Sobre perder-e-ganhar Domingo passado foi um dia triste-alegre. - TopicsExpress



          

Sobre perder-e-ganhar Domingo passado foi um dia triste-alegre. Pode parecer estranho que com a mesma notícia, a gente fique tão triste, a ponto de até chorar, e tão alegre e esperançosa. Mas acontece! Na manhã de domingo, me lembrei da minha avó paterna, que já morreu há muito, muito tempo. Visitei-a pouquíssimas vezes, quase nunca conversamos, e eu nem me lembro do som da sua voz. Mas essa minha avó é minha heroína. Tanto que meu trabalho de final de graduação dediquei a ela, assim como meu mestrado, e agora, o doutorado. Ela teve três sonhos na vida, e não a deixaram realizar nenhum. Desejava ser camponesa, ter um pedacinho de terra pra plantar e comer. Mas sua realidade foi vagar de madrugada em madrugada, gelada até a alma, em cima das carrocerias de sujos caminhões, que levavam os empobrecidos trabalhadores boias-frias pra colher feijão, milho, algodão e café, nas ricas fazendas do município de Itapira, interior de São Paulo. O segundo sonho era ter uma casa. Também não a deixaram ter, porque as dívidas eram sempre maiores que os ganhos. Claro, lógico, óbvio. O terceiro sonho era aprender a ler. Mas, o pai dela não permitiu que ela estudasse. Aliás, não permitiu que nenhuma das filhas frequentasse a escola. A alegação – “mulher vai pra escola só pra aprendê a escrevê cartinha pra namorado”. Então, minha avó era sem-terra, sem-teto e sem letras. E assim, sem-terra, sem-teto e sem-letras a minha avó, junto com tantas pessoas na mesma situação, era levada, todos os dias, o dia todo, pra enriquecer os já ricos. Mas, enquanto trabalhava, estudava. Ela sabia ouvir, ouvir, ouvir, e aprendeu muito sobre rios e sonhos. Numa noite fria e silenciosa – chamou meu pai: – Filho, você sabia que a água dorme? _ ?????!!!!! - Vamos lá que eu vou te mostrar. Tomando meu pai pelas mãos, o levou até o rio, que naquele tempo ainda corria livremente. Ficaram ali parados em silêncio, os dois, só ouvindo, ouvindo, ouvindo. De repente, a revelação! A água que vinha sonora, saltitanto pelas pedras do rio, parava, descansava, dormia, e só lá na frente acordava! Meu pai ficou emocionado. Tanto, que até hoje, mais de 50 anos depois, se lembra da história. E nesse domingo passado, me contou. E eu fiquei triste, triste, triste, porque vivemos num tempo e num lugar que não há mais rios. Que o Tietê é tão triste como eu, quando olho pra ele, tão pesado de lixo, esgoto, sem peixes, aqui nessa coisa chamada metrópole de São Paulo. Eu queria ver os rios dormirem e as águas sonharem. Eu queria sonhar o sonho azul das águas! Mas, uma utopia consoladora me alegrou. Pois, se um dia, a minha avó ouviu a água dormir, de alguma maneira, isso faz parte da minha herança, do meu tesouro genético. E a minha luta, somada a de tantos e tantas companheiras, ganhou um sentido novo. E na próxima manifestação, já sei o que escrever no meu cartaz – “Não é apenas por R$0,20 – é pelo direito de ver os rios e suas águas dormirem”.
Posted on: Thu, 25 Jul 2013 19:39:01 +0000

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