O moralismo decorre de uma concepção simplista do mundo, segundo - TopicsExpress



          

O moralismo decorre de uma concepção simplista do mundo, segundo a qual a vontade é o fundamento da existência, razão pela qual as relações sociais dependeriam das decisões individuais dos dirigentes. Daí a transposição de todas as coisas para o plano moral e seu julgamento em termos de bem e de mal. Daí, por outro lado, a recíproca de que toda visão moral das ações humanas se deve processar em termos moralistas, ou seja, em termos de bem e mal absolutos. Não é este o local para se criticar, teoricamente, o moralismo político. Vou me limitar em salientar que, do ponto da sociologia do conhecimento, o moralismo político representa uma superestrutura ideológica de classe média. Considerado no mérito de suas postulações, o moralismo político sofre as limitações decorrentes do simplismo de seus pressupostos, ignorando o que se pode chamar de condicionamentos reais da vida social. Na verdade, como pressentem os moralistas, as relações políticas apresentam, também, uma dimensão de natureza ética – a ética é irmã gêmea da política – e não podem ser julgadas sem referências a essa dimensão. A esse respeito, contudo, há que fazer duas importantes ressalvas à colocação moralista do problema. A primeira diz respeito à fundamentação dos fatos políticos. Diversamente do que julgam os moralistas, os fenômenos políticos não se originam, exclusiva ou mesmo principalmente, das manifestações da vontade individual, senão que de um sistema de causas e condições dentro do qual a vontade individual é apenas um fator em grande margem condicionado. A segunda ressalva se relaciona com a valoração moral das manifestações da vontade. O elemento moral, nas relações políticas, não constitui uma opção entre o bem e o mal absolutos. O que é absoluto, na opção moral, é a escolha entre fins que se apresentam no mesmo plano de condicionamento, para a vontade, e a escolha de meios que se apresentam no mesmo plano de eficácia possível, para a razão. Tanto os fins como os meios, todavia, são condicionados. Esse condicionamento, externamente ao agente, decorre do sistema de crenças vigentes (condicionamento ideal), das condições econômico-físicas do meio social e natural (condicionamento real) e das possibilidades de interferência (condicionamento pelo acaso). Internamente, o condicionamento resulta da estrutura da personalidade do agente. Se examinarmos, à luz dessas brevíssimas indicações, o objeto imediato e aparente das campanhas de moralização que ora se desenvolvem no Brasil, veremos que elas têm uma parcial justificação, na medida em que acusam a inautenticidade da ação político-administrativa de diferentes governos nas esferas municipal, estadual e federal e, principalmente, no poder legislativo, em particular no Parlamento. Sejam quais forem os pressupostos ético-filosófïcos à luz dos quais se considere a ação político-administrativa no Brasil – e também em outros países –, é inegável que tal ação, de um lado, é suscetível de críticas, no sentido de que permite, e às vezes enseja, atos de favorecimento a pessoa ou grupos, contrariando princípios morais dotados de vigência média. De outro lado, ressalta, ainda mais, o fato de que a classe política padece de toda sorte de contradições, nas suas relações com os diversos estratos da população e inclusive nas relações internas dos membros e órgãos do governo ou de qualquer partido político, uns com os outros. Tais fatos prejudicam a autenticidade do governo, do partido e do Parlamento, no sentido de afetarem a validade do seu poder e reduzirem, de muito, a eficácia de sua ação, assim lhe retirando as condições de exemplaridade e representatividade de que necessitaria para apoiar, num máximo de consenso, o exercício de suas funções de comando, de propostas ou de legislar. Ocorre, todavia, que o moralismo, parcialmente justificável nos limites acima referidos, é induzido a erro e se toma a si mesmo inautêntico e autocontraditório ao ignorar a imensa margem de condicionalidade que limita a capacidade de autodeterminação da classe política e ao presumir, de um lado, que se devem aos erros ou à malícia dos políticos as limitações de que padece o próprio político e, de outro lado, que a simples mudança de homens importaria numa completa mudança da situação. Na verdade, omitidas as variações individuais, que, numa visão macroscópica, perdem importância, a ação do político, inclusive no plano em que ela é suscetível de apreciação moral, reflete condições reais e ideais a ele anteriores e sobre as quais a vontade individual dos governantes e legisladores nada pode fazer. As práticas de favorecimento indébito, que tanto escandalizam os moralistas, são o produto da política de clientela, que decorre do subdesenvolvimento, que provém, por sua vez, do vigente regime de