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(crônica publicada na página facebook/contossuaves.br) Reunião Pedagógica A reunião começou às 9:40 da manhã. Os alunos foram dispensados às 9:20, depois do intervalo. Nem todos estavam atentos ao coordenador, no entanto. Falavam amenidades sobre a vida, o futebol de domingo e que precisavam de férias. Duas colegas acertavam a qualidade dos produtos Jequiti e o preço: - Uma maravilha este perfume. Olha só. Cheira, e espirrou um pouco na pele da amiga. - Hummm. Delicioso mesmo. É 59,90? - Sim. Você acerta depois. Divide em duas vezes. E tem este gel hidratante, olha só, e entregou nas mãos da professora. Ele vai amar este pós-barba. Está 25,90. - Está bem. Vou levar os dois. Aí eu coloco na cesta de café da manhã que vou preparar para ele para o Dia dos Pais, concluiu a jovem de 20 anos, no primeiro mês como professora substituta. - Já tem filhos? - Ainda não. Mas é uma indireta para ele que eu quero ter filho logo. - Nossa! Como você é esperta, parece eu quando quero algo, e finalizou a venda. O coordenador pedagógico, que se passava muitos vezes de diretor, dizia algumas generalidades aos professores da E. E..., na zona Sul de São Paulo. A escola tinha o IDEB na média das escolas da região, ele lembrava. E depois que conseguiu a atenção de todos: - Se melhorarmos um pouco o ritmo entraremos entre as dez melhores escolas da Delegacia de Ensino em alguns anos. O único problema é que a média da nota da escola cai muito quando chegamos no final do ciclo Fundamental 2 e Ensino Médio. Ao expor este dado singular, um protesto nada educado surgiu de repente, para o silêncio de todos: - Aí, Cláudio, você vai me desculpar! É sempre o mesmo discurso! O mesmo blábláblá. Se o índice cai no Fund 2 e Médio, você volta para a sala de aula e sinta os marginais que temos nas salas de aula. Quem consegue ensinar estes animais? Nem acredito que eles falam! Deveriam latir e comer ração. Não vem com este mesmo papo que a gente tem que melhorar as aula! Eu dou a mesma prova de Português em todos os bimestre e os animais num aprende nada! Até na recuperação! Dou dez perguntas e eles nunca aprende nada! Claudio ouvia com atenção. Já conhecia a figura que se desculpava e não permitia contestação. Era a Dona Jequiti. Concursada há mais de 28 anos e que finalizou a terceira venda do dia, o perfume e pós-barba. Professora de português. Conseguia o dobro do salário de professora somente vendendo. Não apenas pela quantidade que vendia, mas porque não permitia nenhum outro professor comercializar na escola. Era monopólio dela. Estava há 20 anos na mesma escola estadual. E de lá não saía por nada! Há dois anos, o diretor tentou removê-la para outra escola. Ele teve o carro todo arranhado e pneus furados. Represálias. Dizem que por alunos a mando dela, em troca de cem reais e cinco gramas de maconha. E quando algum professor novato ou funcionário qualquer trazia algo para oferecer aos professores e funcionários, ela não permitia e dizia barbaridades. Muitos pediam transferência de escola meses depois, e quem não podia, pedia licença médica. A coisa era terrorismo puro. Paradoxalmente a Dona Jequiti era a professora que menos tinha trabalho com os alunos. Pelo contrário. Aprovava todos, uma festa!, e alegava que seguia as normas das diretrizes educacionais da Promoção Continuada. Falava e conseguia. Era amada pelos alunos. Sabia fazer média com todos eles. - Eu deixo aqueles bandidos fazerem o que quiser, continuou na reunião pedagógica, porque se eu dependesse do salário do Estado, eu passaria fome. Estes alunos é tudo besta humana! Mongóis! Retardados metais! Sem futuro. Vão tudo virar putas e traficantes. Logo morre de tiro. ÉE isto, Cláudio, não vem com esta história de que a gente tem que fazer eles melhor porque é tudo animal que não pensa. Não vamos ficar gastando nosso tempo com eles. Se quer aprender, Cláudio, cala a boca e aprende!, concluiu com esta ameaça ambígua. E ao terminar sua breve fala, mas contundente, com um sorriso irônico, o coordenador sentia sempre o olhar de aprovação da maioria dos professores na reunião para o discurso da Dona Jequiti. Ele não era herói e nem tinha vontade de prolongar a reunião em mais de meia hora. Inclusive comprou dela muitas vezes com descontos. Prosseguiu por mais meia hora as discussões em torno da educação, prevalecendo a decadência humana dos alunos e a depravação da ordem em sala de aula. E os professores foram unânimes que eles eram as vítimas. Todos assinaram a atas. E foram embora para casa. Haveria outras duas reuniões à tarde e á noite. Apenas um rebelde, professor novato e ideológico, gravou com o celular toda a conversa e fala da Dona Jequiti e iria entregar à produção do Fantástico para virar matéria especial sobre e educação brasileira em duas semanas. Flávio Notaroberto, autor do livro Contos Suaves.
Posted on: Mon, 12 Aug 2013 22:21:18 +0000

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