R$ 3,20 para R$ 3, as despesas da cidade com subsídios na área deverão ficar em R$ 1,4 bilhão, ou 25% do total do orçamento). Com a tarifa zero, o custo da operação tenderia a subir. Segundo a clássica lei da oferta e da procura, com a redução do preço das passagens, o número de usuários pode dar um salto. Isso obrigaria as prefeituras a investir mais na ampliação da frota. Caso contrário, a superlotação observada hoje se agravaria, levando a uma deterioração ainda maior na qualidade do sistema. É o que ocorre hoje na Índia e em outros países emergentes, onde o sistema de transporte coletivo é bem pior que nas principais cidades brasileiras. É possível que a demanda por transporte coletivo seja menos suscetível a mudanças de preços do que outros produtos e serviços. As viagens de ida e volta para o trabalho e para a escola estão incluídas na conta atual de usuários. Ainda assim, seria provável haver um aumento, em especial nos deslocamentos para atividades de lazer e em pequenos trechos hoje feitos a pé. Com ônibus de graça, é possível que os sem-teto passassem a usá-los para descansar ou dormir. Isso contribuiria para deteriorar ainda mais a qualidade do serviço, como ocorreu em cidades no exterior que acabaram com as catracas. Embora existam cerca de 40 cidades no mundo que não cobram tarifas de ônibus, não se tem notícia de que grandes metrópoles tenham seguido esse caminho. A maior é Tallinn, capital da Estônia, com 420 mil habitantes. A cidade adotou o sistema neste ano. Entre as demais, a maioria tem menos de 30 mil habitantes. Na Bélgica, a cidade de Hasselt, com 72 mil moradores, que adotou o sistema em 1997, é um bom exemplo de como a tarifa zero pode afetar o sistema. Lá, a demanda por ônibus cresceu 12 vezes, segundo dados oficiais, em apenas dez anos. Em 2013, Hasselt decidiu voltar a cobrar pelas passagens. No Brasil, com o Bilhete Único, adotado na capital paulista e em outras cidades do país, o crescimento provavelmente seria menor. O Bilhete Único permite ao usuário tomar várias conduções pelo preço de uma só, em determinado intervalo de tempo, e oferece a possibilidade de realizar a integração com trens urbanos e com o metrô, mediante o pagamento de uma fração do preço avulso das passagens. Segundo o professor Carlos Eduardo Gonçalves, da Universidade de São Paulo (USP), esse tipo de distorção acontece quando o preço de um produto ou serviço não é um reflexo da demanda e dos custos de produção, nem guarda relação com os demais preços da economia. “O usuário acha que aquele serviço tem custo zero, mas para a sociedade não é zero”, diz. “Isso gera um uso excessivo e uma ineficiência que será bancada por toda a população.” Não por acaso, é crescente o número de planos de saúde que cobram uma participação de 10% a 20% dos associados nas consultas e exames de laboratório. Com o desembolso, o seguro é usado de forma mais racional. Sem essa participação, os associados recorriam a médicos e laboratórios mesmo quando não precisavam. Isso encarecia o custo do seguro e prejudicava todos os demais. A franquia do seguro de automóvel exerce um papel semelhante. Se não existisse franquia, os segurados tenderiam a ter menos cuidado com os veículos. É por isso também que o programa Bom Prato, do governo paulista, cobra R$ 1 pela refeição popular e R$ 0,50 pelo café da manhã, em vez de oferecer o serviço de graça. Por dia, são servidas 65 mil refeições, segundo dados oficiais, nos 39 restaurantes do programa.“Se fosse de graça, poderia haver um desperdício maior”, diz Samy Dama, da FGV. A percepção do consumidor em relação a um produto ou serviço gratuito não é boa. Se uma doceria distribuir gratuitamente uma torta qualquer, muitos consumidores desconfiarão da qualidade. Só quem estiver mais preocupado com preço do que com qualidade comerá a torta. Quem valorizar mais a qualidade provavelmente deixará para comer uma torta melhor em outro lugar, mesmo se tiver de pagar por ela. Com o transporte coletivo, não é diferente. Se ele for de graça, a tendência é o usuário não se preocupar com a qualidade ou não se sentir à vontade para cobrá-la. Também pode haver pouco cuidado na preservação dos ônibus. “O que é público é de todos, mas tem gente que acha que, se é público, não é de ninguém. Isso onera todos os contribuintes”, afirma Dama. A melhor forma de regular a qualidade dos serviços à demanda por eles é deixar o mercado estabelecer o preço.
Posted on: Tue, 02 Jul 2013 13:10:24 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015