Para quem gosta de romance: AMANTE ACIDENTAL - Accidental Mistress - TopicsExpress



          

Para quem gosta de romance: AMANTE ACIDENTAL - Accidental Mistress - SUSAN NAPIER - Digitalização: Ana Cris - Revisão: Crysty CAPITULO DOIS Emily pisou no acelerador de seu carro emprestado, inclinando-se para a frente, como se o peso de seu corpo pudesse ajudá-lo a subir o morro. O motor parecia gritar. Ela agarrou o volante e rezou para que nada de ruim acontecesse na estrada estreita e cheia de curvas. Além do fato de que o carro era emprestado, o crédito de Emily com a companhia de seguros estava em baixa no momento. Não precisava de um outro acidente para adicionar às suas atuais preocupações. Suspirou aliviada quando viu os distintos pilares de pedra, virando o carro na estrada ladeada por árvores floridas e costeando em direção ao grande círculo no pórtico frontal. Construída em pedra branca, a casa baixa e comprida de Peter Nash ficava no ponto alto de uma cadeia de montanhas, que um dia fora uma fazenda de cultivo. Durante o último meio século, os pastos exuberantes tinham gradualmente dado lugar à urbanização da maior cidade da Nova Zelândia. A casa de Peter ficava situada na base da fazenda original, e ele a construíra como um lar, mais do que como uma exibição de sua riqueza, muito antes que a área se tornasse moderna. Havia muitas outras residências palacianas ao longo da estrada Ridge, mas nenhuma delas com uma localização tão perfeita e charme despretensioso. Grande parte do charme devia-se aos esforços da falecida esposa de Peter, Rose, que tinha sido uma ávida jardineira e dona de casa. Ela também fora uma apaixonada colecionadora de porcelana chinesa, e regularmente enviava peças a Quest Restorations para conservação ou restauração. Emily parou ao lado da garagem em formato de estábulo holandês e desceu para tirar uma grande caixa pesada do abarrotado banco traseiro. O ar estava carregado com os aromas doces do início do verão, e, com prazer, ela inalou profundamente. Aquilo era uma bênção para seus pulmões, depois do ar poluído que respirara mais cedo naquela manhã. Emily parou para apreciar a vista panorâmica, que era visível entre o estábulo e o canto da casa. Olhou em direção às praias isoladas ao longe, e não pôde evitar medir a distância entre um grupo de iates atracados e um pedaço de terra particular. É claro, não podia distinguir a casa de tamanha distância, mas sabia que, em algum lugar por ali, estava o telhado azul da residência Webber. Fazia dois anos desde a troca do frasco de porcelana chinesa, mas ela ainda se lembrava de cada segundo daquela festa obscena, como se fosse ontem. Tivera pesadelos por semanas antes e depois da perigosa aventura, e até hoje, às vezes, acordava transpirando de medo. A ameaça de ser descoberta tinha acabado com o passar do tempo, mas Emily nunca conseguira se livrar da culpa de ter trapaceado o destino, e ainda sentia um nó no estômago cada vez que passava pela área. Se aprendera algo sobre si mesma naquela noite era que não tinha nascido para ser criminosa! Fechando a porta do carro com o quadril, carregou a caixa até a porta da frente e usou o cotovelo para tocar a campainha. Enquanto esperava, tirou os sapatos cobertos de fuligem e verificou a sola de suas meias brancas de algodão. - Olá, sra. Cooper. - Ela sorriu para a mulher séria que abriu a porta. - Espero que não ache que eu deveria dar a volta e entrar pelos fundos com esse pacote! Os olhos escuros de Kay Cooper continuaram cautelosos enquanto ela dava um passo atrás para deixar Emily entrar. - Ele a está esperando durante toda a manhã, srta. Quest - disse ela em tom de crítica. Sabendo o quanto a governanta protegia seu patrão, há muitos anos, Emily resignou-se. A sra. Cooper trabalhava para os Nash por mais da metade de seus