TEMA II. A FALÁCIA DE ALGUMAS IDEIAS ASSOCIADAS AO DIREITO: LEI, - TopicsExpress



          

TEMA II. A FALÁCIA DE ALGUMAS IDEIAS ASSOCIADAS AO DIREITO: LEI, NATUREZA HUMANA, INTERDISCIPLINARIDADE E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA. 4. As ideias da diversidade cultural e do relativismo moral de corte pós-moderno [Sobre o ensino jurídico e as Faculdades de Direito]. PARTE III “Cuando soy débil os reclamo la libertad en nombre de vuestros principios; cuando soy fuerte, os la niego en nombre de los míos”. MONTALEMBERT Os pós-modernos nos dizem que a natureza não existe: só o mundo flutuante e líquido de nossas próprias construções. Toda menção da natureza humana é tachada de dogmática e reacionária. Deixemos esses falsos absolutos a um lado, dizem os pós-modernos, e aceitemos que o mundo é aquilo que nós interpretamos que é. Essa negativa pós-moderna da verdade é a pior arrogância possível. De fato, o “episódio” pós-moderno, tão apreciado pelos movimentos críticos e que provoca secreção de adrenalina em determinados juristas acadêmicos proclives à retórica, tende ao extremo e se caracteriza por ser a antítese polar extrema da Ilustração (Holbach, Diderot e Helvétius): a verdade é sempre relativa e pessoal. Cada indivíduo cria seu próprio mundo interior mediante a aceitação ou o rechaço de signos linguísticos que cambiam sem cessar. Não existe um ponto privilegiado, nem um norte ou critério que guie o comportamento humano. E uma vez que o Direito não é mais que outra maneira de ver o mundo, não existe nenhum modelo a partir do qual se possa construir coerentemente seu sentido; quero dizer, um modelo a partir do qual seja possível extrair o significado profundo das normas, valores e princípios jurídicos relativos à solução pacífica de conflitos e à organização da cooperação social. Só existe a oportunidade ilimitada dos indivíduos para inventar interpretações, hipóteses e comentários de uma realidade que ele mesmo (e somente ele) constrói. A ideia de que tudo é “construído” pertence a essa família [assim também a crença em um multiculturalismo/pluralismo extremo]. O que significa que se o fundamento da Ética e do Direito é a suposição de que as pessoas têm preferências, desejos e necessidades – e que, por sua vez, gozam de plena autoridade sobre o que são esses desejos, necessidades e preferências –, a negação de um sentido indisponível do Direito fundado na natureza humana e a consequente negação da possibilidade de se aceder a métodos universalmente válidos de pensamento objetivo converte-se em um instrumento útil para, uma vez deformado, justificar qualquer atrocidade e, como tal, servir para atender a finalidades potencialmente perniciosas. Mas não somente isso. O que não deveriam ser mais que propostas marginais, ao menos por sua inconsistência lógica, transformaram-se em “mainstream” do pensamento (pseudo) científico atual. E as próprias faculdades de Direito não escaparam à avassaladora interferência desse fenômeno. Explico. Os teóricos e filósofos do Direito (pelo menos em sua maioria) parecem estar, na atualidade, submetidos a uma espécie de aliança ímpia tácita entre a verborréia relativista pós-moderna e pós-estruturalista, anticientífica e antirracionalista, e uma retórica autocomplacente, pretendidamente muito “científica”, dominada, sobretudo, por um positivismo, um sociologismo, um jusnaturalismo substancial ontológico, alguma teoria da eleição racional e/ou pelo modismo das recentes teorias dos direitos humanos e fundamentais – algo mais próximo à descrição de Henry Ford: “uma maldita coisa depois de outra”. Enquanto os pós-modernos fogem da realidade social, moral, científica e jurídica com delirantes imposturas (tudo é texto e truanices parecidas), os outros, os cientistas” do Direito, os “filósofos dos direitos humanos”, os “teóricos da argumentação” e os “paladinos da hermenêutica” fogem da realidade social e científica construindo triviais pseudomodelos teóricos que não passam, com frequência, de grotescas paródias argumentativas sem qualquer escrutínio empírico minimamente sério, senão carentes da menor autoconsciência respeito da realidade biológica que nos constitui, dos problemas filosóficos e neuropsicológicos profundos que implica qualquer teoria da ação intencional humana e, em particular, da necessidade de uma nova (revisada e reformada) teoria da racionalidade (uma espécie de racionalidade plural, radicada no corpo e cujo caráter vital está impregnado de valores, emoções e sentimentos). Enfim, por uma completa falta de precisão relativa à adesão e compatibilidade de seus respectivos discursos com o que hoje já se conhece acerca da natureza humana. É nessa paisagem cognitivamente hostil à realidade por parte das faculdades de Direito que tanto os juristas fiéis à “pureza” como à “liquidez” do Direito parecem estar sempre imunes a toda argumentação que não se ajuste ao seu sistema de crenças; uma espécie de “desatenção cega”, que consiste na incapacidade de ver também o que não estamos acostumados a ver ou que não temos de antemão na cabeça; um tipo de “prejuízo confirmatório”, que consiste na circunstância de que recordamos, insistimos e notamos somente os fatos que confirmam nossas ideias e olvidamos aqueles que as desafiam; uma forma de resistência construída durante anos de doutrinamento universitário, ainda que fundamentada em uma psicologia humana impossível, com uma ideia de natureza humana procedente do século XVII e utilizando métodos do século XIX. Claro que toda a sabedoria herdada (e ainda utilizada) é assombrosa, fascinante e inteligente. Mas está baseada principalmente em suposições, como sabemos pela informação científica e