O CÉLEBRE "ACORDE de TRISTÃO" - Tristão e Isolda, na produção - TopicsExpress



          

O CÉLEBRE "ACORDE de TRISTÃO" - Tristão e Isolda, na produção do Festival de Bayreuth de 1995, encenação de Heiner Müller, direcção de Daniel Barenboim: Richard Wagner, nascido precisamente há dois séculos, foi por certo o mais "visionário" autor da história da música europeia. Basta atender ao modo como concebeu a Festspielhaus de Bayreuth, construída para finalmente levar à cena a máxima expressão da sua ideia de "obra de arte total", a tetralogia O Anel do Nibelungo, com o fosso de orquestra invisível e a sua acústica miraculosa. Ou os limites a que levou a tonalidade, mormente com o célebre "acorde de Tristão" e Isolda, cuja (ir)resolução se arrasta longamente, qual coitus interruptus, que tantos autênticos êxtases eróticos suscitou no público. Ou, de modo mais lato, a sua teorização de "futuro", da "música do futuro" e em termos globais de A Obra de Arte do Futuro. (A.M.S.) ...................................................................................................... (o resto do artigo, "WAGNER E O NAZISMO", para quem estiver interessado): "Mas Wagner é também o mais controverso dos compositores. Se o wagnerismo irrigou a música e a cultura europeias, e foi virtualmente uma "religião", em termos estéticos e culturais não deixou de suscitar também fortes controvérsias e rejeições. Em particular um espectro assola a consideração de Wagner da sua obra e da História do seu Festival de Bayreuth: o espectro do anti-semitismo e do nazismo. A ligação entre Bayreuth e a família Wagner e Hitler e o nazismo foi tão estreita que quando depois da guerra o festival reabriu em 1951 - a chamada "nova Bayreuth" - o imperativo foi a "desnazificação", de resto concretizada numa fundamental revolução cénica-dramatúrgica encetada pelos netos do compositor, Wieland (este sobretudo) e Wolfgang Wagner. Ainda hoje Wagner continua interdito em Israel, já tendo contudo havido execuções extraprograma de peças suas, suscitando aliás ferozes reacções. A sucessão de episódios prolonga-se: no ano passado, o cantor russo Evgeny Nikitin, que devia ser o protagonista de O Navio Fantasma, foi afastado de Bayreuth após a difusão de imagens mostrando que tinha tatuada uma cruz suástica, símbolo nazi; há duas semanas foram anuladas representações do Tannhäuser na Ópera do Reno em Düsseldorf, numa encenação com uniformes SS e câmaras de gás; enfim, no passado domingo, Katharina Wagner, actual co-directora do festival com a sua meia-irmã Eva Pasquier-Wagner (embora seja uma entidade pública o festival permanece um feudo familiar que já vai na quarta geração), declarou que estão a equacionar a doação ao Estado da Baviera (só agora, ao fim de tantos anos!) dos arquivos relativos à história do festival e da família, que se sabe pormenorizarem o grau de proximidade com o Führer. Hitler reivindicou Wagner como uma das suas inspirações, como é patente no Mein Kampf, sendo em especial admirador de Rienzi (obra de Wagner mas pré-wagneriana no sentido de anterior à formulação do seu conceito de "drama musical") e do Lohengrin, e Bayreuth foi um palco privilegiado de culto e cerimoniais nazis -, a terrível questão é se houve uma instrumentalização do autor e do seu programa estético-político por parte do nazismo, ou se de facto Wagner e o wagnerismo foram dele precursores. Ressalta desde logo o anti-semitismo de Wagner. Se há que ter em conta que esse sentimento estava largamente expandido, ele contudo escreveu mesmo um panfleto contra O Judaísmo na Música, publicado em 1850 e ainda mais acerbo na reedição de 1869, em parte ditado por uma forte animosidade pessoal contra dois outros compositores (judeus), Mendelssohn e sobretudo Meyerbeer. Mas se esse é um dado fulcral, a questão é muito mais complexa, como aliás o foi a trajectória do autor. Wagner foi politicamente um radical, participante activo na Revolução de 1849 em Dresden, e então companheiro do expoente máximo do anarquismo, Bakunine - e na sequência desses acontecimentos viu-se condenado ao exílio. O radicalismo desses anos plasma-se em textos fulcrais como A Arte e a Revolução e A Obra de Arte do Futuro. Feroz crítico da mercantilização dos teatros, e dos teatros de ópera, foi em nome do povo, reduzido à condição de escravo, e da sua redenção, que Wagner teorizou "a obra de arte do futuro", explicitamente apresentando "o povo enquanto condição da obra de arte", numa necessária "diluição do egoísmo no comunismo". "O agrupamento de artistas do futuro tem de se constituir, logo que os una o objectivo da obra de arte, e não outro. Perguntar-se-á, então, quem será o artista do futuro. O poeta? O actor? O músico? O