sessenta anos, e ganhara o direito de se sentir proprietária. - Desculpe o atraso, mas finalmente tive permissão de voltar ao meu estúdio e ver se havia algo que eu pudesse salvar - explicou ela, pondo a caixa no chão, do lado de dentro da porta. - Levou mais tempo do que previ. Eu ia ligar do carro para avisar o sr. Nash que estava a caminho, mas então lembrei que meu celular perdeu-se no incêndio. O jogo de compaixão funcionou. O semblante da sra. Cooper suavizou-se levemente com a lembrança da perda catastrófica de Emily. Ela inclinou a cabeça em direção ao fundo da casa. - Ele está no escritório. O espaço ainda era chamado de escritório, apesar de que agora poucos negócios eram conduzidos dentro daquelas paredes. Peter Nash tinha vendido sua rede de lojas de ferragens dez anos atrás, durante a primeira batalha bem-sucedida que sua esposa travara contra o câncer. O fato de que tivera mais oito anos da companhia de sua adorada Rose, antes de o câncer retornar de forma mais agressiva, havia justificado a decisão de Peter de se aposentar. Mas, desde a morte dela, esforçava-se para encontrar um propósito na vida e preencher o vazio em seu interior. - Obrigada. Posso deixar essa caixa aqui, por enquanto? - perguntou Emily. Se iria trabalhar lá pelas próximas semanas, não seria bom ter problemas com a sra. Cooper. Emily sempre se dera bem com a mulher mais velha, por isso estava um pouco perplexa pela recepção fria. A sra. Cooper olhou para a caixa de papelão. - Suponho que o resto de suas coisas esteja no carro? Havia uma ponta de acusação naquela pergunta? Emily ficou mais intrigada. - Bem, algumas delas, mas as deixarei lá até que saiba onde vou colocar tudo. Quando o sr. Nash fez a oferta, foi vago sobre os detalhes... O que, pensando nisso agora, não combinava com ele. Com 75 anos, podia não ter mais a mesma força física com a qual construíra seu império, mas não perdera nada de sua acuidade mental. A sra. Cooper suspirou. - Bem, é melhor você ir descobrir, então. Ele está extremamente ansioso pela sua chegada. Ficar em tal estado não pode ser bom para o coração do homem. - E com tal observação que instigava culpa, ela virou-se em direção à cozinha, mas parou para acrescentar: - Aceita uma xícara de chá? - Obrigada, eu adoraria - disse Emily, sorrindo alegremente. - Tomei café-da-manhã com pressa, e não bebi mais nada depois. Minha boca está seca, acho que devo ter engolido cinzas quando separei as coisas na casa. - Você realmente não parece em seu melhor estado. Ah, seria aquela a causa da recepção fria da mulher?, perguntou-se Emily, ciente de que, de jeans e camiseta larga, devia parecer mais com uma adolescente suja do que uma mulher madura de 26 anos. Geralmente se vestia com cuidado para fazer uma visita, tentando apresentar uma imagem de profissional confiante. Porém, uma vez que estava lá para trabalhar, e não para se socializar, precisava de alguma coisa prática e resistente. Como grande parte de seu guarda-roupa fora literalmente queimado no incêndio, suas escolhas eram limitadas. A calça jeans, por exemplo, tinha sido comprada na época em que seus quadris eram menos generosos... - Emily... aí está você! Peter Nash veio apressado do corredor, seu leve ato de mancar quase imperceptível nos passos ansiosos, os olhos castanhos alertas e os cabelos brancos contrastando com o corpo pequeno e magro. - Foi você que chegou agora mesmo naquele carro velho? Ele a fitou, parecendo mais divertido que aborrecido. Diferentemente da sra. Cooper, Peter sabia que o trabalho de restaurar antigüidades era freqüentemente tumultuado. Esperaria que ela se vestisse com praticidade num dia de trabalho comum. Em contraste, a calça dele estava bem passada e a discreta gravata-borboleta combinava com a camisa e o paletó azul-marinho. - Sim, fui eu - confessou