ZH | 22 de setembro de 2013 | N° 17561 ARTIGOS A boneca de Ana - TopicsExpress



          

ZH | 22 de setembro de 2013 | N° 17561 ARTIGOS A boneca de Ana Lídia, por Flávio Tavares* A queixa e o clamor de agora não têm razão de ser. Pior foi o dilúvio 40 dias e 40 noites, a água engolindo povo e bichos, sem protestos, sem clamor das multidões. Como criticar um castigo direto de Deus? E a vida continuou! Impávidos, resistimos a mil tropeços. Depois, chegamos a nos sentir próximos ao Paraí-so, até que o voto do ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal, no recurso dos réus do mensalão, de novo selou a sensação de impunidade. Mas não é assim! Se o STF for célere (rápido como quem rouba, diz o ditado), o novo julgamento voltará a condenar os réus sem que as penas prescrevam ou se abrandem. O que chama a atenção não é o ministro Mello ter demonstrado (com dicção perfeita) que a regra histórica é aceitar os “embargos infringentes”. Todo réu tem direito a defesa. Insólita é a argumentação usada, em favor “da proteção das liberdades fundamentais dos réus, de qualquer réu” – acentuou –, como se a Ação Penal 470 fosse um juízo sumário, em que os acusados não tiveram direito à defesa. As ideias – perfeitas como doutrina jurídica – não servem para invalidar o julgamento: “O processo penal é instrumento garantidor para evitar reações instintivas, injustas, arbitrárias ou irracionais, (...) é pautado por regras que neutralizem as paixões exacerbadas das multidões”. “As decisões do Poder Judiciário não podem deixar-se contaminar por juízos paralelos que objetivem condicionar os juízes.” Bastará frisar que o processo penal deve salvaguardar direitos dos réus? Onde fica a sociedade enganada e ofendida pelos réus nos contubérnios que envolveram cinco partidos, cerca de R$ 200 milhões e três bancos? Quem não soubesse dos crimes poderia pensar, até, que o processo só é justo se livra os réus. Sim, pois só se tratou da proteção aos acusados, como se não houvesse crime e os acusadores é que fossem suspeitos. Por que raciocinar assim num regime de plena liberdade e num juízo público que já dura seis anos? A Justiça é a representação da sociedade. Mas, no voto erudito do ministro, a sociedade só apareceu como “paixão exacerbada das multidões”. Ou como “clamor popular” ou “pressões externas” do qual o STF deve defender-se. Será pressão o clamor popular? Ou, como demonstração de inconformidade, é a soma de milhões de opi- niões? Clamor é algo que vem do fundo de cada um, como grito de dor. E um grito de dor será pressão? O clamor exterioriza uma dor coletiva. Pressão é o que aperta sem que se veja, vindo de quem possa apertar – o poder político, as armas ou o dinheiro. Nada do que ocorreu aqui! Minucioso, o decano do Supremo pesquisou a fundo no histórico dos recursos judiciais. Garimpou um voto no STF do então ministro Paulo Brossard (“o deslinde nem sempre se faz em linha reta”) e, além de outros juristas, citou até o ministro da Justiça da ditadura Médici, Alfredo Buzaid, processualista e juiz do Supremo. Esqueceu-se, porém, que Buzaid passou à História não só pela prepotência política, mas por acobertar, quando ministro da Justiça, um crime abjeto cometido por seu filho: o estupro e assassinato da menina Ana Lídia Braga, de sete anos, em setembro de 1973 em Brasília, na chácara de um senador governista. A boneca da menina, num matagal, deu a pista da cova rasa em que encontraram o corpo, junto a dois preservativos – do filho do ministro e do filho do senador. Naquela época, o clamor popular era “crime” punido pela ditadura. E o verdadeiro duplo crime permaneceu impune. Hoje, tempos de liberdade, o clamor é a dor de todos, por tudo. Também por Ana Lídia, seus sete anos e sua boneca. *Jornalista e escritor
Posted on: Sun, 22 Sep 2013 21:08:19 +0000

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