• 1. FLORES PARA OS MORTOS (Texto: Fernando Gabeira) MARCO - TopicsExpress



          

• 1. FLORES PARA OS MORTOS (Texto: Fernando Gabeira) MARCO ALBANEZ • 2. Sempre que os fatos ganham velocidade, costumo comprar um bloco de notas. Anoto frases, ideias, intuições e deixo que se decantem com o tempo. • 3. Volto a elas, depois, para rejeitá-las ou desenvolvê-las. A primeira frase que me veio à cabeça foi a da vendedora de flores que encerra um filme. • 4. O pequeno bloco também tem ideias. Por exemplo: comparar a ditadura com o governo Lula. Uma neutralizou o Congresso pelo medo; o outro, pelo pagamento de mesada. • 5. Ditadura e governo Lula compartilham o mesmo desprezo pela democracia, ambos violentaram-na, reduzindo o Parlamento a uma ruína moral. • 6. Os militares prepararam sua saída deforma organizada. Nem muito devagar, para não parecer provocação, nem muito rápido para não parecer que estavam com medo. • 7. Já o núcleo duro do governo Lula parece perdido, batendo cabeça, ou melhor, enfiando-a na areia, sem perceber que a polícia está chegando e, daqui a pouco, alguém vai gritar na porta do Planalto: "Se entrega, Corisco". • 8. Quando era menino e vivia em Juiz de Fora, fazíamos rodas de capoeira, bastante rudimentares - confesso. Mas cantávamos: "A polícia vem, que vem brava / quem não tem canoa, cai n’água". • 9. Tudo isso jorra aos borbotões na minha caderneta. Anotei: chamar alguém do "Guinness", o livro dos recordes, parasaber se algum tesoureiro de qualquer partido do mundo se desloca com batedores de motocicleta e carros clones para iludir perseguidores;... • 10. ...se algum tesoureiro partidário se desloca com jatos particulares, semanalmente; se introduz no palácio associação de empreiteiros que receberam R$ 1,1 bilhão de dívidas. • 11. Os militares batiam, davam choques e insultavam na sessão de tortura, mas vi muitos dizendo que me respeitavam porque deixei um bom emprego para combatê-los com risco de vida. • 12. Eles viam ideais no meu corpo arrasado pelo tiro e pela cadeia. • 13. O PT queria que eu abrisse mão exatamente da minha alma, e me tornasse um deputado obediente, votando tudo o que o Professor Luizinho nos mandava votar. • 14. Os militares jamais pediriam isso. Desde o princípio, disseram que eu era irrecuperável e limitaram-se à tortura de rotina. • 15. Jamais imaginei que seria grato aos torturadores por não me pedirem aalma. Não sabia que dias tão cinzentos ainda viriam pela frente. • 16. Que seria liderado por um homem que achava que Maurício de Nassau era um deputado de Pernambuco. Logo eu, que sou admirador de um deputado pernambucano chamado Joaquim Nabuco. • 17. Foram os anos mais duros de minha vida. No meu caderno anoto frases e indicações da semelhanças da luta contra a ditadura e da luta contra este governo, desde que comecei a criticá-lo, com a importação de pneus usados. • 18. As pessoas têm suas carreiras, seus empregos, sua racionalizações. É preciso respeitá-las, atravessar o deserto sem ressentimentos. • 19. Agora, sobretudo, é preciso respeitar o sofrimento dos vencidos. Outro dia, quando me referi a um núcleo na Casa Civil como um bando de ladrões que atentava contra a democracia, uma jovem deputada do PT estremeceu. • 20. Senti que não estava ainda preparada para essas palavras cruas. E fui percebendo pelas anotações que talvez estejam aí, para o escritor, o mais rico manancial de toda essa crise. • 21. Como estão as pessoas do PT? Como se ajustam a essa nova realidade? Que destino tomaram na vida? • 22. Procuro não confundir, entre os que ainda defendem o governo, aqueles que são cínicos, cúmplices e os outros, que apenas obedeceram as ordens sob a forma da aplicação do centralismo democrático. • 23. Alguns defendem porque ainda não conseguiram negociar com sua própria dor. Não podem suportá-la de frente. Mas terão de fazer algum dia, porque, por mais ingênuos que sejam, já perceberam que a mãe está no telhado. • 24. Vamos ter de encarar juntos essa realidade. A grande experiência eleitoral da esquerda latino-americana, admirada por uma Europa desiludida com Cuba e Nicarágua, a grande novidade que verteu tintas... • 25. ...atraiu sábios, produziu livros e seminários, vai acabar na delegacia como um triste fato policial de roubo do dinheiro público e suborno de parlamentares. • 26. Só os que se arriscarem a ir até o fundo dessa abjeção, compreendê-la em todos os seus detalhes mórbidos, têm chances de submergir para continuar o processo histórico. • 27. Por incrível que pareça, o Brasil continua, e a vontade de mudar é mais urgente do que em 2002 e 2006... Por isso, proponho agora um curto e eficaz trabalho de luto. • 28. Anotação final: começaram o espetáculo da CPI, secretárias e suas agendas, ex- mulheres e suas mágoas, vampiros, sanguessugas, mensaleiros, arapongas, tesoureiros e seus charutos, Vossa Excelência para cá, Vossa Excelência para lá, sigilos bancários, telefônicos, emocionais. • 29. Viu, Duda, que cenas finais melancólicas quando um mercador tenta aplicar à complexidade da política a singeleza do vendedor de sabonetes? • 30. Texto veiculado no jornal Folha de S. Paulo, disponível na página gabeira.br. Trilha: “Os Cinco Companheiros”, de Pixinguinha, do disco “Pixinguinha-100 anos”, do CCBB-RJ. Formatação de Ren@to Fonseca, 31. FIM MELANCÓLICO? Não, Lula enganou o povo...
Posted on: Fri, 26 Jul 2013 12:41:25 +0000

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