ela com um sorriso defensivo. - O carro pertence a uma amiga que está me hospedando. O investigador do incêndio ligou para dizer que me deixaria tirar algumas coisas da casa esta manhã, e Julie me emprestou o carro para coletá-las. Mas vai precisar dele esta tarde, então o carro não vai rebaixar o nível do seu bairro por muito tempo. Peter riu. Alegava ser durão, mas possuía um coração amável, como Emily descobrira após a morte de seu avô, e no começo de sua luta para fazer da herança dele um sucesso. James Quest tivera uma sólida reputação como restaurador de cerâmicas, mas o fato de Emily ter treinado e trabalhado com o avô desde sua adolescência, e construído as próprias realizações, não fora suficiente para convencer todos os clientes de que era uma artesã talentosa por natureza, perfeitamente competente para lidar com os futuros encargos deles. - Ofereci para que Jeff a apanhasse e a levasse a qualquer lugar que quisesse - disse Peter. - Eu sei, mas não achei que chegar num Rolls-Royce com chofer causaria a impressão certa no agente de seguros - murmurou ela. - Não quando fiz uma reivindicação alegando dificuldades financeiras! - Ele poderia saber que você tem alguns amigos influentes. - Tenho certeza de que isso não será necessário -disse Emily, ciente da atenção da sra. Cooper. - O processo está no começo ainda, entretanto... Mas não tão no começo para que ela não se preocupasse sobre o que ia fazer se a companhia de seguros decidisse contra o pagamento total dos danos. Era difícil acreditar que fazia somente quatro noites que acordara com o toque insistente do alarme de incêndio do estúdio no andar inferior, e sairá da cama para encontrar uma grossa fumaça subindo a escada. O peito se comprimiu com a memória sufocante. A casa na qual seus avós haviam morado durante toda a vida de casados... e o único lar verdadeiro que Emily tinha conhecido... uma construção velha de madeira nativa. O piso inferior e a garagem adjacente estavam em chamas quando os bombeiros chegaram, más o trabalho rápido dos homens conseguiu salvar o piso superior, apesar dos danos causados pela água das mangueiras. Restava saber agora se a casa seria reparada ou se o dano estrutural tinha sido tão grande que teriam de demoli-la. - O que eles reportaram sobre a causa do fogo? Emily deslizou os dedos pelos cachos castanhos desordenados. - Apenas que começou no estúdio, mas estão esperando por testes, a fim de descobrirem se foi algum produto químico, ou algo assim. Parte do problema é que o serviço de bombeiros ainda está investigando os estragos causados pelos fogos de artifício, rojões e fogueiras da celebração da captura de Guy Fawkes. Aparentemente, novembro é um mês de incêndios inesperados. - Então, eles acham que pode ter sido deliberado? - perguntou Peter, o semblante preocupado. - Não sei... o agente me fez diversas perguntas sobre o modo como guardo minhas colas, meus solventes e materiais de limpeza. Vovô James sempre foi muito cuidadoso com esse tipo de coisa. Insistia que eu fosse organizada para guardar o material todas as noites. Eu nunca teria sido tão descuidada, deixando combinações perigosas de produtos químicos ou inflamáveis ao redor - enfatizou ela. - É claro que não, portanto, não se preocupe. Eles não vão achar nada para culpá-la do incêndio - murmurou Peter. - Contanto que não levem meus clientes a pensar que trabalho em seus tesouros num ambiente sem segurança. - Emily suspirou. - Não tenho condições de perder clientes de novo. Acabo de começar a prosperar pela primeira vez desde que vovô morreu... - Mais uma razão para você mostrar-lhes que continua capaz de trabalhar. Venha ver se aprova o que eu fiz. - Ele pegou o cotovelo de Emily e conduziu-a para o escritório, olhando para a governanta de modo cons-piratório. - Não está na hora de