CHILE 4O: A OUSADIA DE ALLENDE , Carlos abel Suárez - TopicsExpress



          

CHILE 4O: A OUSADIA DE ALLENDE , Carlos abel Suárez (…) Política Nacional | 17 de setembro de 2013 | Envie para um amigo CHILE, 40 ANOS: A OUSADIA DE ALLENDE, Carlos Abel Suárez (*) “Para mim, o mais grave foi o que se seguiu ao golpe de Estado… foi uma barbárie, crimes, assassinatos, exílios. A primeira etapa da cura seria, para mim, justiça para os criminosos, uma espécie de Nuremberg, que não houve aqui no Chile, e depois as questões institucionais. A ditadura durou 20 anos (…) E nada nos assegura que não possa repetir, só o que podemos fazer é dar o nosso testemunho. Ficar de olho…não se podem voltar a cometer esses excessos sob nenhum ponto de vista, não se pode perseguir e matar gente pelo que pensa. Uma das coisas boas da democracia é que as pessoas expressam a sua opinião sem medo. Eu creio que este processo, no Chile, demorou porque ficamos com um medo terrível, sobretudo as gerações mais velhas, então evidentemente a juventude tem esse papel, de não ter medo”. Rodrigo Salinas, Ilustrador e comediante (38 anos) “Sou um defensor acérrimo do governo de Allende. Creio que foi o melhor governo do Chile e um dos melhores governos da humanidade quanto à participação, quanto à democracia, quanto ao acesso à cultura (…) A editora Quimantú tinha tiragens de 300.000 exemplares. Noto que há algo que ninguém diz, e é o que foi a Unidade Popular, o que foi como governo. E que as pessoas que participaram desse governo tendem a se desculpar, tendem a se esconder.Tendem a sentir vergonha, falam dos excessos. (…) Durante os 3 anos da Unidade Popular não houve um só desempregado no Chile e apesar do desabastecimento, apesar do mercado negro, ninguém passou fome, ninguém passou necessidade”. Camilo Marks, escritor e advogado defensor dos DDHH durante a ditadura. (65 anos) Esses depoimentos fazem parte do impactante documentário, 40 vozes, 40 anos, dirigido por Felipe Araya e Patricio Escobar, transmitido pela televisão chilena na semana passada. Selecionei esses dois testemunhos, dentre outros, para mostrar duas experiências distintas (que de algum modo percorrem o filme): a de quem viveu os tempos de Allende e o golpe e a de quem sofreu as consequências dos muitos anos de ditadura e de quase 24 anos dos governos que sucederam Pinochet. Escrever sobre o Chile de quatro décadas atrás é duro para os que, de uma ou outra maneira, estivemos envolvidos nos acontecimentos. Nem mesmo as personalidades mais destacadas podiam tocar nesse tema. Na última vez em que me encontrei com Clodomiro Almeyda, ex-chanceler e vice-presidente da República (a quem conhecia antes mesmo que se tornasse um dos mais destacados dirigentes do Partido Socialista, chanceler e vice-presidente de Allende), compartilhamos várias horas de voo entre Santiago e Bogotá e um jantar num hotel. Ele me contou que havia parado de fumar, da queda do Muro de Berlim e de quando cruzou clandestinamente a cordilheira para regressar ao Chile – relato que eu conhecia de uns amigos – e de como Arafat havia lhe presenteado com um colar de contas que o ajudava a diminuir a ansiedade de ex-fumante. Mas quando chegávamos à zona das memórias mais dolorosas, Almeyda emudecia e eu sabia que não podia perguntar nada. Havia aprendido algo disso entre os exilados republicanos espanhóis residentes em Mendoza e também em nossa própria experiência argentina com relação à ditadura: existe um território difícil de cruzar e não se trata de culpa, como pensam alguns imbecis pelos quais há que se pedir perdão. É o mesmo que impedia Jorge Semprun de contar sua experiência em Buchenwald, o que finalmente pôde concretizar em A escrita ou a vida. Para isso, teve de valer-se de um poeta amigo, que lhe permitiu superar o transe: “Ninguém pode escrever se não tem o coração puro, quer dizer, se não está suficientemente desprendido de si mesmo”. Para os chilenos, e também para o resto do mundo, a comemoração do 11 de setembro tem vários