Vale a pena ler... Por Guilherme Alves Costumo dizer que escrevo - TopicsExpress



          

Vale a pena ler... Por Guilherme Alves Costumo dizer que escrevo bem durante a madrugada. Pois hoje escrevo algo que nunca desejei ter escrito. Peguei o trem em Campo Grande às 15h45. Cheguei ao IFCS por volta das 17h. Muita gente, muita faixa, a UFRJ em peso estava ali. Encontrei o pessoal de Relações Internacionais, juntamo-nos. No caminho pela Presidente Vargas inteira, da Uruguaiana até a Prefeitura, poucos eventos dignos de nota. Alguém pixou o prédio da Embratel, e foi reprimido pela população. Alguém tentou praticar algum ato de vandalismo no Panteão, em frente ao Palácio Duque de Caxias. Correria pequena e fim de papo. Uns dois ou três episódios de correria muito pequenos em frente ao Terreirão, não sei a razão. Enfim, a marcha estava apática, cansada, as pessoas mal gritavam. Em frente a estátua de Zumbi dos Palmares, eu, Felipe, Pedro, Yandara, Lorena, Vinícius e mais alguns que estavam conosco decidimos seguir para a pista lateral direita da Presidente Vargas - a da Estácio, Metrô, quadra da São Clemente. Isso porque já imaginávamos que algo poderia ocorrer na região da Prefeitura. Dito e feito. Cinco minutos depois de pararmos de andar, quando ficamos a uns 50, 100 metros da passarela da estação Cidade Nova, vimos bombas começarem a pipocar em frente a Prefeitura. Pipocar é um verbo adequado, visto que começou com uma, depois duas, até que virou o caos. E ah, não, eu não sei quem estourou a primeira. Mas não vou negar que vi muitos vândalos. Em trinta segundos a PM esvaziou a frente da Prefeitura. Consegui acompanhar imagens da TV pelo celular, e o que se viu através das câmeras do helicóptero era assustador. O cheiro das bombas começou a vir até nós, ainda leve. Molhei minha camiseta com um pouco do vinagre que levei num potinho. O pior nem havia começado. Quando as bombas começaram a estourar, as pistas da Pres Vargas sent Pça Bandeira também começaram a esvaziar. As pessoas iam saindo, inclusive Córdova, Lorena e outras pessoas. Ficamos encostados em um muro eu, Felipe, Pedro, Yandara e seus dois irmãos, esperando que o caminho ficasse mais livre para que pudéssemos andar. Nesse momento, atiraram três bombas de gás lacrimogênio por sobre o canal do Mangue, que nos alcançaram. Enfatizo. Estávamos a mais de 50 metros da região do conflito, sem nenhuma reação, com o canal do Mangue nos separando quando o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro atacou cidadãos desarmados de maneira absolutamente arbitrária. Você só entende o que é gás lacrimogênio quando o sente. Despejei todo o conteúdo do meu pote de vinagre na camiseta que levei para isso, mas ainda assim era difícil respirar. Enxergar era impossível, saí arrastado pelo Pedro e mais alguém, já que nada via. Minha cabeça ainda dói. Metros depois, a manifestação apática tornou-se uma turba gigantesca revoltada. As pessoas xingavam a PM, o governador, diziam que iam para a ALERJ, gritavam que não haveria mais Copa, clamavam por greve. Em suma: a ação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro transformou uma marcha morta num projeto de revolta. E as bombas não cessavam. As pessoas eram empurradas pela ação do gás. O absurdo tornou-se escabroso a partir do viaduto 31 de março (!), quando a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro iniciou o ataque com bombas nas pessoas que estavam sobre o viaduto, apenas assistindo. A partir deste momento que o real vandalismo começou. Foi só após a PMERJ lançar gás em qualquer um que estava em seu caminho que as pessoas iniciaram a tentativa de invasão do Terreirão do Samba, por exemplo. Foi só após a ação irresponsável da PMERJ que os pequenos incêndios começaram. No meio de toda a confusão, queríamos refúgio. Saímos da Presidente Vargas pela rua de Santana, e decidimos ir para a Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Chegamos lá por volta das 20h10. Bebemos água, fomos ao banheiro, descançamos, enfim, recuperamo-nos da câmara de gás a céu aberto que enfrentamos em pleno Centro do Rio de Janeiro. Enquanto decidíamos para onde ir, vimos um grupo grande entrar correndo pela Faculdade. Minutos depois, a Praça da República, rua em frente, estava tomada pelo Batalhão de Choque, que segundo vídeo que vi gravado no celular de um rapaz, disparou balas de borracha sobre qualquer coisa, imóvel ou não. O que podia parecer neblina era gás lacrimogênio. Mais pessoas refugiaram-se na FND. Findo o gás, passado o Batalhão de Choque, alguns começaram a sair. Ficamos, esperando as coisas se acalmarem. Foi quando fomos informados de que pessoas estavam sendo presas nas ruas arbitrariamente, principalmente em volta da FND. Recomendou-se que aguardássemos. Mais relatos chegaram. Há quem diga que seja mentira, boatos. Quem esteve no Centro do Rio hoje a noite, e viu bombas de gás serem lançadas em bares, ônibus, metrô, na emergência do Hospital Municipal Souza Aguiar (!) como relataram-me durante minha volta para casa, sabe que isso, embora absurdo, hoje foi plausível. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, ao que me parece, divulgou em nota que não cercou a FND e o IFCS (me prometi que evitaria ler as notícias antes de escrever, mas não consegui resistir a esta em particular). Alguém esperava que ela admitiria? Diante desta situação de cárcere, fizemos aquilo que nos foi possível. A OAB fora convocada, a Reitoria da UFRJ foi informada, pedi a uma menina que enviasse um e-mail para a BandNews Fluminense e depois eu mesmo, de meu celular liguei para eles, postei aqui no Facebook e sou extremamente grato a todos aqueles que mostraram seu apoio na hora mais importante, ligando para a imprensa, compartilhando as postagens, deixando mensagens de apoio. Mais uma vez faço questão de reafirmar: minha gratidão pelo que vocês fizeram é imensurável. Pouco depois das 22h30 recebemos informações por parte da OAB de que era recomendado que ficássemos na Faculdade. Por volta das 23h20, começou-se a organizar uma ação de retirada da FND. Saímos, eu, Pedro e mais um grupo de 100, 150 pessoas, andando cabisbaixas, pessoas inocentes sendo escoltadas por advogados com receio de que a Polícia nos agredisse de alguma forma. Um dos piores momentos da minha vida. Neste momento me senti desolado, desamparado. É curioso que, estudando a quase dois anos na UFRJ, eu só tenha conhecido a Faculdade Nacional de Direito da mesma no dia em que a República Federativa do Brasil me provou da forma mais dura e agressiva que não existe Estado Democrático de Direito aqui. Ao atravessarmos a Presidente Vargas destruída, resquícios de um cenário de guerra. Semáforos no chão, restos de fogueiras, rua deserta. Neste momento, alguém chamou a atenção para um ato de vandalismo: um ponto de ônibus destruído. Perguntei, e faço a ti a mesma pergunta, o que te parece mais agressivo: um ponto de ônibus quebrado ou 150 jovens andando silenciosamente pela rua, de cabeça baixa, escoltados por advogados, porque o Estado brasileiro, através da figura da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, ameaçava-os? O que vi no metrô foi doloroso. Após ser alvo de bombas, eu e as demais pessoas estávamos com raiva. No metrô, após sermos alvo de horas de cárcere promovido pelo Estado, eram jovens apáticos, tristes, perplexos. Eu e Pedro, no cotidiano, conversamos o tempo inteiro, sobre qualquer coisa. Hoje reinou um silêncio sepulcral. Não tínhamos palavras. Não éramos capazes de falar. Encontrei algumas pessoas no ônibus na Barra e no BRT que me descreviam coisas que eu não pude ver, mas pude acreditar. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro promoveu uma barbárie no Centro da cidade, lançando bombas de gás e granadas desde a Prefeitura até a Glória, passando pela Candelária, Praça XV, Avenida Rio Branco, Cinelândia e Lapa. Gente que dizia "eu só quero ir embora" e era alvo de bombas. População cercada pelo Batalhão de Choque, além de tiros de balas de borracha. Quando pensou-se que acabou no Centro, o episódio se repetiu em Laranjeiras e na Tijuca, onde qualquer um que ousasse romper o toque de recolher promovido pela PMERJ era um alvo desta em potencial. Ataques a pessoas que estavam em bares, que nada tinham a ver com o que estava ocorrendo. Depois disso tudo, eu cheguei em casa. E o que posso pensar é: depois do que o Centro do Rio de Janeiro assistiu hoje, é urgente que reflitamos de maneira extremamente séria acerca da extinção da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Esta instituição, cujo lema é "Servir e Proteger" deu fortes indícios hoje de que não pode seguir existindo. Não adianta exonerar o comandante geral ou defenestrar o comandante do Batalhão de Choque. A coisa é muito mais séria. Se promoveram a barbárie no Centro, em frente as câmeras, o que você acredita que fazem em comunidades onde ninguém vê? Esse é o meu relato. Infeliz, porém honesto. Agradeço a todos que me ajudaram de qualquer forma hoje e peço que aqueles que leram até aqui, que gentilmente compartilhem este texto, porque as pessoas precisam saber que o Rio de Janeiro teve, no dia 20 de junho de 2013, um dos dias mais tristes de sua História.
Posted on: Sat, 22 Jun 2013 00:28:30 +0000

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