Sonho da terra embarca na BR-319...............Ana - TopicsExpress



          

Sonho da terra embarca na BR-319...............Ana Aranda..........02.07.13.. Construída pelos militares durante a década de 1970, a rodovia que liga Porto Velho, em Rondônia, à Manaus, capital do Amazonas, é um retrato da falta de planejamento governamental do Brasil Trinta anos de descaso e abandono fizeram do trecho da BR-319, saindo de Humaitá, no Amazonas, em direção à capital manauara, uma verdadeira armadilha. Na estrada se alternam pequenas manchas de asfalto com atoleiros intransponíveis na época das chuvas. A mata toma conta de boa parte dos antigos acostamentos e a erosão estreitou a via, criando um degrau de cerca de meio metro em cada lado da antiga rodovia. A estrada que deveria ser uma ligação do Estado do Amazonas com o sul do País é um retrato da falta de planejamento e do descaso com que é tratado o dinheiro público no Brasil. As informações sobre quanto custou esta obra, na década de 1970, hoje são de difícil acesso, mas dá para afirmar que não saiu barato. Deslocar operários e maquinários para dentro da mata inóspita em uma época em que nem a BR-364 (que liga Porto Velho ao Mato Grosso) era asfaltada certamente envolveu muito dinheiro. E o plano dos militares de “integrar a Amazônia para não entregar”, como dizia um slogan da época, acabou como tantos outros projetos faraônicos que têm início mas não têm fim neste imenso e contraditório Brasil. Nas margens do que foi uma rodovia, as capoeiras mostram o sonho desfeito de brasileiros que apostaram na estrada. As porteiras tomadas pelo mato se alternam com árvores imensas, remanescentes da floresta abatida. Uns poucos corajosos resistem. Gente da própria região que vive em pequenas casas cobertas de palha e outros vindos de fora, que ainda acreditam que a estrada será recuperada. A cerca de 180 quilômetros de Humaitá, no quilômetro 555 da 319, uma pequena vila chamada Realidade, com aproximadamente 5 mil habitantes, é o ponto de referência e de abrigo de pequenos agricultores que saíram de Rondônia, na grande maioria, em busca do eterno sonho de cultivar a própria terra. É o caso de Ademar Gouveia da Silva, 28 anos, que está recomeçando a vida na Amazônia, seduzido pelo preço da terra na longínqua 319. “Em Cujubim, onde eu morava o hectare de terra custa R$ 42 mil, aqui o preço é de R$ 5 mil a R$ 9 mil o hectare”, relata. A reportagem do Diário encontrou na estrada o casal Édson Luiz, 51 anos, e a mulher, Luciane, 30, com a pequena Hilari, de 6, no meio dos atoleiros. De moto, com os chinelos guardados na carona do veículo, eles demonstravam a alegria e a esperança de quem encara uma nova oportunidade. Édson percorreu o mesmo caminho de outros milhares de pequenos agricultores que empurram os limites da fronteira agrícola no Norte do País. Paulista, ele viveu no Paraná e andou até pelo Paraguai. Ultimamente morava em Rolim de Moura, de onde partiu para a vila Realidade. O casal saiu de Rolim de Moura para tentar a sorte no Amazonas. Enquanto aguardam por um pedaço de terra, estão gastando o dinheiro que trouxeram de Rondônia para manter a família “A nossa esperança é a Copa. Se o governo não arrumar a estrada agora, nunca mais”, diz Luciene, referindo-se aos jogos da Copa do Mundo que serão realizados em Manaus no ano que vem. O piauiense Derli Pereira do Nascimento, 41 anos, e a esposa, Maria Aparecida Pires Costa, 30, também saíram do interior de Rondônia para tentar a sorte no Amazonas. Em outubro do ano passado, eles deixaram a pequena chácara de meio alqueire em Vista Alegre do Abunã, em Porto Velho. Vivem hoje na vila Realidade, onde ela trabalha como ajudante de açougue. Ele é carpinteiro e faz pequenos bicos. O casal já faz planos para voltar, porque já não acredita que as condições da estrada – apontado como o maior problema da região – vão ter uma melhora tão cedo. Maria Valdecir Ramos Rodrigues vive com o marido na margem da 319. A casa é típica da região, coberta de palha. Ela conta que nasceu ali mesmo e sobrevive com a fabricação de farinha e coleta de açaí e castanha. Diz que não lembra da idade, mas aparenta ter entre 50 e 60 anos. Com os filhos já criados, vive com três netos, com sete, oito e 11 anos. Cada vez que as crianças pegam um ônibus para ir à escola ela teme pela segurança das crianças. Conta que em certa ocasião, eles chegaram em casa às 23h, depois de ficarem presos em um atoleiro. “Todos os dias eu peço em oração para que cuidem deles. Aqui tudo é muito perigoso”, afirma ela. Notícia de distribuição de terra pelo Incra é falsa A notícia de que o Incra estaria distribuindo terra ao longo da BR-319, no entorno da vila Realidade, que tem levado agricultores de Rondônia a venderem o que têm para recomeçar a vida no sul do Amazonas é falsa. O alerta é da chefe da Unidade Avançada do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em Humaitá, Maria Terezinha Leite Barbosa. O Incra possui na região um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), criado em 2007, e abandonado por boa parte dos titulados. O PDS é baseado na exploração sustentável da floresta e os assentados têm direito a desmatar um terreno para a construção da moradia e o cultivo de um pomar, horta e pequena roça, para a subsistência da família. O modelo do PDS não corresponde às expectativas