significados. Para muitos, é a morte de Allende, o fim do sonho de uma experiência social e política inédita e o começo do horror da ditadura de Pinochet, que destruiu a maioria dos chilenos. Para a direita do Chile e do mundo, foi o triunfo de uma contrarrevolução e da conformação de um modelo econômico que seria um exemplo para um punhado de ricos, um troféu que ainda exibem sem pudor entre os círculos mais concentrados do privilégio e da desigualdade. Escondem debaixo do tapete o sangue das vítimas e que esses resultados foram não somente uma façanha da competência e da iniciativa privada: foram produto, principalmente, e vá lá o paradoxo, da intervenção do Estado. Porque Estado sempre há. E mais ainda para aqueles que dizem que ele não deve intervir. “Agora sabem – recorda o escritor Luis Sepúlveda – que a mulher de Pinochet assaltou a Organización de Centros de Madres (CEMA), sem realizar o menor investimento de risco. Atuava da seguinte maneira: seu marido ordenava assassinar alguém, normalmente de esquerda, que tivesse uma propriedade grande, apta à construção. Essa propriedade passava a ser parte, durante alguns dias, do Estado chileno, mas depois era presenteada à CEMA, organização dirigida por Lucía Hiriart, mulher de Pinochet. Esta veterana ladra, como um gato de campo, ordenava que arquitetos do exército, pagos pelos chilenos, fizessem um projeto de cem ou mais casas, que eram construídas por batalhões de soldados, ladrilhos, cimento e vidros do exército chileno, quer dizer: não compravam um só prego, o Estado chileno pagava tudo. Depois vendia as casas, que eram entregues equipadas, com cozinha, refrigerador e móveis comprados pelo exército chileno, e o dinheiro da venda se perdia em suas contas em Miami, Gibraltar, Suíça ou Ilhas Cayman. Isso – dizem os ladrões e estelionatários chilenos – é concorrência desleal, isso é uma violação da livre concorrência e não há maneira de explicar-lhes que isso é precisamente a espinha dorsal da economia neoliberal de mercado, o roubo cometido sem a menor vergonha e que se chama privatização das empresas nacionais, o latrocínio impune chamado “liberdade de movimento para o capital”. Nem ela, nem seus filhos implicados em negócios ainda piores que os da ONG da mamãe com ajuda do General, pediram perdão nem foram condenados. Os dias de Allende O maravilhoso filme de Patricio Guzmán, A batalha do Chile, registra com imparcialidade e profundidade esses tempos fundamentais, que costumam ser interpretados confusamente, com chaves do presente. É importante sugerir aos mais jovens que o vejam, e que seja exibido nas escolas, não somente do Chile. Quando Juan Gabriel Valdés foi embaixador do governo da Concertación em Buenos Aires, convidou políticos argentinos amigos, chilenos residentes e jornalistas para a apresentação do documentado livro Memoria de la Izquierda Chilena, escrito por Jorge Arrate e Eduardo Rojas. Um destacadíssimo político argentino, que participava do painel de apresentação – não é o caso de mencioná-lo para não entrar em pormenores internos argentinos – confessou que dos dois tomos desta obra, somente havia conseguido ler o capítulo de Allende. E acrescentou que se Allende tivesse feito “isso em lugar daquilo e aquilo em lugar disso”, é possível que tivesse evitado o golpe de Estado. Eu estava sentado ao lado do ator Patricio Contreras, nos olhamos, sorrimos e comentamos: e agora el Chicho seria um velhinho preguiçoso, dando conferências em Harvard ou Paris. Não é preciso dizer que o intrépido comentarista foi devidamente corrigido. A sorte de Allende e da Unidade Popular estava lançada antes mesmo de ganhar aquelas inesquecíveis eleições de setembro de 1970. Recordemos somente o testemunho do embaixador norte-americano no filme de Patricio Guzmán, as revelações dos documentos desclassificados do Departamento de Estado que informam sobre planos de “contingência”, a operação Camelot, etc., elaborados já desde os tempos em que o FRAP era apenas uma longínqua possibilidade, nas