artista plástico? - Digamo-lo simplesmente: o povo. O mesmo povo a quem, ainda hoje, devemos a única verdadeira obra de arte que vive na nossa recordação e que só desfiguradamente imitamos, o povo a quem unicamente devemos a arte." O modo como Wagner tomou como modelo perdido (corrompido) a tragédia na polis grega, e projectou esse modelo numa comunidade livre futura, tem mesmo flagrantes paralelos com a invocação de um "comunismo primitivo" e o imperativo do comunismo a vir no Manifesto de Marx e Engels, escrito no mesmo turbilhão revolucionário, em 1848. É sabido que, ao longo da escrita e composição da opus magnum que é O Anel, o ímpeto revolucionário de Wagner foi fortemente matizado pelo pessimismo de O Mundo como Vontade e Representação do filósofo Arthur Schopenhauer, ou que o carácter cristão da sua derradeira obra, o Parsifal, provocou a clamorosa ruptura de Nietzsche com ele. Acrescente-se que com a edificação do "templo" se acentuou o carácter apologético dos seus escritos, dando-se início à publicação do órgão do wagnerismo, as Bayreuther Blätter, as "folhas de Bayreuth". Enquanto pessoa e artista, e para fazer uso de termos seus anteriores, Wagner trocou o "comunismo" por um "egoísmo" feroz. Em lugar do povo como condição e sujeito da obra de arte do futuro, a concretização do seu projecto artístico foi sim possível pelo apoio da aristocracia e das realezas que em 1849 combatera nas ruas de Dresden e que continuou a combater nos textos do exílio. E, todavia, também se sabe que, conjugado com os impulsos "nacionais-populares" alemães, manteve a quimera dos seus festivais poderem ser abertos para todo o povo, ou a convicção de que "a propriedade é um roubo", nos termos de um dos mais influentes propagandistas socialistas, Proudhon. E na relação concreta com judeus nunca "depurou" (como escreve Martin Gregor-Dellin na fundamental biografia Richard Wagner, a sua vida, a sua obra, o seu século) o seu círculo íntimo, tanto que o maestro que dirigiu a estreia do "festival sacro cénico", isto é, do Parsifal, e o acompanhou até à derradeira viagem e morte em Veneza, foi um judeu e filho de rabino, Herman Levi. A história do wagnerismo enquanto ideologia e da família Wagner, essa não deixa margem para dúvidas: à sombra das Bayreuth Blätter constitui-se informalmente o "círculo de Bayreuth", um dos mais importantes focos de pangermanismo, em que pontificava um genro de Wagner, Houston Stewart Chamberlain, autor de Os Fundamentos do Século XIX, opúsculo reverenciado como precursor pelo principal ideólogo do nazismo, Alfred Rosenberg. A não pequena ironia é que a ligação dos Wagner ao nazismo foi de facto estabelecida pelos dois ingleses da família, Chamberlain e sobretudo Winifred Williams Wagner, mulher de Siegfried, o filho do compositor, e directora do festival de 1931 a 44, já depois da morte do marido. Hitler foi recebido na Casa Wahnfried, a mansão familiar, desde 1923, onde era intimamente chamado "tio Wolf", e depois da tomada do poder, em 1933, Winifred foi uma espécie de "primeira-dama" do nazismo. Ao arrepio dos intentos revolucionários, que inclusive estavam inscritos no primeiro esboço de O Anel, Wagner veio a considerar a "comunidade" como tendo de ser redimida por uma hipotética "pureza", fosse ela cristã ou alemã. Nesse aspecto, como magistralmente o apresentou Hans-Jürgen Syberberg em Hitler, Um Filme da Alemanha, o wagnerismo foi de facto um dos fermentos do nazismo, no sentido que enunciaram Philippe Lacoue-Labarthe e Jean-Luc Nancy em Le Mythe Nazi: "[Wagner] visou deliberadamente, com a fundação de Bayreuth, um objectivo político: o da unificação, pela celebração e o cerimonial popular, do povo alemão (unificação comparável à da cidade no ritual trágico). E é neste sentido fundamental que é preciso entender a exigência de uma "obra de arte total". A totalização não é apenas estética, ela tem também uma direcção política. O nacional-socialismo não representou simplesmente, como dizia Benjamin, "uma estetização da política", mas uma fusão da política e da arte, a produção da política como obra de arte", exigindo um Estado totalitário, inclusive nos seus meios de extermínio. Neste sentido, o nazismo foi o culminar horrífico da "arte alemã" que Wagner reclamara e exaltara. É um dilema sem paralelo este, o de se poder admirar profundamente as obras e concepções dramáticas de Wagner e no entanto não deixar de sentir um calafrio com a exaltação da "arte alemã" em Os Mestres Cantores de Nuremberga, ou a apologia da "pureza" em Lohengrin ou sobretudo no Parsifal, sabendo-se dos inegáveis ecos que tiveram." (Augusto M. Seabra)
Posted on: Sat, 06 Jul 2013 01:43:23 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015