“Somos da raça dos Cem Anos, da bomba nuclear, da - TopicsExpress



          

“Somos da raça dos Cem Anos, da bomba nuclear, da Inconfidência Mineira, somos gente da terra de Canudos, somos os fãs e juízes de Antônio Conselheiro e Lampião. Somos aqueles por trás de fardas militares. De mim, não falo nada, mas sou mais reticência do que pausa entre as minhas palavras. Meu silêncio é propositalmente triste, e não necessário. Falo de nós, e principalmente do nós que desconheço. Da generalização que me põe em números, em estatísticas, em consentimentos, em estudos antropofágicos, em análises. O todo que me é, é o nada que me pertence. A minha pele amarrou-se no vento e foi pra longe, cuidar do mundo. Talvez eu me lembre dos caminhos e das insanidades que venci, mas eu presumo pelo que vou encontrar, sem nunca ter caminhado muito longe do meu próprio passo. É a experiência que diz que vou sofrer e apanhar, que ninguém vence pelo prazer da preguiça, que cachorros no Japão morrem à pauladas porque carne nenhuma fica macia sem sofrimento, que a substituição ocorre e o ser humano lameado é limpo pela água e que do broto nasce as árvores. Somos da raça que morde e late, que desiste fácil, que explode cérebros com a praticidade e o esforço de acariciar um simples botão. Não nos é permitido a criatividade, e tudo o que choca é impiedosamente transformado em canja. E os ovos viram omelete, comemos nossos frutos no café da manhã, obedecendo a uma ordem invisível de canibalismo para que nos mantenhamos fortes com a nossa própria fraqueza, impedindo que bípedes estúpidos ganhem o universo da mesma maneira que perderam a Terra. É triste o que me contam, mas de mim não vou falar. É a agonia de me ver embebido num plasma cósmico, num troço pegajoso como num caldeirão de almas, onde cabeças ensanguentadas se banham e esperam o resumo final. Se minha vida fosse um livro, eu teria preguiça de lê-lo. Na verdade, eu me veria através do fogo, rindo, suando feito um demônio, jogando brasa em cima do monte. Não sentiria dor, só o despreparo dos ossos que não aguentam mais a juventude complicada. Sinto ódio, honestamente, em ver a quantidade de rugas que atravessam a rua sem olhar pros lados e sinto pena das que morrem em mesas de cirurgia. Não das rugas, e sim dos corações meio baqueados com a anestesia que invejam a medicina do esquecimento superficial. Ou melhor, nada de coração. Falo da mente, porque a razão humana é uma metonímia e de um instante pro outro… os pés se cansam do fardo e os culpados viram inocentes, e os inocentes viram culpados. Assim como na guerra e na mídia. Somos da raça das primeiras mortes anunciadas, das questões impossíveis, e fomos destinados e preparados para duvidarmos da dúvida. Essa existência já é um livro queimado, quando a primeira brasa ainda não ousava existir. Se algo deve ter sido um nada antes de ser algo, e se antes do nada veio alguma coisa, o primeiro choro registrado na humanidade deve ter sido por amor. E tristeza.” #Anna
Posted on: Sat, 31 Aug 2013 02:34:30 +0000

Trending Topics




© 2015