eleições que ganhou Eduardo Frei. Isso, para não mencionar os ofícios resultantes de horas e horas de deliberações, centenas de informes, testemunhos e gravações nas comissões do Congresso dos Estados Unidos – a centralidade que alcançou o caso Chile nos planos de Nixon e seu secretário Kissinger –, o papel da ITT e das multinacionais, assim como o que investigou o Tribunal Russell em 1975, etc. Mas tudo isto, que a muitos colheu de surpresa ao longo de 40 anos, não era desconhecido em 1970. Antes de Allende assumir o governo, assomou-se o ovo da serpente com o brutal assassinato do comandante do Exército, René Schneider. As controvérsias desses momentos não ignoravam o perigo, a existência da Guerra Fria e a via crucis por que deveria passar o governo da UP para cumprir suas promessas eleitorais. Allende foi um exemplo de transparência nesse sentido, não vendia uma imagem diferente do que era e assim como não evitava a negociação com os políticos tradicionais e as forças hostis, com os quais havia tratado toda sua vida política – recordemos que foi, por um breve período, ministro da saúde de Aguirre Cerda, e, longos anos, senador da República –, também era capaz de receber críticas da esquerda e refutá-las sem fazer cara de nojo ou destilar mau humor. Entre os mais próximos se escutava dizer, entre queixas e admirações, que el Chicho confiava demasiadamente em sua mão negociadora. Na consciência dos perigos que encerrava essa conjuntura histórica está a pressa com que a UP avançou em uma rápida implementação de seu programa, e ninguém pode lhe jogar na cara que não haja cumprido suas promessas logo nos primeiros meses em que ocupou o palácio de La Moneda. Seu discurso no ato de comemoração do primeiro ano de governo, realizado em 5 de novembro de 1971, no Estadio Nacional, mostra, com grande transparência, seu pensamento, as ideias sobre as quais insistiu até o final: “Nós, chilenos, rechaçamos, no mais profundo de nossas consciências, as lutas fratricidas. Mas sem renunciar jamais a reivindicar os direitos do povo. Nosso brasão diz: ‘Pela razão ou pela força’. Mas diz, primeiro, ‘pela razão’. Já em nosso primeiros passos como país soberano, a decisão dos homens do Chile e a estabilidade de seus dirigentes nos permitiram evitar as guerras civis. (….) Já em 1845, Francisco Antonio Pinto escrevia ao General San Martín: ‘Parece-me que vamos solucionar o problema de saber como ser republicanos e continuar falando a língua espanhola’. Desde então, a estabilidade institucional da República foi uma das mais consistentes da Europa e da América (….) O respeito aos demais, a tolerância com o outro, é um dos bens culturais mais significativos com que contamos. (…) Nosso caminho será aquele construído ao longo de nossa experiência, o consagrado pelo povo nas eleições, o sinalizado no Programa da Unidade Popular: O caminho para o socialismo na democracia, pluralismo e liberdade. (….) Que ninguém se engane. Os teóricos do marxismo nunca pretenderam, nem a história o demonstra, que um partido único seja uma necessidade no processo de transição para o Socialismo”. Terminou sua brilhante oratória com esta frase: “Este Chile que começa a se renovar, este Chile em primavera e em festa, sente como uma de suas aspirações mais fundas o desejo de que cada homem do mundo sinta em nós um irmão”. Nesse discurso, quase de improviso, reflete-se o conhecimento que tinha Allende da história e como fincava os dentes sem vacilar nos grandes debates de sua época; preconizava um socialismo com rosto humano, além de expressar uma temerária confiança na estabilidade institucional e na neutralidade das Forças Armadas, a qual certamente contrastava com a experiência da América Latina. Há que se dizer que não se tratava de uma confiança ingênua, pois não impedia os processos de auto-organização dos trabalhadores, não aprovados por alguns de seus colaboradores. Nos momentos mais difíceis, como no “tancazo” de 29 de junho, Allende rechaçou com ira os pedidos majoritários para