um chá, Coop? E que tal aqueles seus fabulosos bolinhos? Ela quase sorriu do elogio. - Eu já ia pôr a chaleira no fogo para a srta. Quest. Mas terão de ser bolinhos de baixa caloria. Sabe o que o médico falou. Peter fez uma careta. - Não é fácil quando um homem velho tem de fazer dieta. Dez minutos depois, Emily estava gaguejando em choque enquanto andava nos fundos no estábulo holandês, trilhando a mão sobre as bancadas originais e prateleiras cheias. Iluminação perfeita vinha das janelas, revelando suas feições atônitas. Uma pia dupla estava instalada sob uma fileira de gabinetes e um extrator de ar jazia debaixo de um compartimento de spray de material plástico transparente, fixado a uma das bancadas. Ao lado de uma mesa forrada de espuma, havia um carrinho de rodas com uma variedade de ferramentas e materiais sobre a superfície de madeira... facas e estiletes de artesão de diferentes tamanhos, lixas e agulhas, pincéis, espátulas, pinças, algodão, cerâmica branca, materiais abrasivos, fixadores, pós e gesso. Podia não ter tudo o que um restaurador usava, mas tinha mais do que apenas o material básico. Havia até mesmo um pacote de luvas descartáveis e um par de óculos de segurança. - Quando você disse que me daria algum lugar para trabalhar até que o seguro pagasse, pensei que falava de um espaço vazio. Nunca esperei um estúdio totalmente equipado - gaguejou Emily. - Você já devia saber que não faço nada pela metade - disse Peter, satisfeito com a reação dela. - Este lugar é à prova de fogo, a propósito. E tenho detectores de fumaça e calor. Tudo tinha a aparência e o cheiro de novo. - Como você conseguiu fazer tudo isso em menos de uma semana? - Trabalhei no mercado de ferragens por mais de trinta anos - replicou ele com orgulho. - Com vontade e contatos certos, qualquer coisa é possível. - Peter era um homem sem qualificações formais, mas a atitude positiva e determinada o fizera construir um negócio de franquia internacional. Emily meneou a cabeça, impressionada pela generosidade dele. - Não acredito que fez tudo isso para mim. E demais, Peter. Nunca poderei pagá-lo... - Quem está lhe pedindo pagamento? - interrompeu ele. - Isso não é apenas para você. Vou me beneficiar também, lembra-se? Você vai restaurar todas as peças que Rosa não conseguiu enquanto estava viva. E essa jarra chinesa... você disse que levaria no mínimo um mês para restaurar. Eu não poderia deixá-la fazer o trabalho em um lugar restrito, sem as ferramentas próprias... Rose se remexeria no túmulo. Ela sempre gostou de você, acreditando que seria uma artesã ainda melhor que seu avô. Emily engoliu um nó na garganta. Como sempre acontecia toda vez que mencionava a esposa, a expressão de Peter era melancólica, e ela sentia a forte empatia que vinha encorajando sua amizade com ele durante os últimos anos. Depois da morte de Rose, o avô de Emily previra que Peter venderia sua valiosa coleção de porcelana chinesa ou a doaria para um museu, uma vez que tinha pouco interesse em arte. Mas Emily acreditara que Peter não se desfaria de algo que significava tanto para a esposa. Assim tinha acontecido e, após emergir da tristeza do luto, Peter continuara mandando peças para a Quest Restorations, seguindo o plano de preservação que Rose tinha deixado anotado em seu caderno de coleções. - Ainda acho que você gastou muito - disse ela sem graça. - Tenho dinheiro, não tenho? Por que não gastá-lo em algo que quero? Não posso levá-lo comigo. E não tenho mais ninguém com quem gastar. Emily sabia que o fato de Rose não ser capaz de conceber filhos tinha sido uma constante fonte de sofrimento para o casal. - Há seus sobrinhos. - O mais velho não precisa de dinheiro, e o mais novo o gastaria em bobagens. Eles receberão o bastante quando eu morrer... não se importam com o que faço enquanto isso. Emily