O fabuloso secretário do Tesouro e as dívidas dos Estados - TopicsExpress



          

O fabuloso secretário do Tesouro e as dívidas dos Estados brasileiros A dívida dos Estados, desde 1998, é, essencialmente, com a União. Mas, desde 1998 até 2012, os Estados foram obrigados a desviar R$ 217,706 bilhões de suas despesas primárias (Educação, Saúde, etc.) para as transferências aos bancos sob a forma de juros – esta foi a imposição aos Estados, para extrair deles uma parte do famigerado "superávit primário" CARLOS LOPES Na última terça-feira, em seu depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o secretário do Tesouro, Arno Hugo Augustin Filho, afirmou, ao mostrar o último slide de sua apresentação, que o subsídio concedido pelo governo federal às dívidas dos Estados e municípios foi de R$ 223 bilhões. Uma cifra impressionante, logo repercutida pela mídia reacionária: se os Estados foram beneficiados por tal "subsídio", por que estão se queixando da dívida? Antes de tudo, vejamos o que o secretário realmente falou: "Aqui é uma comparação, por região, dos valores que foram dados como subsídio, inicialmente, na renegociação, [mais] os valores acumulados ao longo do período - ou seja, a diferença entre os valores que foram refinanciados: o custo deles baseado na Selic e o custo contratual deles. Hoje, IGP mais 6, por exemplo, está acima da Selic, mas no passado não estava. No passado, estava muito abaixo. Então, isso tudo, à época, a União suportou, e, hoje, é uma situação nova e diferente. O subsídio total é 223 bilhões ao longo desse período – é um período longo, de mais de 15 anos" (cf. Notas taquigráficas, CAE/Senado Federal, 03/09/2013). Diante dessa defesa frenética e irracional da política do governo Fernando Henrique Cardoso, se um dos senadores presentes não lembrasse, passaria em branco o fato do sr. Arno Augustin ter exercido o cargo de secretário da Fazenda de seu Estado, o Rio Grande do Sul (e, ainda por cima, acrescentamos nós, também o de secretário da Fazenda da Prefeitura de Porto Alegre). No entanto, o Rio Grande do Sul é um dos Estados mais prejudicados pela dívida resultante da "renegociação" promovida por Fernando Henrique em 1997. Com uma dívida consolidada líquida (DCL) de R$ 52.166.324.000, segundo a própria secretaria do sr. Arno, o Rio Grande do Sul é, com São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Alagoas, um dos entes da federação mais estrangulados por esse contrapeso. No entanto, o secretário, em seu depoimento no Senado, procurou, todo o tempo, minimizar esse problema, às vezes até passando a ideia oposta – a de que a dívida não é um problema. Os elogios, ainda que implícitos, à política de Fernando Henrique somente são explicáveis pela conversão, que afeta atualmente alguns setores, ao ideário (?) tucano. O interessante é que se trata de uma conversão muito atrasada no tempo: precisamente, 10 anos após o povo enviar os tucanos para a marginalidade política. Mas, por alguma razão, nunca achamos que o sr. Arno, divergências à parte, fosse da mesma cepa do sr. Mantega – ou do sr. Tombini. Parece que nos enganamos – ou a convivência com as más companhias, às vezes, estraga um vivente. Pode até ser, nesse universo de 11 dimensões, que as duas coisas sejam verdadeiras... O que não é verdadeiro é o "subsídio" às dívidas dos Estados, uma invenção contábil – ou roubábil - de Fernando Henrique, há priscas eras. Vejamos: As dívidas estaduais (e as municipais) que foram "renegociadas" em 1997 - nos termos da lei nº 9.496 - foram criadas, na maior parte, pelo próprio governo federal (isto é, pelo governo Fernando Henrique) ao catapultar os juros para além do sistema solar. Caso contrário, as dívidas estaduais e municipais seriam perfeitamente sustentáveis ao longo da década de 90, apesar de algumas agruras. Diz um conhecido especialista no tema: "... a política de altas taxas de juros, sustentada, sobretudo, no Plano Real, alimentou o componente financeiro do endividamento, dado que a rolagem dos títulos com a capitalização dos juros assegurou o crescimento do estoque da dívida, independentemente da captação de recursos novos" (cf. Francisco Luiz Cazeiro Lopreato, "O Colapso das Finanças Estaduais e a Crise da Federação", Editora UNESP/IE -Unicamp, 2002, p. 204). O objetivo do governo tucano ao "renegociar" essas dívidas não foi resolver o problema dos Estados ou dos municípios – somente o Arno acreditou nisso -, mas aproveitar-se de sua fragilidade naquele momento para forçá-los a privatizar o patrimônio público e estabelecer "metas, garantias e incentivos para a geração de superávits primários" (cf. Josué A. Pellegrini, "Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos?", abril 2012). Portanto, falar em "subsídio" do governo