fechar o Parlamento e tomar medidas contra a Corte de Justiça, que lhe eram hostis. Allende assegurou que enquanto ele fosse presidente respeitaria as instituições da república, e a cada vez que era interpelado sobre a violência, apontava o brasão chileno com um sorriso pícaro: “primeiro diz: ‘pela razão’”. Não obstante, essa mesma noite de junho começou uma gigantesca ocupação de fábricas e instituições, o que abria uma etapa de confrontação irreversível. A ex-presidente e atual candidata lembra que estava, esses dias, no fragor dessas ocupações. O Chile, em sua conformação territorial, era como uma ilha, limitada a Leste pela Cordilheira dos Andes, ao Norte pelo deserto de Atacama, e ao resto pelo imponente oceano Pacífico (o Sul por séculos quase não contava). Porém, nunca esteve mais unido ao mundo que nos anos da Unidade Popular, coisa que não podem entender os que creem que tudo chegou pelo Tratado de Livre Comércio com os ianques ou pela abertura comercial. Isso é o que constata e expressa Allende quando afirma: “o desejo de que cada homem do mundo sinta em nós um irmão”. Verdadeiramente, acudiram ao Chile, não só os exilados de todas as partes, como também cientistas, artistas e intelectuais, atraídos por essa experiência singular. Muitos perderam a vida, outros ficaram marcados para sempre. Entre tantos exemplos, estão os cientistas: Stafford Beer (britânico), Oscar Varsavsky (argentino), Carlos Eduardo Senna (brasileiro), Stéfano Varese (peruano), que trabalharam junto com o investigador chileno Humberto Maturana, em distintos modelos matemáticos e cibernéticos para aplicação na indústria nacionalizada. Alguns projetos, quando explicados, pareciam sonhos futuristas, disse bem Darcy Ribeiro, que foi assessor de Allende e também estava vinculado a esse projeto: “Nunca participei de um experimento tão radical e tão generoso. Ali repensávamos com ousadia o que era o mundo e o que o mundo devia ser, ainda mais ousadamente, o que os mundos deviam ser”. (1) Pedir perdão de quê? O reputado Estudo da Opinião Pública divulgou esta semana a primeira sondagem sobre as futuras eleições nacionais, a se realizem no próximo mês de novembro. Michelle Bachelet registra 44% de intenções de voto contra 12% de seu adversário de direita Evelyn Matthei. Mas somente 53% disseram que iriam votar. A abstenção continua sendo a mancha na política chilena, onde ainda segue vigente a Constituição de Pinochet. Ao examinar os 53% que asseguram que vão votar, só 18,3% são jovens entre 18 e 30 anos. A juventude, a grande protagonista da vida política nas ruas do Chile nesses últimos anos, não tem muito interesse nas eleições. A pesquisa também aponta que, nos interiores, 62% querem participar, enquanto que, em Santiago, a disposição baixa a 36,9%. O quase certo futuro governo encabeçado por Bachelet enfrentará velhos e novos problemas. Poderá seguir navegando nas águas semi-neoliberais em meio à crise mundial atual? Educação, saúde e o sistema previdenciário chileno devem ser postos na agenda ou terão sua resposta nas ruas. E uma reforma rumo a uma Constituição democrática é uma tarefa ineludível. Enquanto isso, no embalo da campanha, podemos nos surpreender com a desculpa dos juízes por sua atuação durante o pinochetismo – ainda que tardia, merece ser aplaudida –, com a vergonha de Camilo Escalona, que pede perdão por pedras que atirou quando era um estudante secundário radicalizado e com o gesto que destaca Ricardo Lagos, quando diz não ter que pedir perdão, porque a ditadura arruinou toda uma geração de chilenos. Talvez não tenha sido exato: passaram-se 40 anos e o Chile segue sendo um país tão desigual quanto aquele que deixou Pinochet. (*) Carlos abel Suárez, jornalista e intelectual argentino; mora em Buenos Aires. Nota: (1): Carlos E. Senna, Encontros na América do sol. 1983 (Rio de Janeiro- Ed. Antares). (*) Membro do comitê de redação da revista Sinpermiso
Posted on: Fri, 27 Sep 2013 18:17:35 +0000

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