Tenho o hábito de observar os pacientes internados quando findo - TopicsExpress



          

Tenho o hábito de observar os pacientes internados quando findo os trabalhos. Hoje, uma situação em especial chamou minha atenção. Vi uma senhora, por volta dos sessenta anos, chorando. Um choro-segredo que ela fazia questão de esconder. Cada lágrima furtava-lhe esse segredo, que ela tanto queria guardar para si. Não me orgulho, mas vivo o choro diariamente. Digamos que o tempo nos mostra que existem vários tipos de choro. Esse eu ainda não havia visto. À medida que busquei a aproximação notei que a paciente apressou-se para enxugar as lágrimas e fabricar um quase sorriso. Cheguei perto e perguntei o que ela estava sentindo, se eu poderia ajudar em algo. Ela balançou a cabeça e respondeu: - É besteira minha, doutor. Fui até a bancada de prontuários e reli o caso dessa paciente. Para minha surpresa, ela havia recebido alta hospitalar há dois. Vi as evoluções das assistentes sociais. Elas tentaram e conseguiram contato com a filha dela, que prometeu buscar a mãe desde o primeiro contato. Agora não atendia mais as ligações. Já faziam 48 horas da alta e a paciente, que não tinha condições físicas para ir embora sozinha, lá estava. Fui novamente ao encontro da paciente, agora com algo para iniciar um diálogo. Quando iniciei, ela caiu em prantos e revelou: - Eu trabalhei a vida toda para criar minha menina e hoje ela se julga de mim, doutor. Ela me abandonou. Nesse momento, não tive mais palavras. Fui abandonado por elas. Fui abandonado por qualquer pensamento racional para confortar aquela mulher. Um abandono que nada se assemelha ao sofrido pela paciente, e ainda sim penoso. Ao chegar em casa, fui abandonado também pelo sono. Meus olhos não conseguem ficar fechados, sempre que penso naquela mulher lembro-me do choro, das lágrimas que teimavam em sair, e que trazem lágrimas irmãs a quem as vê.
Posted on: Sat, 06 Jul 2013 10:57:00 +0000

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