Uma mesma velha estorinha, mas com um final diferente... Uma - TopicsExpress



          

Uma mesma velha estorinha, mas com um final diferente... Uma mulher chega apavorada ao consultório de um ginecologista do SUS e diz ao médico que a atendeu: – Doutor, estou com problemas seríssimos e espero contar com o vosso auxílio. Esta criança que está aqui ao meu lado, meu filho mais novo, ainda não completou cinco anos de vida e os exames diagnosticaram que eu estou grávida de novo. Efetivamente não quero mais ter filhos! Aliás, eu nunca pude tê-los, pois desde criança sofro de diabetes, demência leve, cegueira parcial, e sou portadora de inúmeras disfunções hereditárias que me impedem de gerar seres saudáveis. O médico então perguntou: – Muito bem, o que a senhora quer que eu faça? A mulher respondeu: – Eu quero que o senhor interrompa esta gestação porque é a décima vez que fico grávida do meu companheiro, que recentemente morreu assassinado. Com as migalhas que ganho como empregada doméstica não terei como alimentar a criança quando nascer, e muito menos dar-lhe uma educação decente, para que um dia ela possa ser alguém como o senhor. É absolutamente certo que este feto que está crescendo no meu ventre, quando vier ao mundo será mais uma criança condenada a viver na dor e na miséria, tal como os seus irmãos. Para que o senhor tenha uma vaga ideia da situação de penúria em que eu me encontro, quero que saiba que dos nove filhos que gerei, dois morreram de subnutrição nos primeiros anos de vida, três a polícia matou quando ainda eram mocinhos, duas viraram prostitutas, um está perdido por aí bebendo e fumando crack, e esse menorzinho aqui só Deus sabe o que será dele. Sei que tenho vários netos, quiçá dezenas, pois pari meu primeiro filho com 12 anos de idade, quando engravidei do meu próprio pai, que me espancava quase que diariamente para que eu satisfizesse seus instintos bestiais. Pessoas como o senhor, doutor, por mais que conheçam a miséria humana, não têm a menor ideia do que seja o cotidiano de alguém como eu, que nasceu, cresceu, e vive em um barraco de madeira imundo, em contato permanente com doenças, insetos, ratos, e sujeira. Como eu, existem no Brasil milhões de mulheres vivendo em condições análogas ou piores do que a minha, coisa que o senhor deve saber de sobejo, ou finge não saber. Para ser sincera, doutor, eu preferiria mil vezes não ter nascido do que estar vivendo nessa situação lastimável, como um bicho peçonhento, com o corpo todo deformado e coberto de feridas, enferma, rejeitada pela sociedade, sem a menor esperança por dias melhores, e sem conseguir entender o real significado desta palavra que eu ouço vocês, que nasceram em lares quentes e confortáveis, sempre dizerem : FELICIDADE! Eu estou aqui pedindo o vosso auxílio porque não tenho dinheiro para abortar em uma clínica particular confiável, como fazem e sempre fizeram as mulheres ricas, livremente, sem a autorização de ninguém. Se o senhor não me ajudar, eu juro que vou procurar a Cida, uma senhora que realiza o procedimento nas mulheres da minha comunidade usando agulhas de tricô; e não adianta o senhor perder tempo tentando me convencer a mudar de ideia porque a minha decisão é irrevogável. Me acho preparada para enfrentar qualquer risco, inclusive o de morte, que, na minha atual condição, seria uma bênção, o fim do meu calvário! O médico então pensou um pouco e, depois de algum tempo em silêncio, disse à mulher: – Acho que tenho um método melhor e menos perigoso para solucionar o problema da senhora. Para não ter que ficar com duas crianças, que tal matarmos esta que está aí ao teu lado? Já que vamos matar, não há diferença entre um e outro, até porque sacrificar este aí que a senhora trouxe é mais fácil e envolverá menos riscos. Depois faremos a laqueadura das trompas e a senhora nunca mais terá filhos, que tal? A mulher apavorou-se e disse: – Desculpe-me doutor, sou ignorante, meio atrapalhada da cabeça, mal sei ler e escrever, e não sei o que significa "laqueadura de trompas". O que é isso? Por acaso é um método de se evitar filhos sem ser preciso recorrer ao aborto? Se é assim, por que razão os políticos, que roubam o pouco que temos, que sempre passam por aqui pedindo votos antes de assumirem o poder, não informam as mulheres da minha comunidade a respeito dessa alternativa, que é muito mais humana e menos agressiva à mulher do que o aborto? E os padres, que se recusam a ter filhos, porque dizem nos púlpitos e nos meios de comunicação que evitá-los usando métodos contraceptivos é crime, uma afronta ao Criador? Por que nos condenam à danação eterna se fizermos isso, sabendo que nossa vida aqui na Terra já é um inferno pavoroso? O sofrimento de Cristo, doutor, foi intenso mas durou apenas alguns dias; o nosso não, começa quando vemos a luz do dia pela primeira vez e só termina quando alguém mete uma bala na gente! – Eu posso ser ignorante, doutor, mas por trás desse tipo de posicionamento assumido pelas autoridades civis e eclesiásticas eu consigo enxergar uma gigantesca hipocrisia enrustida, uma abominável impiedade para com os pobres, uma total falta de respeito e sensibilidade para com essas mulheres infelizes que, como eu, recorrem ao aborto para continuarem suportando suas miseráveis existências. De repente, o menino interrompe a conversa da mãe com o médico e começa a barafustar: – Há, sim, doutor, algumas pequenas diferenças – ou grandes, dependendo