PARAÍBA, MEU AMOR, ENCANTA A EUROPA Publicado no jornal A - TopicsExpress



          

PARAÍBA, MEU AMOR, ENCANTA A EUROPA Publicado no jornal A União, em 15.08.2008 Quanto mais global e homogêneo tem-se tornado o mundo, maior tem sido o interesse sobre as pequenas, autênticas e singularíssimas coisas locais. Quanto mais integrados parecemos estar no amorfo amálgama cultural que fala inglês, escuta ipod e navega na internet, maior tem sido a curiosidade sobre aquilo que permanece a salvo das grandes marcas multinacionais ou longe das onipresentes campanhas da indústria cultural. Só mesmo essa ilogicidade contemporânea pode explicar, por exemplo, o tremendo sucesso de uma gravadora como a Putumayo, especializada em música étnica, ou o estrondoso êxito de um filme como Buena Vista Social Clube (1998), que trouxeram luz global a estórias de vida cuja sina seria, até então, a mais silenciosa localidade. É nesse cenário aparentemente paradoxal, em que um novo tipo de relacionamento entre o global e o local deu origem ao termo glocal, que o filme Paraíba Meu Amor, do diretor suíço Bernard Robert-Charrue, alcança lugar de destaque. Longe do Brasil há um ano, fomos ontem ao pequeno Cine Bio, no charmoso bairro do Carrouge, em Genebra, para ver como um experiente e premiado documentarista suíço, com passagem pela BBC, havia compreendido a música e a cultura paraibanas. No jornal, a sinopse do filme tinha a frieza e a precisão de um bom canivete: através de diferentes músicos, o diretor apresenta o forró, sua história, sua prática e seu lugar na cultura do Nordeste do Brasil. Entramos esperando um documentário protocolar sobre o ritmo popular paraibano, ao estilo O Mundo Animal ou National Geographic Apresenta. Ao sair, emocionados, tínhamos a certeza de que experimentáramos um profundo e acurado reencontro sentimental com a nossa cultura e a nossa terra, pelos olhos de um arguto e apaixonado observador estrangeiro. À primeira vista, o filme de Charrue não deixa de ter alguma semelhança com o Buena Vista Social Clube de Wim Wenders: a troco de falar do forró, Charrue reúne e entrevista músicos em seu meio ambiente natural - o sertão, a barbearia, a boiada - e junta o gênio francês do acordeon Richard Galliano aos grandes sanfoneiros locais. A lembrança das jam sessions entre o global Ry Cooder e a trupe local de Compay Segundo em Havana Velha é imediata. Mas, ao contrário de Buena Vista, Paraíba Meu Amor não resgata do ostracismo músicos velhinhos já esquecidos pelo público. Antes, faz questão de apresentar nomes como Chico César, Dominguinhos, Pinto do Acordeon, Aleijadinho de Pombal ou Os Três do Nordeste em pleno vigor artístico, em meio a grandes ovações públicas. Aliás, os grandes planos, em travelling, dos espaços públicos são constantes na excepcional fotografia do filme: quer nesses concertos em praça pública, quer nas paisagens secas do sertão, a fotografia de Henri Guareschi explora toda a beleza possível das cores e das paisagens do interior. A fotografia do filme, porém, está muito longe de ter a monotonia de uma novela sobre o pantanal: em contraponto a esses grandes planos abertos, a câmera alterna-se em supercloses intimistas dos músicos, invadindo-lhes a pele suada, acompanhando os dedos ágeis, escrutinando-lhes o sorriso e tocando-lhes a alma como o fazem a zabumba e a sanfona. A competente fotografia é apenas mais uma das muitas qualidades do filme. A montagem, por sua vez, é ágil como um xote, e o enredo, a alternar momentos leves, engraçados, profundos e emocionantes, fazem do filme de Charrue um mergulho em toda a complexidade da sociedade nordestina, com sua pobreza material, sua riqueza cultural, a sua sangüínea passionalidade e sua severina desesperança. Mas, de longe, a maior qualidade do filme de Charrue é a sua genialidade ao abordar a questão da linguagem no mundo global. Ao longo da projeção, os depoimentos dos músicos e algumas letras de forró são legendados para o francês, a língua original da narrativa. A imensa dificuldade em adaptar para a língua de Proust expressões nordestinamente incontornáveis como cabra da peste ou asa branca obrigam a uma criativa engenharia lingüística. Não deixa de ter a sua graça, por exemplo, ver que o remelexo d’Os Três do Nordeste virou um déhanchement mais global... Essas dificuldades, porém, terminam quando as sanfonas começam a tocar: um dos grandes momentos do filme, sem dúvida, é o diálogo mudo entre o acordeon francês de Richard Galliano e a sanfona paraibana de Pinto do Acordeon. Sem trocarem uma única palavra, já que o francês de Pinto parece ser do mesmo tamanho do português de Galliano, eles fazem as mais íntimas confidências na transfronteiriça linguagem da arte que ambos compreendem, expressam e dominam como poucos. Ao final da projeção, ouvir um emocionado brrrravo!, em bom francês nativo, nos deixou orgulhosos e nos pareceu merecido. Ao filme quase irretocável uma lacuna, porém, deve ser apontada: o silêncio sobre Sivuca em um filme sobre a sanfona e do forró na Paraíba. Silêncio inexplicável mas que só percebe quem já conhece o nosso forró. Silêncio não de Charrue, mas talvez dos nossos. Um silêncio que pode ser perdoado, desde que sirva de pretexto para que Charrue torne a vir à Paraíba, terra por que mostra tanto afeto, e que agora fica-lhe devendo um agradecimento. Marcílio Toscano Franca e Alessandra Macedo Franca Especial para A União
Posted on: Wed, 13 Nov 2013 10:48:55 +0000

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