Acabo de chegar da manifestação em Florianópolis com um - TopicsExpress



          

Acabo de chegar da manifestação em Florianópolis com um sentimento muito estranho. Apesar de estar acompanhando pela internet os acontecimentos desde a primeira passeata de São Paulo e Rio, foi minha primeira ida às manifestações. É a segunda em Florianópolis. Saí da universidade e fui ao ponto de ônibus com alguns colegas, dois dos quais portavam cartazes contra aumento de passagens, bastante articulados com o Movimento Passe Livre, motivo inicial das manifestações. À espera do ônibus, eis que aparece um rapaz grande e forte, com uma jaqueta camuflada e dois cartazes nas mãos, no mesmo formato “papelão com tinta guache” dos meus colegas. O primeiro dizia “carros matam mais do que armas”. Julguei que se tratava de um militante do ciclotransporte até ver o segundo cartaz: “abaixo o estatuto do desarmamento”. Estávamos indo para a mesma manifestação? Logo o ônibus rumo ao Terminal Central da cidade, de onde partiria a manifestação, chegou. Todos entraram por trás, em desobediência civil (o que julguei positivo) e logo estávamos lá. A notícia que eu tinha da primeira manifestação, anteontem, era que tinha sido bastante morna, que não havia nenhuma situação tensa, a polícia abriu caminho e que dentre os manifestantes havia uma forte preocupação com evitar violência e vandalismo, e que havia bandeiras brancas sendo desfraldadas dos prédios de classe média alta da Beira-Mar Norte em apoio aos manifestantes. O que pensar? Nada mal, a princípio, face aos episódios de brutalidade policial que acompanhamos nos dias anteriores. Ademais, em Florianópolis o aumento das passagens não era pauta do momento (e sim, a greve dos funcionários do transporte público por melhores salários) e não há as tensões latentes relativas à Copa, nem jogos da Copa das Confederações, pois Floripa não é uma cidade-sede. Ou seja, não estava esperando ir a um campo de batalha. Mas fiquei realmente incomodado. Havia MUITA, mas MUITA gente na rua. Quando começamos a andar com a passeata, ninguém gritava. De repente, vaias. Para o pessoal do PCB que levantava sua bandeira. Um batalhão de choque ideológico dos manifestantes não permitia que os partidários do PCB se manifestassem. Ao contrário, certamente, do nosso amigo contrário ao desarmamento, que devia estar podendo se expressar normalmente em algum lugar próximo. Vi também um cartaz dizendo “não aos maus-tratos aos animais”. Sou tão favorável ao desarmamento quanto dos direitos animais, mas, espera aí, o que estamos fazendo mesmo? As demandas esdrúxulas (para o contexto) eram, em verdade, exceções. No geral, o que mais se ouvia eram gritos contra a corrupção, contra a presidente e, vá lá, contra as PECs e contra Feliciano. A questão do transporte era secundária, assim como a Copa, que entrava apenas no quesito “corrupção”. As pessoas, a maioria com jeito de estudantes secundaristas ou universitários (mas não só) com suas caras pintadas de verde e amarelo, com bandeiras do Brasil e camisas da seleção. E, numa boa, com nenhuma cara de que tem alguma noção da política deste país. Quem é à favor da corrupção? Comecei a entender onde estava. Não era uma manifestação radical sobre aumento de passagens. Não era a aglutinação de muitas lutas populares reprimidas pelo trator do progresso, do PAC e do agronegócio. Quem estava ali majoritariamente, engolindo quem estivesse lá por lutas anteriores, era uma classe média despolitizada, que identifica a vontade de sair às ruas a partir da virada da imprensa a favor das manifestações e que comprou a versão de uma conexão direta entre as manifestações e a revolta gerada na CPI do Mensalão. Alvo fácil de manipulação. Tudo bem, a rua é de todos. De todos? Começando a subir a ponte que liga a Ilha ao Continente, eis que novamente nos deparamos com o pessoal do PCB sendo vaiado e obrigado a baixar sua bandeira. Peraí. Não sou de nenhum partido, tenho pouca fé que via partido resolveremos os problemas que nos afligem, sou contra o aparelhamento dos movimentos sociais, etc, etc. Mas, naquele momento, eu me identificava com a moça do PCB que bradava desesperada sua bandeira sob vaias da censura, de modo que finalmente três ou quatro brutamontes agarraram a moça, arrancaram sua bandeira e jogaram da ponte. Pra mim, mesmo simpático ao fato das manifestações serem apartidárias, a graça acabou ali. Com a truculência de um grupo de machos a uma mulher que só empunhava uma bandeira. Antes de desistirmos da passeata, eu e minha companheira, ainda encontramos outras pessoas, que também acharam absurda a cena, e que desconfiavam se havia uma outra passeata, que ia à prefeitura. Ainda quisemos acreditar que “nossa galera” estava em outro lugar. Mas, obviamente, a passeata era aquela mesmo. Um passeio chuvoso com a classe média conservadora de Florianópolis. Como interpretar tudo isso? Escrevo porque tento. Me parece que houve um rápido movimento da imprensa no sentido de mudar de posição, quando viu o tamanho do problema, após o início da repressão policial em São Paulo e Rio. Foi uma jogada inteligente no velho estilo “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. O povo nas ruas com uma visão rasa dos problemas é uma ótima estratégia de desmobilização. O Hino Nacional é o mesmo dos estádios da Copa. Eu, que não vejo televisão, fico impressionado. Chegando em casa, as notícias da internet são que o pau está quebrando em Brasília, em Porto Alegre, no Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, notícias de balas de borracha sendo atiradas de helicóptero. Mas lá também o conservadorismo está nas ruas. Amigos em Recife relatam exatamente os mesmos sentimentos que relato aqui. Estamos então naquele momento fugidio em que a possibilidade de mudança está sendo rapidamente domesticada, incorporada ao sistema, em nome de uma cidadania que remete às aulas de Educação Moral e Cívica. Não se sabe o desdobramento de tudo isso. Mais do que estar atentos, devemos deixar em questão todas as lutas libertadoras, todas as coisas que são pauta dos movimentos sociais que, se são apartidários, não aparecem representados de verde e amarelo cantando o Hino Nacional. Assembleias temáticas? Fóruns permanentes? Formação de novas redes? Há muito que se vai às ruas, com menos visibilidade, contra os impactos das obras do PAC, perda de direitos por mudanças nas constituição, desrespeito aos direitos territoriais indígenas e quilombolas, barbaridades nas questões ambientais, problemas de mobilidade urbana, remoções e superfaturamentos na Copa, permanência dos mesmos de sempre no poder legislativo e muitas outras questões. Em muitos casos, é gente simples levando bala de verdade e a gente nem ouve falar. É claro que o atual governo é protagonista de tudo isso. Mas não só eles. Aí, sim, não é uma questão partidária. Não é uma luta para derrubar o Governo. Nem para acabar com os partidos. É uma luta para que o movimento social paute o que deve ser posto em discussão. Vamos aumentar o volume das lutas que estão aí em voz baixa. Quem é o gigante que acordou? O gigante que vai ganhar a Copa? Não me representa. Mas alguma coisa está acontecendo. É fazer acontecer.
Posted on: Fri, 21 Jun 2013 02:28:18 +0000

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