"Quando a massa atua por si mesma, só o faz de um modo, porque - TopicsExpress



          

"Quando a massa atua por si mesma, só o faz de um modo, porque não tem outro: lincha." Era assim que Ortega y Gasset descrevia, em "A Rebelião das Massas", a tendência comportamental da multidão. Não seria exagero dizer, diante disso, que toda turba é estúpida. E não somente por não se constituir preponderantemente de pessoas inteligentes ou, ao menos, bem informadas. Mas porque não há razão e coerência em uma mente coletiva. Melhor, a consciência coletiva simplesmente não existe. Existem as consciências individuais, com suas crenças e ideias, suas inclinações e propósitos. Quando uma legião delas se une espontaneamente, não se obtém um discurso inteligível, mas mixórdia pré-intelectual. É por isso que o que dá liga às multidões costuma ser não a razão, e sim um traço emocional, a paixão ou o ódio, o encantamento ou a indignação. O que temos visto no Brasil, especialmente na última semana, é um típico fenômeno da massa, confusamente revoltada, mas confiante de sua "onipotência numérica". Como não quer nada em específico, mas tudo de bom a um só tempo, e entregue em domicílio, não importa o modo de realizá-lo, ela não é capaz de dialogar. Como não sabe "o que" quer, e de que maneira, e em que prazo, só lhe resta linchar, se não a porretadas, com palavras de ordem. Lincha o Congresso, lincha a Justiça, lincha os governos, lincha a polícia, lincha os partidos políticos; lincha, enfim, todas as instituições democráticas. Mas, claro, não faz ideia do que colocar no lugar. Nada mais a representa - mas nem desconfia que a democracia direta, sem espaço na realidade, só interessa a demagogos oportunistas. Particularmente, não sou afeito ao temperamento das multidões. Só me permito mergulhar na massa quando se trata de torcer pelo meu clube de futebol - e o ser destemperado em que me transformo é um bom alerta para que não tente repetir a experiência em outras instâncias da vida, mormente a política. Por isso, penso que o indivíduo deve se proteger e, antes de aglomerar-se, saber bem pelo que o faz. Se conheço o que a multidão quer, sei pelo que me uno a ela e pelo que luto; compreendo os motivos da mobilização e posso distinguir o momento de abandoná-la, caso não mais atenda aos meus anseios. Em suma: preservo-me como ser autônomo, não me deixo simplesmente levar pelo êxtase de se perder no mar do povo, em que somos todos um só. A série de manifestações que assola o país, no entanto, em vários sentidos desprovida de limites, não tem espaço para indivíduos. É uma imensa torcida de futebol que se voltou contra todos os jogadores do time, além do técnico, do preparador físico, do presidente - e até o porteiro da sede. Mergulhe nela e converta-se em uma gota no oceano, apta apenas a engrossar o coro do linchamento. A despeito do amontoado de justas reivindicações - e de outras nem tão sensatas -, não há discurso. O que a une é a indignação frenética, e um certo gosto de carnaval. Nada, ou qualquer coisa, pode aplacar sua excitação. E, como não é possível dar-lhe tudo, nem há algo certo a lhe dar, ela vai ficar é com qualquer coisa mesmo. O oportunismo já deu o ar de sua graça, com a proposta bolivariana do plebiscito sobre uma "Assembleia Constituinte" destinada a realizar a reforma política. Agora só falta a demagogia da grossa. Além do congelamento do preço de tarifas de transporte e de pedágios, em que pese o processo inflacionário por que passa o país, é bem provável que se multipliquem as medidas populistas de políticos ansiosos por preservar a reputação que lhes resta e evitar, assim, ser engolidos pelas urnas. Como não saberá direito se é isso mesmo o quer, a massa vai urrar de satisfação prepotente, sem nem sequer desconfiar das consequências deletérias que o tempo assim lhe reserva. E por que penso assim? Bem, ademais de tudo que vai acima, porque as multidões, além do colapso das cidades e de fogo nas ruas, nada introduziram de novo na vida política nacional, senão um certo pavor nos governantes, que tende a ser mais ou menos histérico a depender do grau de irresponsabilidade de cada um. De resto, nenhum frescor de ideias, nenhuma mirada para um caminho inexplorado. Somente o mal e velho desejo de que o Estado venha de tudo nos prover. Para arrematar, aproveitando o gancho estatal, invoco novamente a lucidez de Ortega y Gasset contra "A Rebelião das Massas": "Imaginemos que aconteça qualquer dificuldade, conflito ou problema na vida pública de um país: o homem-massa tenderá a exigir que o Estado o assuma imediatamente, que se encarregue diretamente de resolvê-lo com seus meios gigantescos e incomparáveis. "Este é o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estatização da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social pelo Estado; isto é, a anulação da espontaneidade histórica, que definitivamente sustenta, nutre e impulsiona os destinos humanos."
Posted on: Tue, 25 Jun 2013 06:31:51 +0000

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