OS MILAGRES DIANTE DA FÉ E DA CIÊNCIA É interessante, no - TopicsExpress



          

OS MILAGRES DIANTE DA FÉ E DA CIÊNCIA É interessante, no pensamento católico, a questão dos santos. Nós sabemos, pelo menos no Catolicismo popular, que os santos fazem milagres, possivelmente por intercessão junto a Deus. Isso é uma questão de teologia até para crianças. Em termos de milagre, exis- tem os santos atuais e os santos antigos. Quase sempre, os milagres são feitos pelos santos atuais. Os santos antigos são esquecidos, não fazem milagres. Quando estava preparando esta palestra, vi uma referência à Santa Nicoleta, de quem eu nunca ouvira falar. Antiga- mente, era altamente milagrosa. Agora se esqueceram da Santa, e ela não faz mais milagres. Ninguém faz novena ou reza para ela. Foi esquecida ou não intervém mais. Os que inter- vêm são os santos do século XX. Eles estão movendo Deus, para que Deus intervenha. Mas é verdade que existem santos perenes, como Santo Antônio. Ele está sempre fazendo mila- gres. Pergunto: por que será que só os santos atuais fazem milagre, e os santos antigos não fazem? É claro que isso está ligado a um fenômeno puramente psicológico, que é o fenômeno da divulgação, do conhecimento. A mentalidade é essa: “Só pode fazer milagre santo que eu conheça. Santo que não conheço não faz milagre.” O que demonstra como, de ma- neira transversa, sou a causa segunda do milagre. Só quando conheço o santo acredito que ele resolva certos assuntos. Se a moça é casadoira, vou pedir a Santo Antônio – e não a São Jorge – que arrume marido para ela. Na verdade, quem vai arranjar marido é ela mesma, através da convicção de que pode arranjar um. Santo Antônio fica com a fama. Isso é um pouco folclórico, apenas um episódio para ilustrar o que estou falando. É o ser humano que é miraculoso, ele participa desse milagre, dessa ação divina. Talvez, sem ele, a ação divina não ocorresse, já que Deus não é um violentador da natureza. Com o início da era moderna, isso ficou mais agudo no pensamento religioso quando Kepler e Galileu exigem a verdade demonstrada e não aceitam mais a verdade revelada. Não aceitam e exigem a verdade demonstrada. Inauguram a ciência moderna. Nesse sentido, uma série de pensadores vão dando contribuições. Pincei apenas alguns deles. Por e- xemplo, Spinoza, quando aproxima os desígnios de Deus da lei da natureza. Não haveria nada de extraordinário no milagre, uma vez que Deus e a natureza são a mesma coisa. Spinoza acaba sendo um panteísta, principalmente no seu Tratado político-filosófico. Se os desígnios de Deus são as mesmas coisas que as leis da natureza, não existe milagre propriamente dito, já que aquilo pertence ao próprio mundo natural. Uma contribuição interessante da psicologia é o pensamento de Hume. Ele diz que, quando pensamos no milagre, há uma tensão entre o testemunho de um outro e a nossa própria experiência. O milagre só tem sentido quando possui nossa própria experiência. O testemunho do outro não é suficiente. Ele mostra como isso é subjetivo. O que explica porque, apesar de existir aqueles que têm fé no milagre, há pessoas que não acreditam nele, até o depreciam. Estou me referindo à questão das curas miraculosas. Por mais que os processos de Fátima, principalmente de Lourdes, que são os mais conhecidos, sejam muito rigorosos, levados a sério, algumas pessoas continuam absolutamente céticas. Não acreditam naquilo. Não adianta vir com demonstrações feitas de maneira rigorosa, que elas não acreditam. Quer dizer, é preciso que haja uma experiência própria. Não basta o testemunho. Isso foi dito por Hume, que nada tem a ver com teologia, e sim com filosofia, mas que deixou essa contribuição. Lessing também. Não é propriamente um filósofo, mas um literato, um pensador. Ele diz uma coisa curiosa: é preciso distinguir o vaticínio (ou milagre) da notícia a respeito dele. Para Lessing, a maior parte dos casos é notícia, não são fatos. É verdade. A maior parte dos fatos extraordinários não é fato, são notícias dos fatos que as pessoas dão e que nos autorizam a repensar sobre o fato e a notícia. Isso me fez lembrar da psicologia social, o fato que alguém narra para outro de forma diferente, extraordinária. Existem inúmeras experiências de psicologia social sobre isso. Quando se começa a apurar a veracidade da notícia, ela vai acabando, vai se esvaziando e ninguém consegue realmente demonstrá-la. No folclore popular, há pessoas que viram alma do outro mundo, por exemplo, viram coisas extraordinárias. Quando se resolve apurar bem como foi, prevalece a notícia. Se pergunto: “Você viu esse fato extraordinário?” Dizem: “Não, eu não vi. Quem viu foi o meu