DNA dos Sonhos. Adoro o silêncio das 3:00 da manhã. É a hora - TopicsExpress



          

DNA dos Sonhos. Adoro o silêncio das 3:00 da manhã. É a hora em que eu me acordo, nem levanto, sinto os fantasmas de Fred Astaire e Ginger Rogers dançarem de mãos dadas em volta da cama. Sinto uma felicidade estranha, que talvez seja fruto de um sonho bom que tive. Sinto uma sensação estranha, parecida com aquela que temos ao voltar para casa depois de uma longa viagem. A cama é mais confortável, ela sempre tem uma imperfeição no colchão que mais parece com uma vala, é nela que nós estamos acostumados a descansar, nenhuma outra se encaixa tão perfeitamente quanto a nossa própria vala. Adoro isso, assim como adoro o cheiro natural das pessoas, deixei de usar perfumes caros e importados quando senti que estava sendo padronizado. Certo dia cruzei com uma garota na rua que usava exatamente o mesmo perfume que o meu, se neste mesmo caminho, nós tivéssemos andando em sentido contrário, com um cego no meio do caminho dos dois, ele iria pensar que eu passei duas vezes por ele? Provavelmente sim. Cada pessoa tem a sua própria fragrância, o seu próprio DNA perfumado. Adoro sentir o cheiro de quem amo ao sair do banho, basta eu fechar os olhos e esperar que ela se deite ao meu lado, reconheço cada traço desse DNA. Sempre que vejo minha Mãe lavando as fronhas de meu travesseiro, eu penso em quantos sonhos não estão indo por água abaixo. Tantos que me lembro, tantos que me esqueci assim que acordei. Talvez por isso sempre lavo a fronha de meu travesseiro sempre que tenho pesadelos. Recordo-me que no dia em que sonhei com quem amo, tive tanto medo de esquecer, que ao acordar, tirei a fronha do travesseiro, dobrei e guardei. Sempre que quero me recordar de cada detalhe daquele sonho, abro o guarda-roupa, pego aquela fronha, coloco-a em meus braços e fecho os olhos. Triste do velho, depois de 50 anos de casado teve que se despedir da esposa, ela morreu dormindo ao lado dele. Ao que me disseram ele levantava antes dela, coava o café, comprava os pães, preparava tudo e levava até ela, fez isso por 50 anos. No dia em que ela morreu não foi diferente, ele levou o café para ela na cama e naquele dia ela já não estava mais lá. Disseram que ela já estava doente, sofria de problemas de pressão, e tinha vários históricos de infarto na família. Morreu em silêncio no meio da madrugada. Conversei com ele várias vezes depois da morte de sua esposa. Ele não quis mudar nada do que ela havia deixado no quarto, onde eles dormiam. As sandálias permaneceram no lugar que ela havia deixado antes de dormir por vários dias, a bagunça que ela havia feito na caixa de remédios continuou como ela havia deixado. O travesseiro dela, permaneceu naquela cama onde eles dormiam, intacto. Depois da morte dela, ele não dormia, vagava pela casa a madrugada inteira, deitava-se sobre a cama e sentia uma inquietude que não passava. Depois de muitos dias sofrendo, ele adoeceu, logo tomou a decisão de não ir a nenhum hospital, de não tomar remédio algum, ele havia se condenado a morte por si mesmo. Mas ele não fez por mal, depois de tantos anos de casado, perder a pessoa com quem ele caminhava de mãos dadas todas as manhãs, faça chuva, faça Sol. Nem mesmo o mais valente dos homens resistiria a tamanha dor. Em uma noite como qualquer outra, ele dormiu. Na manhã seguinte a filha dele, sempre persistente, foi até o quarto dele para tentar fazer com que ele tomasse os remédio que precisava. Naquela manhã ele estava frio como as mãos de uma criança que sai para brincar na chuva. Morreu deitado exatamente do lado da cama onde sua falecida esposa costumava dormir. Morreu tentando preencher a vala que ela havia deixado, sonhando os sonhos que não se completaram na noite em que ela havia morrido. Caiu em um abismo infinito, o mesmo que sempre se fazia presente ao lado esquerdo da cama onde a falecida se deitava. Não sei o que fizeram com o colchão daquele casal, mas sei que se ele ainda existe, está lá as duas covas que demoraram anos para serem cavadas. Talvez de alguma forma, a forma que tudo que usamos diariamente funciona, seja a nossa impressão digital no mundo. Morremos, mas o que construímos e destruímos fica. Mesmo que seja modificado algum dia, nada muda o fato de que nós um dia passamos por ali. Um dia me disseram que por mais perfeito que seja um sonho, um dia a gente tem que acordar. Se é assim, que assim seja. Mas nada me impede de lembrá-lo sempre que eu tirar do guarda-roupa essa fronha agora em meus braços. Quero morrer dormindo, que seja um sonho bom. E que dure toda a eternidade.
Posted on: Mon, 26 Aug 2013 00:29:16 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015