dos pequenos agricultores, que têm já entranhada a cultura de retirar a floresta para o cultivo da terra e a grande maioria nunca trabalhou como extrativista. As péssimas condições da BR-319 aumenta o desânimo, de acordo com Terezinha Leite Barbosa. Muitos agricultores também se desestimularam porque pensavam que o Incra iria repassar recursos para o cultivo da terra. “O Incra já não faz mais isso. Só é repassado um rancho e os recursos necessários para a abertura da terra, só isso. Mas o pessoal ainda acredita que vai receber alguma coisa”, diz a chefe da Unidade Avançada do Incra. Com o esvaziamento do PDS, o Incra vai fazer um levantamento ocupacional nos próximos dias para verificar quem não é assentado e a possibilidade de regularizar a situação daqueles que já estão trabalhando na terra dentro do Projeto. Quem não se enquadrar em nenhum destes casos terá que comprar a terra. Os lotes que ficam ao longo da BR-319 já estão titulados. Maria Terezinha alerta os que acreditam na falsa notícia que corre no boca a boca em Rondônia de que a terra é artigo fácil em Humaitá. “O ideal é que as pessoas procurassem o Incra para buscar orientação antes de se aventurar ao longo da estrada, mas, infelizmente, não é isso o que acontece. Na verdade, estão havendo invasões e os invasores estão sujeitos a serem retirados da terra”, assegura a chefe da extensão do Incra de Humaitá. Controversas marcam abandono da BR-364 Em 2009, a então ministra do Planejamento Dilma Rousseff participou da festiva inauguração de um porto e o trecho recuperado de 200 quilômetros da BR-319 que liga Porto Velho, capital de Rondônia, ao município de Humaitá, no sul do Amazonas. Na ocasião, ela afirmou que o governo recuperaria toda a BR-319, oportunizando acesso rodoviário para os torcedores que quisessem visitar Manaus para assistir aos jogos da Copa do Mundo de Futebol, que serão realizados em Manaus no ano que vem. A promessa da hoje presidente do Brasil era de fazer uma estrada-parque, com fiscalização que impedisse o avanço sobre a floresta. Várias unidades de conservação foram criadas ao longo do trajeto da rodovia, para impedir a devastação da floresta. A menos de um ano da Copa do Mundo de Futebol – que será realizada em junho do ano que vem, as promessas de Dilma dificilmente serão cumpridas. A BR-319 tem 877 quilômetros e é dividida em três lotes. O primeiro, que parte de Manaus em direção ao sul do Estado e o terceiro, que liga Porto Velho a Humaitá já foram recuperados. No meio, numa extensão de 450 quilômetros – os trabalhos de recuperação esbarram na falta de licenciamento ambiental. As dificuldades de licenciamento passam pelo protesto de entidades ambientalistas, que temem pela destruição da floresta. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) chegou a elaborar o Relatório de Impacto Ambiental, etapa imprescindível para o licenciamento da obra, mas posteriormente exigiu um levantamento mais minucioso sobre a flora e a fauna na região, que ainda não ficou pronto. Em 2009, o então Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, informava que o licenciamento dependia da criação de unidades de conservação nos estados do Amazonas e Rondônia e que este último ainda não havia cumprido a sua parte, embora os 450 quilômetros abandonados estivessem em sua totalidade em terras amazonenses. A situação da BR-319, que é praticamente intrafegável até a vila Realidade, fica pior no trecho que segue para Manaus. As dificuldades de trânsito naturalmente expulsaram os moradores e os motoristas trafegam longos quilômetros sem encontrar ninguém. Em um trecho de 30 quilômetros entre Humaitá e Realidade, os veículos só passam puxados por tratores na época das chuvas. A partir de Humaitá, um grupamento do 7º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção) trabalha na recuperação de um trecho de cerca de 10 quilômetros da estrada. A vila de Realidade conta com uma linha de ônibus que diariamente vai até o povoado e retorna para Humaitá no dia seguinte. O serviço é prestado pela Mapitu Turismo e a passagem custa R$ 25,00. Humaitá de costas para o governo do Amazonas Localizada a 591 quilômetros de Manaus e a 200 quilômetros de Porto Velho, o município de Humaitá está de costas para o governo do Amazonas. E a distância da capital manauara fica mais longa com a desativação da BR-319. A falta de acesso rodoviário dificulta o trabalho de órgãos públicos ligados administrativamente ao Estado. “Para ir à Manaus, só de barco ou avião. Pelo rio Madeira, a viagem demora três dias e as passagens aéreas têm um preço exorbitante”, informa a chefe da Unidade Avançada do Incra de Humaitá, Maria Terezinha Leite Barbosa. O comerciante Fernando Pereira saiu do Ceará em 1979 e chegou em Humaitá pela BR-319. Para ele a lenta desativação da estrada, que desde a década de 1980 não tem manutenção, é uma das causas da falta de oportunidades de trabalho e renda no município de 45 mil habitantes e uma extensão de 33 mil quilômetros quadrados, localizado no sul do Amazonas. “Se esta estrada estivesse boa, eu não estaria aqui conversando com vocês [reportagem do Diário]. Estaria atendendo aos fregueses”, afirmou ele do balcão da churrascaria instalada a poucos metros da rodoviária do município.
Posted on: Wed, 03 Jul 2013 02:22:31 +0000

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