nunca encontrara os irmãos West, que eram filhos do irmão mais novo de Rose, mas sempre ouvira Peter falando deles com orgulho. Segundo a sra. Cooper, eles visitavam o tio com regularidade, principalmente Ethan, de 32 anos, cujo quarto estava sempre pronto à sua espera. O irmão mais novo, Dylan, só aparecia quando estava em intervalos entre empregos, ou para mostrar uma nova aquisição incrível. - É claro que se importam - protestou Emily. - Você é o único parente vivo deles. Peter lhe lançou um olhar estranho. - Apenas de casamento, não de sangue - murmurou, surpreendendo-a. Peter nunca antes sugerira que aquilo fazia alguma diferença na força do elo. Teria discutido com um dos sobrinhos? Ela sentiu uma ponta de ansiedade, lembrando-se de como o avô fora ofensivo nos últimos anos de sua vida. - Eles têm o sangue de Rose - ela o relembrou. -Eles são família, e família naturalmente gosta de saber o que se passa na vida dos outros membros. - Isso é verdade. Então, você contou aos seus pais sobre a extensão do fogo? - perguntou Peter, mudando de assunto. - Disse que tentaria ligar para eles. - Oh, sim. - Emily deu de ombros. - Contatei o escritório central da agência de ajuda humanitária, e eles prometeram passar o recado. Comunicação é difícil naquela parte da África. Só falei que houve um incêndio e que eu não estava ferida. Não faz sentido comentar sobre a perda do estúdio. Isso não é nada comparado aos problemas de vida e morte que eles enfrentam todos os dias. Peter abriu a boca, mas então, fechou-a novamente. Encontrara os pais dela somente uma vez, quando haviam voado brevemente para o funeral de James. Ficara chocado ao vê-los partir quase imediatamente, para seu trabalho com os refugiados em Kashmir, mal perdendo tempo para reconhecer o sofrimento da filha. Emily sabia que ele não respeitava muito Trish e Alan por terem abandonado a filha de sete anos com os pais de Alan, de modo que pudessem viajar pelo mundo como voluntários em trabalhos humanitários. Mas Emily havia preferido viver com seus avós a viagens constantes, dificuldades e privações que seus pais abraçavam com fervor de auto-sacrifício. - De qualquer forma, eles não poderiam ter feito nada de onde estão - murmurou ela. - Fui eu quem herdou a casa e os negócios, portanto eles não têm responsabilidade legal para lidar. Apenas uma responsabilidade emocional... a filha deles... Peter poderia ter dito, mas não o fez, assumindo o papel de apoio que impusera a si mesmo desde a morte do avô de Emily. - Vamos tomar uma xícara de chá. Os bolinhos estavam tão esplêndidos quanto qualquer coisa que saía do forno da sra. Cooper, e, depois do chá saboreado ao ar livre, Emily tentou novamente expressar tanto seu agradecimento quanto o desconforto pelo presente de Peter. - Como você disse, seus pais não podem ajudá-la, mas eu posso - disse ele, recusando-se a discutir o pagamento dos materiais que comprara. Infelizmente, com poucas economias no banco e todos os seus planos dependendo do relatório do seguro, Emily podia somente oferecer uma alternativa para pagar. - Se eu estivesse com problemas, sei que me ajudaria no que fosse possível. Na verdade, você fez isso... continuou vindo me alegrar depois que Rose morreu, encorajando-me a me interessar por alguma coisa além do meu próprio sofrimento. Eu não seria um bom amigo se não retribuísse o favor, seria? "Diga-lhe para não ser teimosa, Coop", Peter apelou para a governanta, que aparecera para tirar as xícaras. "Emily está preocupada com o quanto gastei com minha surpresa e tentando me persuadir que deveria trabalhar de graça na lista de desejos de Rose para me reembolsar. Parece pensar que fiz uma bobagem." Emily enrubesceu enquanto ajudava a sra. Cooper a colocar a delicada porcelana chinesa na bandeja. - Não acho que é bobagem. Estou