DOAÇÃO DE MEDULA ÓSSEA Dra. Carmen Vergueiro é médica - TopicsExpress



          

DOAÇÃO DE MEDULA ÓSSEA Dra. Carmen Vergueiro é médica hematologista e trabalha na Santa Casa de São Paulo. Dra. Juliana Serro é membro da AMEO (Associação de Medula Óssea). A+a- Imprimir Muita gente confunde transplante de medula óssea com transplante da medula espinhal. Infelizmente, não se domina ainda a tecnologia necessária para transplantar um fragmento que seja da medula espinhal, isto é, da porção do sistema nervoso central que passa por dentro do canal localizado na coluna vertebral. Quando se fala de transplante de medula óssea, estamos nos referindo a um procedimento clínico que possibilita retirar parte da medula alojada na cavidade interna de vários ossos, aquela parte que no esqueleto dos bovinos, por exemplo, chamamos de tutano. A medula óssea é formada por tecido gorduroso no qual são fabricados os elementos figurados do sangue: hemácias ou glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas. No entanto, ela pode entrar em falência e não ser mais capaz de produzir as células do sangue ou pode ser destruída completamente durante o tratamento de determinados tipos de câncer que exigem altas doses de medicamentos quimioterápicos e/ou de radioterapia. Em situações como essas, o transplante alógeno de medula óssea pode ser a única maneira de salvar muitas vidas. O procedimento é bastante simples. Colhe-se uma pequena quantidade de células progenitoras da medula óssea do doador e injeta-se no sangue periférico, na veia do receptor. Através da circulação, essas células atingirão o interior dos ossos, lugar onde mais gostam de viver, começarão a multiplicar-se e retomarão a atividade de produzir os componentes do sangue. Em pouco tempo, o doador terá recomposto completamente sua medula óssea e, se quiser, estará apto para uma nova doação. Embora simples e possível de ser feito, esse procedimento esbarra num grande problema. Como se sabe, o organismo tem a capacidade de rejeitar tecidos que lhe são estranhos. No caso específico do transplante de medula óssea, essa rejeição tem características muito especiais que dificultam encontrar um doador compatível. DOADORES COMPATÍVEIS Drauzio – Que chance tem de conseguir um doador a pessoa que necessita de um transplante de medula óssea? Carmen Vergueiro – A possibilidade maior é encontrar um doador entre os irmãos. Como se trata de herança genética, a chance de ser compatível é de 25% por irmão. Portanto, quanto mais irmãos houver, maior a probabilidade de um encontrar um doador nesse grupo familiar. Atualmente, porém, a tendência é existirem famílias cada vez menores. Por isso, entre 60% e 70% dos pacientes que necessitam de um transplante de medula óssea não encontram doadores entre os familiares e precisam tomar outras providências. Drauzio – Pai e mãe não servem? Carmen Vergueiro – Não servem. Como o pai passa metade da herança genética e a mãe outra metade, eles são o que se chama de haploidênticos, pois têm apenas metade da informação genética do filho. Drauzio – E os primos ou outros parentes mais próximos podem ajudar? Carmen Vergueiro – Se fizer uma pesquisa em toda a família, a chamada busca na família estendida, a chance de encontrar alguém totalmente compatível é de 7% a 10%. ENXERTO VERSUS HOSPEDEIRO Drauzio – Nos outros transplantes, o receptor rejeita o órgão que não é totalmente compatível com seu organismo. Nos transplantes de medula óssea, o processo de rejeição tem características opostas. Você poderia explicar o que acontece quando o paciente recebe uma medula que não é inteiramente compatível? Carmen Vergueiro – A medula óssea tem uma característica diferente porque é ela que produz os glóbulos brancos e o sistema imune. Toda a nossa resposta imune vem da medula óssea. Como no transplante de medula o paciente recebe um novo sistema imune, os glóbulos brancos do doador reconhecem como estranho o organismo do receptor e passam a agredi-lo. É o que se chama de doença enxerto versus hospedeiro, responsável pela maior causa de mortalidade nesse tipo de transplante, e que tem enorme impacto na sobrevida dos pacientes. Por isso, é indispensável que a compatibilidade entre doador e receptor seja absoluta para minimizar, o máximo possível, os danos que essa doença pode provocar. Drauzio – Nesse sentido, o transplante de medula óssea é completamente diferente dos outros transplantes. Não é o receptor que rejeita o