O peso desproporcional que a grande mídia costuma dar para um - TopicsExpress



          

O peso desproporcional que a grande mídia costuma dar para um assassinato é evidente. A forma como ela descreve um crime, o vocabulário escolhido para definir o ato de supressão da vida, as causas e o ambiente são constitutivos de uma visão de jornalismo parcial, sensacionalista, mercadológico e totalmente descompromissado com a construção de uma sociedade na qual a violência não seja reificada como mercadoria. É assustador notar como há uma verdadeira relativização quanto ao tratamento dado a atos que propositadamente desconsideram a vida alheia como um bem absoluto e, por motivos particulares, fúteis e mesquinhos, matam, submetem à tortura e à humilhação. Comportamentos psicóticos, sádicos e condenáveis sob qualquer hipótese. Não, não estou me referindo a alguma chacina cometida em algum bairro periférico ou a algum crime passional ocorrido em condomínio de luxo (e, mesmo aqui, a escolha da palavra chacina é socialmente condicionada por quem escreve a reportagem). Estou me referindo ao crime hediondo que por sua banalização, parece ser menos danoso que qualquer outro que tenha um mesmo resultado. Estou me referindo aos atos de corrupção realizados por representantes eleitos democraticamente por voto direto ou nomeados por aqueles que assim foram eleitos. Atos que levam diretamente à morte de milhares de cidadãos por ano (e não indiretamente, como grande parte da mídia que nos levar a pensar). Atos como desviar verba pública destinada à compra de derivados de sangue fundamentais para a sobrevivência de hemofílicos, contratar obras via licitação para expandir o transporte público e depois, através de reajustes contratuais nebulosos chamados "aditivos", aumentar substancialmente o valor final da obra. E, antes que digam que transporte público ineficiente não causa a morte de pessoas, pense em uma cidade como a nossa São Paulo na hora do "rush" e na dificuldade de tráfego de uma ambulância do local do atendimento até o hospital. Nesse caso, minutos separam a vida da morte. Para não ficarmos nos exemplos que tangem às grandes metrópoles ou diretamente à saúde pública, poderíamos relatar casos como desvios de verba de merenda pública, de obras para saneamento básico dentre tantas outras. Mas, pelo andar da carruagem (sim, carruagem em homenagem à nossa aristocracia política que se banha em privilégios), o que mais importa é realizar uma intensa operação de maquiagem: estádios modernos para jogos sem públicos devido ao preço proibitivo dos ingressos; trem-bala ao custo de uma expansão realmente benéfica de transportes coletivos muito mais necessários para as nossas cidades; bilhões em propaganda de ações governamentais enquanto áreas como saúde, educação e segurança alegam falta de verba para investimentos. Sim, é um desabafo. Mas um desabafo que, em grande parte, é culpa não só de políticos corruptos ou de eleitores individualistas e pouco republicanos. É culpa também de uma mídia corrupta, parcial e tendenciosa. Até aí, nenhuma novidade. Não acredito em imparcialidade da mídia. Contudo, nosso jornais, revistas e canais abertos de TV adoram o termo imparcialidade quando, na verdade, praticam proselitismo, dirigindo a leitura dos fatos para a linha editorial que adotam de forma descarada. Em suma, enquanto as notícias de corrupção do poder público forem publicadas na coluna Poder e as notícias sobre chacinas aparecerem no caderno Cotidiano, temo que a banalização da violência e da corrupção continuarão a produzir desfechos tristes, verdadeiros eclipses da razão e do humano. Ou será que o jornal quis mesmo dizer que o Poder sempre corrompe e que chacinas são eventos tão banais que podemos considerá-los cotidianos?
Posted on: Sun, 18 Aug 2013 22:24:36 +0000

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