de como o senhor enxerga o caso em exame – entre matar uma criança pobre, faminta, e doente como eu, sem a menor chance de no futuro vir a ser um cidadão honrado, e um feto de dois meses, ainda em fase de formação, desprovido de cérebro e de outros órgãos sensitivos que o dotem com aquilo que vocês intelectuais chamam de "consciência", que é o que distingue um ser humano de outras criaturas. Eu sei que é horrível o que vou dizer ao senhor, cuja missão é salvar vidas, mas é preciso que o senhor saiba que eliminando o feto e me deixando vivo, o senhor estará apenas empurrando para outrem a “nobre” missão de me executar, no caso a polícia ou outro infeliz como eu, que na luta pela sobrevivência enveredou pela senda do crime. Eu explico melhor: o fato é que tanto eu como o feto estamos com os destinos selados e morreremos de morte prematura, com a diferença que, havendo o aborto, ele morrerá “dentro” de uma barriga, inconsciente, sem sofrer; e eu "fora" dela, passando fome, humilhação, e roído pelo álcool e pelas drogas. Em outras palavras, não havendo a interrupção da gravidez, ao invés de um, serão dois no mundo aguardando o fatídico abraço da morte prematura. As estatísticas do crime envolvendo a população jovem são demasiadamente eloquentes e não permitem que eu fuja desta triste conclusão, doutor. Assim, fazendo a minha mãe abortar, o senhor não só estará aliviando o sofrimento dela, mas também prestando um grande serviço a ti mesmo e àqueles que, como o senhor, não tiveram o azar de nascerem pobres e excluídos como nós. Fazendo a minha mãe abortar, o senhor estará livrando a sociedade de uma criança que será tão ou mais perigosa do que eu, pois é absolutamente certo que assim que eu crescer mais um pouco e adquirir força para empunhar uma arma, eu sairei por aí roubando e acabando com a vida de qualquer um que estiver no meu caminho ou no meu encalço, visto que nada terei a perder. Ajudando a minha mãe e outras mulheres na mesma condição que a dela a abortarem, doutor, o senhor estará salvando a vida de milhares de pais de família, que vão morrer varados pelas balas de revólveres que fetos como esse vão disparar quando estiverem fora das barrigas de suas mães, crescidos. Da minha parte, eu digo com toda a frieza que não me importo nem um pouco em morrer agora, como o senhor aventou, porque melhor que assim seja do que continuar passando fome, sofrendo abusos dos mais velhos, vivendo em constante estado de medo, e sendo mordido diariamente por ratos durante a noite, quando reclino minha cabeça sobre um tijolo para tentar dormir. Não desejo essa vida que estou levando para ninguém, doutor, muito menos para o meu irmão que ainda não nasceu. Mas, se o senhor continuar insistindo em convencer a minha mãe a não fazer o aborto, empregando o estúpido argumento de que sua prática é um crime hediondo contra a vida, enquanto ao mesmo tempo a classe à qual o senhor pertence condena milhões de crianças como eu à morte lenta no submundo do crime, eu me arrogo o direito de exigir do senhor que nos adote. Que tal assim? Minha mãe desiste do aborto e o senhor, como prêmio, leva nós dois de presente para a tua casa! Me parece ser esta uma proposta bastante justa, o que o senhor acha dela? – Me elucide, doutor, um mistério que eu nunca consegui entender no comportamento da maioria das pessoas religiosas como o senhor: por que vocês dão tanta importância a um feto de dois meses e ao mesmo tempo fecham os olhos para as milhares de crianças que estão sendo assassinadas, passando fome, e dormindo nas ruas? Por acaso tem mais valor uma criança esperando para nascer dentro de uma barriga do que outra viva fora dela? Sabe de uma coisa, doutor, às vezes eu penso que sou invisível quando me acho mendigando algo para comer nas ruas, sujo e maltrapilho. Essa gente que afirma crer em um Deus onipotente e misericordioso, que nunca olhou para mim, só se dão conta da minha existência quando me atrevo a entrar nos lugares que elas frequentam, dos quais me enxotam com gritos, palavrões, tapas e empurrões, como se eu fosse um cachorro. Por favor, doutor, me ajude a entender esta monstruosa contradição! Neste momento, o médico tenta lançar mão do último ás que tem guardado na manga: – Meu filho, a vida é assim mesmo. Faz parte do processo reencarnatório o sofrimento pelo qual todos nós temos de passar. Tudo o que você e a sua mãe estão sofrendo é resultado de atos nefandos que vocês praticaram em vidas anteriores. É a “Lei do Carma”, manja! Esta lei foi estabelecida pelo Criador para que as almas evoluam e sejam aceitas no mundo dos espíritos superiores, que é o último estágio pelo qual elas passam antes de unirem-se a ele para todo o sempre. Neste momento a mulher interrompe bruscamente a fala do médico, pega o filho pela mão, e exclama: – Vamos embora filho, chega de perder tempo com este merda! Vamos procurar a dona Cida! Se eu morrer de infecção ou hemorragia você já sabe o que fazer com o filho da puta quando crescer! Ao que o filho retrucou: – Não, mãe, não vou matar ele não! Não vou fazer esse favor a ele, acelerando sua ida aos planos cósmicos superiores. O que vou fazer é invadir a casa onde ele mora com os meus cumpadi, estuprar e matar a mulher e as filhas dele, e deixá-lo viver para que sofra bastante e evolua espiritualmente como nós. – Simbora manhê …!
Posted on: Fri, 26 Jul 2013 12:24:32 +0000

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