Ver de Verdade. Parte 1: Verde; Prólogo; O homem seguia por um - TopicsExpress



          

Ver de Verdade. Parte 1: Verde; Prólogo; O homem seguia por um caminho de terra batida ao lado da rodovia deserta. Quebrava o silêncio desolador da madrugada cantarolando canções sem letra; Cambaleava de cansaço, sentindo uma forte ardência nas pernas por culpa do frio, que invadia seu corpo por baixo das roupas rotas e sujas de terra. Seu único companheiro era um cachorro amarronzado de médio porte, correndo ao seu redor. Era uma criatura miserável, com costelas à mostra, pelos falhando e machucados nas dobras das patas. Parecia feliz, contanto, arfando ao perseguir seu próprio rabo torto, emanando uma energia simpática e pura. O homem parou um instante para descansar. Sentou-se no meio-fio observando o céu escuro e as estrelas, suspirando. Seus pés doíam enormemente e ele tirou os sapatos. Os calçados estavam tão gastos e tão sujos de terra que pareciam quase sandálias mal feitas, tortas e desbotadas de sol. Ele suspirou de alívio. Enquanto massageava seus dedões calejados, jogou um graveto ao longe, usando toda a força de seu braço, para que o cão pegasse. — Vá lá, Viralata, seu sarnento miserável, vá lá. Viralata, indiferente ao caráter ofensivo do próprio nome (que fazia tempos era motivo de graças para o companheiro humano) correu feliz atrás do pedaço de pau. O homem permaneceu sentado sozinho esperando que o cão voltasse, refletindo sobre a própria vida e as circunstâncias que o levaram até aquele momento infeliz. Sua única companhia era um animal desnutrido, sua única perspectiva era andar por muitos outros quilômetros ao lado daquela estrada, por muitos dias a fio. Ele ouviu um rosnado distante e o guincho agudo de alguma coisa. O cão voltou pulando, sem o graveto, mas com um gambá ensanguentado entre os dentes, que depositou ao lado dos sapatos. —Muito bem, Viralata, muito bem – Ele parabenizou, fazendo carinho na cabeça do cão. Sentia-se desconfortável, contanto. Era admirável e perturbadora a habilidade daquele animal, tão dócil com humanos, de matar outra criatura e seguir sua vida simples, abanando o rabo e correndo feliz pela grama.
Posted on: Tue, 03 Sep 2013 23:31:41 +0000

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