federal às dívidas estaduais equivale a considerar um cidadão muito piedoso porque paga algumas missas para as pessoas que ele mesmo assassinou depois de torturá-las. Da mesma forma, tratar aquela suposta "renegociação" - um acordo entre a corda e o pescoço - como se fosse apenas financeira, é coisa de tonto. Como diz o trabalho, relativamente recente, que citamos – aliás, um trabalho de espírito algo conservador, sem nenhum demérito nesta palavra - "os termos da renegociação (…) não se restringiram a um ajuste financeiro, mas também fiscal e patrimonial". Sucintamente, foi instituído o "Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal" em 25 Estados. Por ele, esses Estados são obrigados a cumprir metas anuais para um triênio, durante o prazo do contrato de refinanciamento da dívida, ou seja, no mínimo 30 anos, de acordo com a lei n° 9.496/97. Que metas são essas? 1) meta de superávit primário; 2) meta de " privatização, permissão ou concessão de serviços públicos, reforma administrativa e patrimonial"; 3) limite de despesa com o funcionalismo público estadual; 4) limite de despesa de investimento em relação à Receita Líquida Real (ou seja, à arrecadação de impostos dos 12 meses anteriores); 5) meta de arrecadação de receitas próprias; 6) limite de dívida financeira em relação à Receita Líquida Real (RLR). Como, diante de um achaque dessas proporções – e por tanto tempo – se pode falar em "subsídio" do governo federal às dívidas estaduais e ainda dizer, como fez o secretário do Tesouro na terça-feira: "O valor dos subsídios que a União deu nesse processo da dívida, da lei 9.496, é muito grande. Não é verdadeiro, mesmo com taxas que hoje são altas em relação ao mercado, que se tenha tido uma vantagem da União em relação aos entes federados" (grifo nosso). Realmente, a vantagem, mesmo, foi do setor financeiro – mas, nesse caso, a União foi forçada por Fernando Henrique et caterva a servir de leão-de-chácara dos bancos diante dos Estados. O sr. Arno acha, pelo jeito, que as coisas têm que ser assim, e que foi ótimo que fossem assim. Mas, assim foi o "subsídio" concedido às dívidas estaduais. DÉCADAS Daí decorre a segunda questão: a dívida dos Estados, desde 1998, é, essencialmente, com a União. Mas, desde 1998 até 2012, os Estados foram obrigados a desviar R$ 217,706 bilhões de suas despesas primárias (Educação, Saúde, etc.) para as transferências aos bancos sob a forma de juros – esta foi a imposição aos Estados, para extrair deles uma parte do famigerado "superávit primário". No entanto, segundo o Banco Central, os Estados pagaram muito mais juros: R$ 549,772 bilhões. Aliás, a parcela confiscada de sua receita pela União, por conta da "renegociação" de 1977, somente foi suficiente para os juros. Literalmente: "Dados esses termos, notadamente o limite para os desembolsos e a correção do passivo pelo IGP-DI, somado ainda ao cenário macroeconômico que determinou a evolução desse índice, os pagamentos feitos pelos Estados corresponderam basicamente aos juros reais (dados pelos 6% ou 7,5% ao ano), enquanto a amortização da dívida e a sua correção pelo IGP-DI se somaram ao saldo devedor, ao ultrapassarem o limite dos desembolsos" (Josué A. Pellegrini, op. cit.). Em sua exposição no Senado, o secretário do Tesouro fugiu desses problemas pela apresentação dos dados em forma de percentagem do PIB ou de relação DCL/RCL (Dívida Consolidada Líquida/Receita Corrente Líquida). Disse ele aos senadores: "Em 2002, tínhamos uma dívida líquida em relação ao PIB de 17,5%. Hoje, temos uma dívida líquida dos Estados em relação ao PIB de 9,9%. Portanto, é uma melhora significativa do endividamento dos Estados. Essa é uma notícia importante, acho que a análise dos Estados deve ser feita a partir da realidade de hoje e não da realidade de 10, 15 anos atrás, em que, de fato, o nível de endividamento era mais alto" (cf. Notas taquigráficas, CAE/Senado, 03/09/2013). Evidentemente, uma dívida estadual equivalente hoje a 9,9% do PIB, somente não causa escândalo porque nenhum dos senadores presentes fez a conta para saber que isso significa uns R$ 440 ou R$ 450 bilhões, depois de 15 anos de pagamento de uma dívida inicial de R$ 95 bilhões (ou, mais exatamente, R$ 94.847.645.000). No entanto, o secretário acha uma imensa vantagem no fato de que, em 2002, a dívida era 17,5% do PIB e agora é 9,9% do PIB – só esqueceu de dizer que não se trata do mesmo PIB. A queda nessa relação se deveu essencialmente ao aumento do PIB e não à redução da dívida estadual. O que, aliás, é público e notório, apesar de nenhum senador ter-se lembrado do fato. O leitor nos permita mais uma citação, importante pela clareza de expressão: "Em primeiro lugar, a queda ocorreu, em boa medida, em virtude dos aumentos do PIB. Na média