O LAMENTO DA FIGUEIRA MALDITA Myrtes Mathias Abro teu livro e lá está a frase, saltando-me aos olhos como uma acusação: Para isso nasci. Mas eu, para que vim aqui? Para ser filha de Rei, e apascentar porcos? Fazer plantas de palácios, e morar sob uma ponte? Para levar uma vida de altos e baixos? caindo e levantando enquanto tiver forças? porque a hora chegará em que, caindo, não me levantarei mais? Foi para isso que nasci? Para esse eterno baile de máscaras, ao som de uma música que parece dançante, mas que não passa de marcha fúnebre? Querem que eu seja um manancial de boas novas, de palavras bonitas, de cânticos que fazem sorrir, mas a realidade não permite subterfúgios, não admite sofismas. E, pelo menos neste momento, nada há que faça diminuir esta interrogação que vem lá de dentro, como um rio de larvas que busca uma saída, ainda que seja para destruir, se não outros, pelo menos essa imagem distorcida que fizeram de mim quando me colocaram num pedestal, e onde me sinto nua e desprotegida. Quando entenderão que a altura me causa vertigens? e que meu lugar é lá embaixo ao lado dos párias e desajustados, que carregam a vida como um fardo? o corpo como uma prisão, as responsabilidades como uma sentença? Não entenderão nunca, Senhor. Nem mesmo quando escrevo assim, claro, e sem preocupações literárias, apenas como um tumor que veio a furo, sem a caridade de um pedaço de gaze para limpar o pus. Será para isso que nasci? Para constatar tudo isso? quando sei que o Alto deveria ser a meta e a perfeição, o alvo? Para isso nasci: Tu para salvar os homens. as árvores para dar frutos, os seres normais para povoar a terra os santos para encher o céu. E eu? Nem árvore, nem santo, nem nada. Apenas uma coisa à parte, solitária e exótica, hipocritamente coberta de folhas, anunciando frutos que não existem, como a figueira que falou e que se secou, menos porque mandaste, do que de vergonha e humilhação ... (Extraído do Livro: Vim Ficar Contigo - pág.)
Posted on: Wed, 06 Nov 2013 22:48:08 +0000
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