histórica atual. Ao longo da história humana, vários foram os autores que elaboraram teorias morais e jurídicas, interpretações e histórias sobre o que significa ser humano, sobre o que significa existir e sobre como devemos viver. Tudo isso forma parte de nosso rico passado. Não obstante, a crua e dura realidade é que essas ideias férteis, metafóricas e atrativas – já sejam filosóficas ou jurídicas, e perfeitas para conseguir livros de grande êxito – são meros relatos, se bem alguns mais demonstráveis que outros. O que realmente resulta insólito é que se siga questionando, ignorando e/ou desconsiderando a existência da natureza humana, quando os dados mais atuais proporcionam bases científicas e históricas para fundamentar novos modos de entender nossa natureza, nosso passado evolutivo e nossa forma de pensar e atuar. Sabemos que existe algo que denominamos natureza humana, com qualidades físicas, instintos, intuições e emoções inevitáveis em muitas e diversas situações. Sabemos que algumas propriedades fixas da mente são inatas, que todos os seres humanos possuem certas destrezas e habilidades das que carecem outros animais, e que tudo isso conforma a condição humana. E hoje sabemos que somos o resultado de um processo evolutivo que, para bem ou para mal, modelou nossa espécie. Somos primatas peculiares, animais éticos com qualidades físicas e uma série de predisposições genéticas e psicológicas para desenvolver-nos adequadamente em nosso entorno. É essa a natureza humana que, de forma direta ou indireta, impõe constrições cognitivas fortes para a percepção, armazenamento e transmissão discriminatória de representações culturais, restringe o rol das variações sociais e culturais possíveis, condiciona e limita nosso comportamento, nossos juízos morais, nossas normas de conduta e os vínculos sociais relacionais que estabelecemos. Uma natureza humana cujo núcleo constitui o fundamento de toda a unidade ética, social e cultural: não há valores objetivos que subsistam por si mesmos à margem da biologia humana e das condições ecológicas e culturais. O resto das histórias acerca de nossas origens, de nossa natureza, de nossa dignidade e das estratégias (sócio) adaptativas que criamos para poder sobreviver em comunidade não é mais que isso: histórias que consolam, enganam e até motivam, mas histórias ao fim e ao cabo: um conjunto de hipóteses e especulações escritas na areia, e que mostram como as teorias jurídicas “do momento” resultam demasiado contraditórias, escapam rotineiramente ao processo de verificação científica e ultimamente carecem de um conteúdo fixo capaz de compreender, explicar e determinar a ação humana. Parafraseando a Steven Pinker, as humanidades têm ainda que recuperar-se tanto do desastre do pós-modernismo como do insano e pseudocientífico “dogmatismo”, com seus obscurantismos desafiantes, seus “dogmas mortos” e suas sufocantes correções políticas. Por onde se vê, parece que ainda estamos um pouco distante do “glorioso amanhecer” (Hegel) do ensino jurídico. [Mencionarei um exemplo para ilustrar um tipo de concepção metaética subjetivista e, portanto, relativista da justiça: a ideia adotada por Hans Kelsen. Depois de assinalar que as teorias mais conhecidas da justiça são ou bem vazias ou bem remetem à ordem positiva, e de que o juízo com que julgamos algo como justo não pode pretender jamais excluir a possibilidade de um juízo de valor oposto, Kelsen afirma que a “justiça absoluta é um ideal irracional”. Parece intuitivo que este tipo de posição deve aclarar, antes de tudo, o que quer dizer que um juízo de justiça não pode pretender excluir o juízo oposto. Ninguém duvida que quando formulamos um juízo de justiça não podemos excluir a possibilidade de que outros formulem juízos de justiça opostos, como de regra ocorre com juízos de qualquer outra índole (moral ou não). Mas sim parece que estamos ética e logicamente comprometidos com o dever de rechaçar juízos manifestamente falsos, incoerentes e/ou inválidos. Não é razoável supor ter algum sentido sustentar, por exemplo: “a pena de morte é injusta, mas bem poderia ser justa”. O que sugere que ante qualquer forma de relativismo “no hay consigna más adecuada que ésta: “iudicare aude!”, ¡atrévete a juzgar!” (A. Arteta). Por outro lado, o mesmo Kelsen sustentou que a visão relativista da justiça, longe de ser amoral, supõe uma moral que é a moral da tolerância e da democracia. Pessoalmente, creio que se deve pôr mais atenção no perigo que representa um tipo de tolerância espúria que cultiva uma democracia na qual “tudo” é negociável, porque tudo é igual de tolerável e “válido”. Com essa forma de tolerância (por deliberada ignorância), sobra dizer, há que ser de todo intolerante. A verdadeira tolerância tolera sem renunciar ao dever de julgar, à busca da verdade ou do bem mais apropriado. Do contrário, a transigência indiscriminada com a postura relativista deveria admitir, por exemplo (e para ser consistente e coerente com sua ideologia), que as virtudes e os vícios são equivalentes, e que a tolerância e a democracia têm tanto valor como a intolerância e o autoritarismo; ou, o que é o mesmo, deveria reconhecer que é tão justa e aceitável a indignação e revolta popular por um ataque terrorista, como igualmente nobre e justa a causa que o motivou. Isto, e somente isto, seria tolerar um relativismo “consistente” e “coerente ”. Também não se pode olvidar que as primeiras e principais investidas do regime nazista com relação ao ordenamento jurídico alemão foram precisamente de corte relativista, crítico e “alternativo” (Ingo Müller).]
Posted on: Mon, 04 Nov 2013 06:36:12 +0000

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