imensamente grata... mas sinto como se estivesse sendo paga duas vezes - defendeu-se ela, e viu aprovação e surpresa nos olhos da mulher mais velha. - Acho difícil encontrar alguém mais teimoso do que ele - comentou a sra. Cooper, olhando para o patrão. - O velho tolo não cede quando enfia uma coisa na cabeça. Tem sido um ditador quanto ao estúdio, e me amolando para arrumar seus quartos, como se eu não mantivesse todos os quartos desta casa impecáveis. - Meus quartos? - perguntou Emily, olhando confusa de um para outro. Peter inclinou-se para a frente na cadeira, lançando um olhar contrariado para a governanta. - Agora você estragou minha outra surpresa. Sei que não aceitaria uma ajuda financeira direta minha, Emily, mas achei que talvez gostasse de ficar aqui até que as coisas se resolvam e você encontre um local para alugar, ou volte para sua própria casa. - Mas eu já tenho um lugar para ficar... com minha amiga Mie. - Sim, mas ela mora com outra amiga e o apartamento só tem dois quartos, e você dormiria no sofá da sala. - Eu não me importo, realmente - insistiu Emily. - É só um arranjo temporário. - Você não sabe quanto tempo pode durar. E fica do outro lado de Auckland... um longo trajeto para vir trabalhar aqui todos os dias. Sem carro, você teria de pegar metrô e ônibus, os quais não são muito freqüentes nesta área. E ela recusara um chofer dirigindo um Rolls-Royce! - Tenho certeza de que vou me acostumar com isso - murmurou com fraqueza. - Você está acostumada a trabalhar em casa, com a liberdade de entrar e sair do seu estúdio sempre que deseja. Tenho muito espaço vago, portanto não vamos atrapalhar um ao outro. Quando Emily abriu a boca, ele ergueu uma das mãos. - Antes que negue, por que não deixa Coop lhe mostrar seu quarto? Fica na ala leste, perto da garagem, e tem uma entrada separada, de modo que você pode pegar um atalho para o estúdio. De alguma maneira, a sra. Cooper estava mais bem-humorada, e levou a relutante Emily para um luxuoso quarto branco, com uma pequena sala de estar adjacente, onde gabinetes antigos com portas de vidro e mesas orientais exibiam as estatuetas Meissen de Rose, aparelhos de jantar e sua última coleção, entre outros itens de porcelana chinesa. - É maravilhoso e não quero ofender o sr. Nash, mas acho que é melhor eu ficar com minha amiga - murmurou Emily, passando a mão pela coberta de penas. A larga cama de solteiro parecia tão convidativa comparada ao velho sofá de espuma de Julie que ela ficou tentada a deitar-se, mas então seria ainda mais difícil resistir à tentação. - Mas obrigada por fazer tudo isso - disse ela, gesticulando para incluir o vaso de flores sobre a penteadeira, as toalhas felpudas dobradas ao pé da cama e a travessa de frutas frescas em cima da mesinha da sala de estar. Havia até mesmo uma cesta de artigos femininos ao lado do telefone sobre o criado-mudo. - Ordens do sr. Nash. - A governanta deu de ombros. Não era de admirar que tivera uma recepção tão fria à porta, pensou Emily, dando uma última olhada no quarto. A sra. Cooper devia ter presumido que ela sabia de tudo aquilo, que talvez até tivesse manipulado Peter para oferecer-lhe. Devia ter pensado que Emily virará uma parasita, aproveitando-se da compaixão de um senhor de idade. - Bem, obrigada de qualquer forma... vi alguns itens aqui que não teriam ocorrido a um homem. - Que mulher não gosta de um creme para as mãos? - disse a sra. Cooper, com simpatia agora. - Então, viu o bastante para fazê-la mudar de idéia? - Peter Nash apareceu à porta, esfregando as mãos em antecipação a uma resposta afirmativa. - Ah... - Emily detestava desapontá-lo, mas sabia que já aceitara muito da generosidade dele. A sra. Cooper assentiu, encorajando-a, e discretamente saiu do quarto. - Esta era a parte da casa favorita de Rose depois que ela