espoliação econômica. A falta de eficácia governamental, que tanto fazem bradar contra a interferência econômica do Estado, são o produto do mesmo subdesenvolvimento, oriundo, igualmente, da atual economia de espoliação. Se é legítimo e socialmente proveitoso o protesto contra essas manifestações de inautenticidade governamental e parlamentar, tal protesto só tem sentido na medida em que, partindo do diagnóstico da inautenticidade do governo, se aprofunde até as causas e condições dessa inautenticidade e tenda a promover as modificações estruturais capazes de suprimir os fatores que a provocam. É justamente isto o que deixa de fazer o moralismo. Inconsciente dos fatores condicionantes do processo político, erige os sintomas em causas e desta forma se restringe à crítica individual dos governantes e de seus atos. O moralismo, quando explorado por interesses de ordem econômica, tenta, como muitas vezes na história do Brasil, levar a golpes. Foi assim que Getúlio Vargas, após iniciar as reformas que o Brasil necessitava e dar um caráter nacionalista e desenvolvimentista ao seu governo, se viu deposto e acabou por se suicidar. Foi esse moralismo burguês que atormentou os cinco anos do governo Juscelino e a construção de Brasília. Foi esse moralismo usado pelos militares para justificar o golpe contra Jango. Mentiras usadas em tonalidade moralista com fins econômico e interesses estratégicos. Como herança da UDN e da ditadura militar, o brasileiro médio passou a sustentar dogmaticamente a falsa impressão de que o Brasil seria o país mais corrupto do mundo. Os índices de corrupção no país estão na média das democracias mundiais. Criou-se a lenda de que o problema que impede o desenvolvimento nacional seria a corrupção geral entre os políticos. Ora, o que impede o Brasil de plenamente se desenvolver são as reformas de base que nunca foram feitas. E também o fato das elites brasileiras estar – isto sim é verdade – entre as mais socialmente insensíveis no planeta. Bastou dez anos com um social-liberalismo de centro (2003-2013), perpetrados pelos governos Lula-Dilma, ou seja, bastou apenas um pouco de atenção para as desigualdades internas e para a distribuição de renda, para o país conhecer, em qualidade, uma inédita fase de progresso social. O que há de grave na colocação dos moralistas, todavia, não é apenas, nem principalmente, o fato de violar a ordem legal – os acontecimento de 24 de agosto de 1954 e 1º de abril de 1964 são decorrência disso. Considerada em si mesma, a ordem legal é adjetiva e se limita a emprestar valor jurídico à situação de fato vigente e ao equilíbrio de forças de que tal situação de fato é expressão. O que há de grave nas manifestações moralistas é seu caráter alienante. Pois, ao investirem contra os governantes, sob o fundamento de que são viciosos e maus, e ao se proporem a substituí-los por outros, as classes médias, ipso facto, deixam intactas as condições mesmas em virtude das quais elas se encontram material e espiritualmente desajustadas. Por esse motivo, o moralismo só tem sentido para os que o manipulam taticamente, ou seja, para aqueles que, estando realmente interessados em manter a situação vigente, ou seja, no fundo, um determinado regime sócio-econômico de produção, pretendem obter melhores condições de usufruição de seus privilégios, ou assegurar a manutenção dos existentes. As atuais campanhas de moralização, portanto, são, em última instância, um movimento pelo qual a burguesia mercantil se utiliza, para seus próprios propósitos, do simplismo das classes médias, alienando-as numa falsa revolução, cujo êxito importaria em consolidar as condições que asseguram o predomínio da burguesia mercantil e a espoliação das classes média e proletária, com o inevitável agravamento da inautenticidade do Estado e do governo. Nos últimos dez anos com um governo de centro voltado para a esquerda – no Brasil ser de centro já é ser revolucionário – esse tom moralista se mistura a um ódio de classe e um ressentimento pelo fato de um governo de centro-esquerda, fortemente popular, ter obtido sucesso e ter sido, para todos os efeitos, responsável pelo melhor período da história republicana desse país. A classe média tradicional vive hoje num moralismo renovado, tomada de rancor contra tudo o que possa lembrar lutas sociais. Esse moralismo reacionário pequeno burguês ganha nova coloração agora em que é instrumentalizado por interesses de ordem econômica. A velha direita não quer perder nenhum segundo; trata-se de um momento único em recuperar o governo federal. Os moralistas devem prestar atenção para não se tornarem, mais uma vez como tantas na história brasileira, com sua ignorância e sua apologia do senso comum, instrumentos nas mãos da velha direita brasileira.
Posted on: Sun, 23 Jun 2013 04:19:19 +0000

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