irmão, ele me relatou o fato, mas eu não vi.” “Vamos conversar com o seu irmão. “Escute aqui, você viu?” “Não, eu propriamente não vi, mas um cunhado meu contou, ele viu.” Quando chego ao final dessa cadeia, ninguém viu. Foi uma notícia apenas. Notícia do mila- gre, notícia do vaticínio. Os vaticínios são típicos. Até porque são sempre a posteriori. Não sei se vocês já perceberam isso. Toda vez que acontece um terremoto na Turquia, ou um fato qualquer, sempre há um “eu previ”. Só que ninguém viu quando ele previu, e ele só previu agora, depois que o fato aconteceu. O vaticínio é mais ou menos isso. Dificilmente se consegue chegar à pessoa com quem realmente ocorreu o fato. Sabe-se da notícia do fato. […] Nós sabemos que algumas doenças curam-se espontaneamente, ainda que sejam graves e até mortais. Não há ne- nhum caso conhecido da cura espontânea da hidrofobia, da raiva. Mas nós sabemos que ela é uma virose como outra qualquer. Uma virose em que o organismo, por razões ligadas à biologia molecular e à genética, não consegue estar imune a ela. Todos perecem. Porém, se um dia alguém não perecer, isso não é um milagre, porque existe essa possibilidade estatística. Existe a possibilidade de haver uma mutação genética em alguma pessoa determinada, essa mutação produzir anticorpos contra o vírus da raiva, e a pessoa se curar da raiva es- pontaneamente. Não é um absurdo, não é milagre que isso possa acontecer. Embora, até o momento, seja de ocorrência zero. Existem inúmeros relatos de cura expontânea, sem necessidade de intervenção sobrenatural, de doenças ditas mortais ou muito graves, como o câncer, a neoplasia. As pessoas ficaram boas sem saber como. Como aconteceu aquilo? Nós não temos ainda mecanismos para explicar, mas é claro que a ciência está avançando nesse sentido, através da imunolo- gia, de uma série de mecanismos existentes no corpo humano, todos eles governados pelo cérebro para que isso possa acontecer. Nós estamos assistindo no momento à questão da AIDS ou da SIDA. Quando a doença surgiu, aconteceu um fenômeno que não tinha expli- cação nítida. As pessoas contraíam o vírus da AIDS e morriam rapidamente. Há pessoas que, mesmo antes das novas terapias antivirais, estavam há 10, 12 ou 15 anos com o vírus e não aconteceu nada com elas. Milagre? Não, não era milagre. Essas pessoas têm alguma defesa física. Um grupo descobriu uma proteína, uma substância qual- quer que fecha o leucócito, não deixa o vírus penetrar. Ou uma outra substância que impede ou diminui a potência do vírus. É uma questão puramente estatística. Há outros fenômenos que, se ocorressem, seria difícil entender como, sob o ponto de vista meramente estatístico. Por exemplo: aparecer um novo membro numa pessoa que não tinha aquele membro, ou seja, uma perna que foi amputada ou um braço que foi amputado. De repente, surgiu um braço ou uma perna. É difícil entender isto em termos de afirmação estatística. Não é totalmente absurdo que, de repente, as células voltem a proliferar e a produzir novamente ossos, músculos e articulações, como elas fazem em certos tumores embrionários. Às vezes, a pessoa nasce com um grupamento de células que são potencialmente ca- pazes de desenvolver um órgão, mas que ficam lá, quietinhas. Não se sabe por que, em cer- to momento, elas começam a proliferar e produzem falsos órgãos na pessoa, que nada mais são do que tumores. O que é um tumor cerebral altamente maligno? Nada mais é do que a produção de uma célula nervosa que não devia ser produzida. Produz um cérebro, um teci- do cerebral anômalo, que acaba matando a pessoa. Nós não sabemos como isso pode acon- tecer. Curiosamente, também não existe milagre desse tipo, em termos de cura. Existem curas de doenças internas, que estão todas dentro da possibilidade estatística de serem cura- das. O milagre é um fato natural, apenas ele ocorre de uma maneira estatística, ou seja, a ocorrência dele é muito rara, raríssima e, às vezes, a ocorrência é zero. Provavelmente há alguma intervenção que pode ser natural, quer dizer, um potencial do cérebro de uma certa pessoa, um comando cerebral para que isso ocorra, para que haja uma mutação genética e o vírus da AIDS seja morto, sem nenhuma ação externa, apenas pelo próprio organismo. Evi- dentemente, nós saímos do plano puramente racional científico. Ou, então, há uma inter- venção exterior, qualquer que seja a sua natureza, na crença de cada um. A minha crença, evidentemente, é numa intervenção de Deus. MIGUEL CHALUB REVISTA MAGIS SUBSÍDIOS Número 40 – Fevereiro de 2002 OS MILAGRES DIANTE DA FÉ E DA CIÊNCIA
Posted on: Thu, 04 Jul 2013 14:39:04 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015