THE BINDING OF ISAAC RELOADED A vida não para de nos surpreender. Agora que eu começava a pensar que o nosso mundo tinha mudado definitivamente (NEW AGE, NEUE WELTANSCHAUUNG), eis senão que descubro a mais flagrante prova de que a tradição não está morta, apenas rebocada. Toda a gente conhece (vamos pensar que sim!) o quase derradeiro e mui famoso trecho da vida do nosso patriarca Abraão, aquele que saiu da terra de Ur para ir prosperar nos vales de Canaã. Segundo o Génesis, quando tinha cem anos, foi surpreendido pela gestação da sua infértil e nonagenária mulher Sara. Por obra e graça de Deus, nasceu-lhes então o unigénito Isaac («o que ri»), que, porém, logo foi pretexto para um tenebroso teste à fé de seu pai: Yaveh Elohim ordenou-lhe que aparelhasse o jumento e se dirigisse com seu filho ao monte Moriah, onde o imolaria numa pira ardente. Não sabemos se com grande relutância ou não, o velho patriarca obedeceu, mas quando ia levantar contra Isaac a adaga sangrenta, eis que surge o providencial anjo de Deus atestando a sua irrepreensível fé e a suspensão do sacrifício. Não se esperaria, naturalmente, que uma prova tão atroz tivesse eco nos nossos dias. Mas, no ano de 2011, a dupla de designers independentes Edmund McMillen e Florian Himsl resolveu criar um videojogo intitulado «The Binding of Isaac». Qual é então a história deste Isaac do século XXI? Habita com sua mãe (que foi feito do pai? — tratar-se-á da típica família monoparental dos nossos tempos?) numa casinha singela no sopé de um monte, levando uma existência feliz e moderna, com seus hobbies mais ou menos high-tech. Enquanto ele se entretém a pintar e a jogar, a mãe não desprega os olhos da televisão, mamando todas a emissões do canal da Igreja. Um belo dia, ouve uma cristianíssima voz vinda do céu que a adverte de que sobre o filho caiu o anátema do pecado e de que só poderá salvá-lo sonegando-lhe brinquedos, consolas, telemóveis, roupas, enfim, todas as razões de viver do jovem de hoje. O emissário do Senhor não se satisfaz, porém, com tais medidas, antes lhe pede que trate de enclausurar o rapaz no seu quarto para evitar qualquer contacto com o maligno. Por fim e para fazer jus à tradição, a mãe vê-se forçada a imolar o filho com uma faca de cozinha. Como se salva ele? Não por intermédio do anjo providencial, mas com a ajuda de todos nós (salvo seja), jogadores de «Roguelike games», que iremos conduzir o rapaz desde o alçapão milagrosamente aberto no soalho do seu quarto, através de masmorras onde pululam monstros-oponentes e escasseiam duplos-coadjuvantes, até ao sacrifício final da tenebrosa e fundamentalista «mother-figure». Benevolente leitor, não me atrevo sequer a pensar nas implicações de tudo isto. Acho que vou ter de dormir sobre o assunto!
Posted on: Tue, 20 Aug 2013 22:09:12 +0000
Trending Topics
Recently Viewed Topics
© 2015