adoeceu. Gostava de sentar na cadeira de balanço perto das portas francesas, tomando sol, lendo livros e revistas, e fazendo uma lista de desejos nos seus panfletos de leilão. - Peter... - As palavras de Emily foram interrompidas por um súbito barulho que fez ambos irem para fora através das portas francesas. Centenas de flores nos jardins ao longo da parte traseira da casa subiam num louco redemoinho de pétalas multicoloridas, enquanto um helicóptero amarelo pairava sobre a casa, descendo e aterrissando na pista de decolagem circular atrás da piscina, no fundo dos jardins. - Parece que você tem outro visitante - murmurou Emily quando os motores diminuíram para uma parada e o piloto abriu a porta e saltou, os cabelos pretos com mechas avermelhadas no forte sol da manhã. Ele inclinou-se para puxar uma mala com rodinhas do assento de passageiro e rodeou a cerca de ferro em volta da piscina, dando passos largos ao longo do jardim e subindo os degraus de dois em dois. - E ele parece estar com pressa. O homem alto estava vestindo terno, mas movia-se de forma relaxada, revelando graça e força no corpo atlético. - É Ethan - disse Peter. - Está sempre com pressa. O que será que ele quer? - Você não o esperava? - perguntou Emily, olhando para a ponta dos óculos de sol que mascaravam o rosto do homem, ciente de alguma coisa familiar quando notou os ombros largos. No exato momento em que ele ergueu os olhos para a casa, desapareceu atrás de uma roseira alta que levava ao terraço dos fundos. - Não - murmurou Peter. - Ele geralmente liga para avisar quando vem. De onde será que está vindo dessa vez? Emily sabia que Ethan West tinha sido engenheiro de grandes estruturas antes de se aventurar no mundo refinado de casas luxuosas feitas sob medida, e que a especialidade dele era construir em áreas distantes da Nova Zelândia. - Quando você disse que ele fazia visitas "voando", não pensei que falasse literalmente - disse Emily, virando-se da janela. A casa principal de Ethan era na ilha Waiheke, então ela supôs que fazia sentido que ele se transportasse pelo ar para seus escritórios em Auckland quando o carro ou os serviços de balsa não se encaixavam em sua agenda de negócios. - Bem, enquanto você recebe seu sobrinho, eu vou me organizar, pegar uma caixa com alguns objetos que pude salvar no estúdio, depois guardar minhas coisas pessoais no armário que você pediu para Jeff esvaziar na garagem. Terei de fazer uma outra viagem para casa, porque nem tudo coube no carro. Em seguida, devolverei o carro de Julie, portanto só poderei começar a trabalhar no estúdio amanhã. - Mas você não pode sair antes de conhecer Ethan - disse Peter, segurando-lhe o ombro. - Já está na hora de eu apresentar vocês dois. Emily o fitou. - Tive a impressão de que você preferia que eu não conhecesse sua família. - Ela não pudera deixar de notar que os convites que recebia de Peter nunca coincidiam com as visitas dos sobrinhos, e que ele nunca sugerira que deveriam coincidir. Peter apertou-lhe o ombro. - Você pode culpar um velho egoísta que quer receber a atenção toda para si - murmurou. - É por isso que não vai aceitar meu convite para ficar? Porque acha que tenho vergonha de sua amizade? - É claro que não - Emily apressou-se em dizer. - Então, você vai pensar nisso? Ela suspirou. - Certo, vou pensar. - Porque significaria muito para mim. Você significa muito para mim - acrescentou, os olhos castanhos intensos. - Somente tê-la por aqui é melhor que qualquer tônico. Gosto de conversar com você. E sabe que eu não confiaria em mais ninguém perto das coisas favoritas de Rose. Portanto, jamais pense que não é valorizada ou querida, Emily. Incerta sobre o que causara aquele rompante de sentimentalismo em Peter, Emily sentiu os olhos marejados. Desde o incêndio, estava muito sensível. Recebera