transplante. É a medula do doador que rejeita o hospedeiro. Na clínica, quais são os quadros associados a essa reação adversa? Carmen Vergueiro – A agressão se manifesta em lesões de pele, de pulmão, de fígado, no trato gastrintestinal, enfim todo o organismo pode ser agredido. Além disso, pode ocorrer um retardo na recuperação do paciente e na produção dos glóbulos brancos responsáveis pela defesa do organismo. DOADORES VOLUNTÁRIOS Drauzio – Você disse que a chance de conseguir um irmão como doador compatível é de 25%. Portanto, em cada quatro irmãos apenas um teria medula compatível. Se estendermos a busca entre os parentes, de 7% a 10% dos doentes conseguem encontrar um doador adequado. O que acontece com os outros? Carmen Vergueiro – Os outros têm de recorrer aos registros de doadores voluntários, pessoas que se dispõem a doar uma pequena parte de sua medula óssea para qualquer paciente que necessite de um transplante desde que seja compatível com ele. Drauzio – O que precisa fazer um doador voluntário de medula óssea? Carmen Vergueiro – Primeiro, o doador voluntário precisa preencher um cadastro e colher uma amostra de sangue para um teste de compatibilidade (HLA). O resultado obtido por meio de um exame de laboratório bastante comum é colocado num banco de dados do Ministério da Saúde, o REDOME (Registro dos Doadores de Medula), no Rio de Janeiro. Sempre que houver um paciente que necessite de transplante e não tenha encontrado doador na família, os médicos podem consultar esse registro. Uma vez localizada uma pessoa compatível, ela será convocada para realizar novos exames de sangue e para uma avaliação clínica a fim de saber se pode de fato doar a medula. Drauzio – A pessoa doa uma amostra de sangue, preenche um cadastro e volta para casa, mas pode acontecer que nunca seja chamada. Carmen Vergueiro – Imagina-se que em cada dez mil pessoas registradas, apenas uma será doadora, porque a probabilidade de encontrar alguém compatível fora da família é muito pequena. Drauzio – Vamos supor que eu necessite de um transplante de medula óssea. Você testa as pessoas de minha família e não encontra nenhum doador compatível. Qual a minha chance de conseguir uma medula compatível na população como um todo? Carmen Vergueiro – Varia de uma para dez mil a uma para um milhão, dependendo de sua herança genética. Se for um tipo mais frequente, sua chance é uma em dez mil. Se for raro, será uma em um milhão. De qualquer modo, é sempre difícil encontrar um doador compatível. Drauzio – Para montar esse arquivo, o sangue dos doadores voluntários é colhido no Brasil inteiro? Carmen Vergueiro – O sangue é colhido nos hemocentros dos diversos estados. O processo é bem simples. O doador vai ao hemocentro mais perto de sua casa, colhe uma amostra de sangue e preenche um cadastro. Essa amostra é enviada para um laboratório de histocompatibilidade, que faz um exame e envia o resultado e os dados do doador para o REDOME, no Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, onde fica centralizada a informação obtida no Brasil inteiro. Se um paciente precisar de transplante, realiza-se uma busca nesse cadastro para ver se existe alguém compatível. PROCEDIMENTO DA DOAÇÃO Drauzio – Vamos levantar uma hipótese. Eu doo uma amostra de sangue e meu nome vai para esse cadastro. Passam-se dois anos e alguém me telefona dizendo: “Estamos precisando de sua medula, porque ela é compatível com uma pessoa que precisa de transplante no Pará”. Qual é o procedimento burocrático daí em diante? Carmen Vergueiro – Você irá doar sua medula no centro de transplantes mais próximo de sua casa. Se morar em São Paulo, num dos centros de transplante registrados nessa cidade. O doador não precisa locomover-se até o local do transplante. É a medula que vai congelada num saco como se fosse sangue. Além disso, não existe nenhum custo para o doador. Tudo é pago pelo Ministério da Saúde, pelo SUS. Drauzio – Chegando ao hemocentro mais próximo de minha casa, qual será o procedimento seguinte? Carmen Vergueiro – Numa primeira etapa, será feita uma avaliação clínica do doador para saber se está em condições de doar a medula sem correr nenhum risco e serão repetidos os exames de sangue. As sorologias são feitas só nesse momento. Não é como na doação de sangue comum que elas são feitas imediatamente para verificar casos de hepatite, sífilis, HIV, etc. MÉTODOS DE DOAÇÃO Drauzio – Como se doa a medula óssea? Carmen Vergueiro – