Texto longo e verdadeiro, só repassando,lindo! Ana Carolina Quem - TopicsExpress



          

Texto longo e verdadeiro, só repassando,lindo! Ana Carolina Quem tiver paciência, leia até o fim. SOBRE A SITUAÇÃO DOS MÉDICOS ATUALMENTE NO BRASIL Faz dias que eu tento escrever algo sobre a atual situação dos médicos no Brasil. Não tenho conseguido. Logo eu, que costumo ser tão logorreica e opiniosa, não tenho conseguido. É que estou em choque. E vou tentar explicar, se não desistir de novo do texto no meio, o motivo. Bom, talvez seja bom começar me apresentando. Eu sou Ana Carolina, 28 anos, médica, brasileira. A designação médica vem após a idade e antes de brasileira não sem motivo. É que, dos meus 28 anos, dediquei pelo menos a metade ao projeto de ser médica. Decidi muito cedo que queria abraçar essa profissão e sabia que, em sendo pobre (miserável não, mas pobre), a única forma de fazê-lo era estudar muito. E assim foi. Por decisão consciente no meio do turbilhão do final da infância – início da adolescência, decidi estudar. E, por isso, saí menos, tive menos entretenimentos juvenis, menos amigos. Mas consegui meu objetivo. Passei no vestibular. Entrei em uma escola médica federal e dei início a mais seis anos de estudos em tempo integral. Lembremos que nenhum outro curso dura seis anos. Menos ainda em tempo integral. Durante esses seis anos, não trabalhei. Não porque não quisesse. Mas porque não podia. Na minha profissão, trabalhar sem o devido registro é (ou era) crime. Era porque os médicos importados que o governo quer trazer ao país poderão fazê-lo. Interessante é que o fato de não trabalhar no começo da juventude me deu, na boca de alguns, o título de “elite”. Sempre achei muito curioso saber que eu, filha de uma professora primária e neta de um marceneiro e uma costureira podia pertencer a algum tipo de “elite”. Filha de uma mãe que viu, ao longo dos anos, a nobre profissão de professora, que escolheu abraçar, ser reduzida a condição de subemprego. E, como subempregada que era, trabalhou muito para sustentar a única filha em um curso de livros caros e material caro, que ela tinha que comprar porque a universidade pública não oferecia. Pois bem, eu. Eu que comprava meus jalecos no crediário. Estetoscópio em cartão de crédito emprestado e parcelado em doze vezes. Eu, “elite”. “Elite branca”, ainda por cima. Minha ascendência genética, só pra constar, traz uma mistura de brancos, mulatos e índios (no que não sou em nada diferente do restante da população) e, se nasci com a pele branca, foi por combinação genética randomizada. Se houvesse uma “culpa” em ter uma cor de pele, ela não seria minha, nem do Mendel e suas ervilhas. Nem de ninguém. Mas me foi dado, talvez por algum auto-entitulado defensor dos direitos humanos usando uma camisa desbotada com a cara do Che Guevara, o título de “elite branca”. E isso, hoje percebo, é quase uma condenação. Aliás, sempre tive dificuldade em entender pessoas que se dizem liberais, defensoras das liberdades individuais, usando camisas do Che. Pra mim, uma ditadura de esquerda é tão ruim quanto uma de direita. Pra mim, matar e fuzilar por um ideal solapam a legitimidade de qualquer ideal. Simples assim. Pra mim, escravizar pessoas não é boa política social. E quando a escravidão é política de Estado, é temeroso. Porque eu chamo de escravidão fazer com que pessoas trabalhem compulsoriamente em outro país em condições de trabalho humilhantes. E é isso que o governo do Brasil e o governo de Cuba pretendem fazer com os médicos cubanos. Por isso, deles (dos médicos) não tenho raiva. Tenho, antes, dó. E quando digo condições humilhantes, digo por saber de cadeira. Aliás, de cadeira, de banco de cimento, de banco de tora de madeira. Pois foram em instalações com estes dispositivos que trabalhei por alguns anos. E deixei de trabalhar no interior. Deixei sim e não pretendo voltar. É que, quatro anos atrás, quando terminei o curso de Medicina e saí de casa rumo a um município aqui no interior do Ceará, deixei minha vó chorando sentada no sofá de casa. Minha vó que, quando eu tinha três anos de idade, me falou de seu sonho de ter uma neta médica e, de alguma forma, plantou uma semente em mim. Minha vó que lavrou a terra no sertão árido deste mesmo estado. Que perdeu a mãe quando tinha seis anos de idade para a febre tifoide, que perdeu um filho recém-nascido para alguma doença desconhecida e uma filha de poucos dias de vida para a meningite. Quando eu saí de casa naquele dia, a última frase que ela me disse foi “nunca pensei que ia ver uma neta minha sair de casa pra trabalhar como médica.” E eu fui. Estetoscópio no pescoço e sonhos no coração, trabalhar na zona rural de um município no sertão central cearense. Uma hora e meia de Fiat Uno sem freio de mão na estrada carroçável. Uma fila de pedras na entrada do posto. Cada pedra marcava o lugar de alguém que tinha chegado de madrugada para ser atendido. E eu atendia todos. Consulta médica detalhada, criteriosa, atenta. Como aprendi na minha escola. Mas um dia, um paciente com câncer de próstata precisou trocar a sonda urinária e não tinha sonda. Um dia, apareceu um paciente com osteomilelite crônica e não tinha antibiótico adequado. Um dia, botei a mão num “caroço” na barriga de um senhor de idade muito pálido e soube, de imediato, que aquilo era um câncer de estômago avançado. Pedi a endoscopia, mas ele morreu antes de poder fazer o exame. Meus pedidos de endoscopia, tomografia, ressonância, remédios de alto custo foram, um a um, esvaindo-se no espaço. É que pobre também tem câncer. Pobre também infarta. As doenças, ao contrário do que pensam as correntes políticas que querem mandar médicos mal formados e enfermeiros que também não tem formação pra isso ao interior, não distinguem entre pobres e ricos. As doenças não tem preconceitos. Quem os tem é quem pensa essas políticas. Pobre também tem “doença de rico”. E eu tinha aprendido a fazer medicina de verdade. E medicina de verdade precisa de recurso. Aí, um dia, eu ia voltando pra sede do município, numa estrada de terra, e o Fiat derrapou ao desviar de uma vaca. E eu não morri bem pouco. Nesse dia, eu voltei pra casa. É que o sonho da minha vó provavelmente não era ver a neta dela morrer em nome de um ideal inalcançável. Se eu tivesse, como dizem os prefeitos desses municípios do interior do Brasil, salários estratosféricos à minha disposição e condições de trabalho menos que humilhantes, será que eu realmente desistiria? Você, independente da profissão que tenha, se recebesse uma proposta de trabalho com um bom salário e, ainda assim, a recusasse, será que faria isso sem motivos? Penso que não. Penso que ninguém faria tamanha asneira. Se eu desisti de trabalhar no interior, tive bons motivos pra isso. Claro que quando eu fui trabalhar, também pensava em ganhar dinheiro. De preferência, em ganhar o melhor possível. Em ganhar bem. Quem não pensa? Seria esse um pensamento exclusivamente médico? Acho que não. Não é exclusivamente médico e é bastante justo. Aliás, ouvi dizer também que médicos ganham muito dinheiro. Queria saber onde isso se passa. Ou qual o conceito de muito de quem diz isso. Porque, para ser especialista, a educação médica vai até, facilmente, dez anos de estudos. Eu, que atualmente penso em ser neuro, ou gastro ou pneumo ou endócrino pediatra, faço a conta: Seis anos de Medicina. Dois de residência em Pediatria. Dois de residência na subespecialidade escolhida. Bom, suponhamos que eu trabalhe trinta horas semanais. Eu vou ganhar de modo muito semelhante ao que ganha alguém com dez anos de educação superior em qualquer profissão. O que diferencia é que um engenheiro ou advogado