muita compaixão, mas não havia substituto para a saudade de sua família. Nunca sentira tanta falta do avô quanto nessa última semana, como Peter obviamente sabia. De modo impulsivo, deu-lhe um abraço forte, colocando-se na ponta dos pés para dar-lhe um beijo no rosto que o fez corar. - Eu amo você - disse ela, piscando a fim de reprimir as lágrimas. Então, experimentou uma terrível sensação de déjà vu quando seu olhar encontrou um par de olhos azuis letais estudando-a da porta. - Eu deveria ter batido? Eles se separaram, os joelhos de Emily tão fracos que ela tropeçou e caiu na cama, enquanto Peter se virava, enrubescendo ainda mais. - Ethan, meu garoto! - exclamou Peter animado. - Acabei de dizer a Emily que saíssemos para que eu pudesse apresentá-los. - Saíssem do quarto? - Sobrancelhas escuras arquearam-se, contrastando com a voz seca. Os olhos dele percorreram o quarto, demorando-se brevemente nas estatuetas de Rose. Estaria checando se não sumira nada? Oh, Deus, era ele. Não havia engano naquele semblante duro e nos olhos brilhantes. O sobrinho mais velho de Peter era o altivo salvador de Emily... o Cavaleiro Sombrio da festa dos Webber. O homem que ela tinha provocado como uma prostituta barata! Ele obviamente a reconhecera, também. Por um momento, Emily tinha visto uma explosão de descrença, seguida por surpresa, confusão e raiva. Ele se virou para estudar o tio. - Acabei de voltar de South Island ontem - disse abruptamente. - Quando lhe telefonei, você estava fora, mas a sra. Cooper tinha muitas novidades sobre sua jovem amiga, sem teto... Ele a fez parecer uma mendiga, e Emily supôs que, no momento, fosse mesmo. - Coop nunca sabe tanto quanto pensa que sabe - retorquiu Peter, recuperado do choque inicial. - Emily? - Ele pegou-lhe a mão trêmula e ajudou-a a levantar. Milagrosamente, os joelhos obedeceram e ela se aproximou para encontrar seu destino. - Esse é meu sobrinho Ethan - apresentou com formalidade. - Ethan, quero que conheça Emily Quest, que se tornou uma boa amiga nos últimos anos... assim como tem feito um trabalho habilidoso. Ela é uma restauradora talentosa de cerâmicas antigas. - Verdade? - O tom de Ethan era levemente ácido. A mão fria de Emily foi completamente engolida pela palma grande e quente, fazendo-a lembrar-se da última vez que eles tinham se tocado. - Estou absolutamente fascinado em conHecê-la, Emily Quest - murmurou ele com entusiasmo, apertando-lhe a mão ainda mais e efetivamente prendendo-a. - Não tenho dúvidas de que é extremamente talentosa em qualquer coisa que faça. Emily puxou o cotovelo num movimento brusco para tirar a mão da dele, sentindo-se uma completa tola quando ele deixou-lhe os dedos deslizarem facilmente, como se nunca tivesse pretendido outra coisa. - Que curioso... meu tio nunca falou de você. O que será que isso significa? - Talvez ele não tenha achado que valesse a pena falar sobre mim até agora. - Ela deu de ombros. - Quanta modéstia! - Ethan inclinou a cabeça e olhou-a demoradamente do topo da cabeça até as meias brancas. - Sabe, tenho a impressão de que você me é familiar de uma forma indefinível - murmurou. -Acho que, se eu pensar bastante, vou descobrir por quê. Peter ficou tenso, como se só agora tivesse percebido a atmosfera estranha, e disse: - Você está imaginando coisas. - Na verdade, ele não está - rebateu Emily, decidida a ser sincera. - Ethan e eu nos vimos antes... em uma festa, alguns anos atrás. Uma festa maluca de que, creio, nenhum de nós dois gostou muito. Comportei-me mal e flertei com ele, e Ethan me rejeitou sem rodeios. Houve um pequeno silêncio, então Ethan sorriu. Friamente. - Não é assim que me lembro disso - declarou ele. E o coração de Emily disparou violentamente.
Posted on: Thu, 08 Aug 2013 01:33:57 +0000

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