do período de 2002 a 2011, o produto aumentou 12,3%. (...) Em segundo lugar, mesmo em relação ao PIB, a queda de 6,4 pontos percentuais [1998-2011] não é tão expressiva quanto parece. Vale observar que se trata de passivo que está há anos sendo amortizado, sem que novos empréstimos sejam feitos. Se o ritmo da queda verificado até aqui se reproduzir nos próximos anos (0,64 ponto de PIB por ano), serão ainda necessários mais quinze anos aproximadamente para que a dívida dos governos estaduais junto à União seja quitada, partindo-se do saldo atual de 9,8% do PIB. (…) … está implícita a continuidade do esforço fiscal dos Estados. (…) Possivelmente, o descontentamento dos Estados decorra do esforço fiscal requerido para manter a trajetória de queda da dívida e do tempo que ainda será necessário mantê-lo" (Josué A. Pellegrini, op. cit.). Quanto à dívida consolidada líquida (DCL), o secretário não levou ao Senado o próprio quadro que sua Secretaria publicou. Se o levasse, os senadores saberiam, por exemplo, que, depois de quase 13 anos de pagamentos extorsivos (31/12/2000 a 30/04/2013): - a DCL do Estado de São Paulo aumentou 167,56% (foi de R$ 62.347.593.000 para R$ 166.816.870.000); - a DCL de Minas Gerais aumentou 408,89% (foi de R$ 13.614.394.000 para R$ 69.282.127.000); - a DCL do Rio Grande do Sul aumentou 194,06% (de R$ 17.740.010.000 para R$ 52.166.324.000); - a DCL do Rio de Janeiro aumentou 175,08 (de R$ 23.870.049.000 para R$ 65.662.706.000); - a DCL de Alagoas, estado do presidente do Senado e do Congresso, aumentou 177,30% (de R$ 2.670.510.000 para R$ 7.405.440.000 (cf. STN, "Dívida Consolidada Líquida dos Estados, Receita Corrente Líquida e relação DCL/RCL", 12/08/2013). RESTO Há mais algumas coisas no depoimento do secretário do Tesouro. Diz ele: "Mais recentemente, tem havido um debate mais forte acerca da dívida bruta. (...) Como referi no início, temos hoje reservas internacionais muito significativas, e elas têm uma contrapartida em títulos. Qual é essa contrapartida? São as chamadas operações compromissadas, que o Banco Central lança para efeito de enxugar aquela liquidez decorrente das reservas internacionais. É normal que, uma vez que as reservas estão aumentando, a dívida bruta suba". O debate é, exatamente, sobre o fato da equipe econômica abater as reservas monetárias da dívida bruta no cálculo da dívida líquida, ao contrário de outros países, o que tem permitido que a relação dívida líquida/PIB seja cadente, enquanto a dívida bruta sobe eternamente. O secretário passou por cima dessa questão como se ela fosse óbvia e considera normal que o BC faça "operações compromissadas" (operações em que há compromisso de recompra de títulos, beneficiando os bancos com juros determinados por contrato) que, em julho, estavam em R$ 691 bilhões (o equivalente a 27,5% da dívida mobiliária – ou seja, em títulos – federal). No entanto, não explicou – nem lhe foi solicitado – porque as "operações compromissadas" crescem muito mais do que as reservas. Dizem alguns que o objetivo é passar mais dinheiro aos bancos, mas nós jamais acreditaríamos em explicação tão grosseira... Segunda questão: O secretário, por várias vezes, saudou "um processo no qual os entes federados vão diminuindo o seu endividamento com a União e vão substituindo isso por dívida financeira, bancária, o que, na nossa visão, é positivo, estão indo em direção ao mercado que é a situação normal". Em suma, a situação normal é ter os Estados à mercê dos bancos, dos monopólios financeiros, pois é isso o que se chama "mercado" – pelo menos o secretário assim o chama. Realmente, não sabíamos que o sr. Arno Augustin é um crente tão fanático do "mercado". Mas restam poucas dúvidas, depois da seguinte declaração: "A nossa situação fiscal (…) é melhor. Não tenho dúvida disso. Mas alguém pode ter uma opinião diferente. É da democracia, é do debate político-econômico. Mas existe um local onde essas coisas todas se expressam, e esse local é o mercado". Como será que a "democracia" e o "debate político-econômico" se expressam no mercado financeiro? Pela compra e venda de ideias - ou dos seus portadores? Trata-se de uma instituição tão sublime e tão sagrada que, em outra parte de seu depoimento, diz o mesmo secretário: "... se o mercado está mais volátil e há muita gente dizendo que quer sair do Brasil porque está com medo, nós dizemos: ‘Quer vender o título? Estamos aqui à disposição para comprar’ ". Não é um primor de religião, essa do mercado, em que o governo precisa garantir ao especulador – somente ao especulador, isto é, aos bancos e fundos, mas jamais ao seu Zé da Silva - que ele jamais, em tempo algum, terá alguma perda?
Posted on: Sun, 08 Sep 2013 03:28:54 +0000

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