com dez anos de estudo superior já deve ser doutor. Eu, com dez anos, sou só especialista. Pro doutorado, ponha uns quinze anos. A diferença também é que eu posso trabalhar dia, noite , fins de semana e feriados. Então, se eu fizer essa escolha, eu vou ganhar mais por trabalhar mais. Não vejo o absurdo disso. E vejo o mérito. É justo que a neta de um marceneiro fabricante de cercas que dizia pra filha “estude e só depois pense em casar, porque seu marido é o estudo” seja recompensada pelo seu estudo. A sociedade precisa se organizar com base na oportunidade, na justiça e no mérito. Não na fantasia e na esmola. Governar desprestigiando a oportunidade e o mérito e pesando a mão na esmola me parece estratégia de quem quer governar pra sempre. Você, que teve paciência de chegar até aqui no texto, pode estar pensando que eu sou uma exceção. Que não represento a “elite branca de branco” pela minha história pessoal e familiar. Engano seu. Posso citar inúmeros exemplos. Tive professora nascida no sertão pernambucano que, ainda criança, ouviu de uma freira (veja a ironia) que visitava a escolinha lá em Gravatá que nunca seria médica. Presumo eu que porque era pobre. E ela foi. E é. E foi das melhores professoras que tive. Faria ela também parte da “elite branca e branco?” Tive colegas (vários) que abandonaram cedo a família para estudar e correr atrás do sonho da Medicina. Amiga que saiu de casa no Norte do país porque na época não havia faculdade de Medicina em seu estado natal. Poderia escrever um livro só especificando cada exemplo. Seríamos nós a “elite branca de branco?” Tenho muito colegas que são, sim, filhos de médicos e, se eles não passaram por histórias como essas, seus pais passaram. Tenho até colegas que, vejam só, são ricos! E nunca entendi qual o crime que cometeram em sê-lo. A maioria, imensa maioria dos meus colegas é constituída de médicos excelentes. Existem as maçãs podres. Como as existem em todos os lugares. E devem ser identificadas e punidas. Mas não me julgue por elas. E, em nossa maioria, somos bons médicos. Mas ser um bom médico não significa ser capaz de trabalhar sem condições, nem de atender, diagnosticar, tratar, responder a anseios existenciais e fazer psicoterapia num consultório de emergência, como muita gente parece querer. Eu sou médica. Tenho bons e maus dias. Não sou heroína nem sacerdotisa. Nem pretendo sê-lo. Se quiser me conhecer como médica, leve seu filho para que eu atenda, pergunte aos meus pacientes e aos seus pais. Se quiser me conhecer como pessoa, converse comigo. Não me julgue pelo estereótipo das suas frustrações. Pra completar, dias atrás, vi, num comentário sobre médicos, a expressão “máfia de branco”. Deixa eu desenhar uma coisa aqui: Eu não sou mafiosa. Eu sou uma mulher, estudiosa, médica, brasileira, trabalhadora, que quer ser respeitada e tratada com justiça. Mafioso é quem trata com preconceito o próprio povo delegando aos mais pobres a condição de cidadãos de segunda classe e lhe oferecendo tratamento ruim. Mafioso é quem quer transformar o trabalho no SUS em punição obrigatória e mostra, com isso, não querer em nada melhora-lo. Mafioso é quem quer renegar uma classe trabalhadora ao papel de vilã instantânea pra disfarçar incompetência de quem gere esse sistema. Mafioso é quem mantém seu povo ignorante para que ele acredite em qualquer propaganda criminosa. Mafioso é quem acha que os fins justificam os meios. Ainda mais quando esses fins são eleitoreiros. Mafioso é quem se trata no Sírio Libanês enquanto sucateia o SUS. Quanto a mim? Eu sou uma médica brasileira que merece e exige respeito. E me orgulho muito do branco que visto! Ana Carolina da Silva Bezerra Médica Residente em Pediatria no Hospital Geral de Fortaleza
Posted on: Sat, 13 Jul 2013 17:04:12 +0000

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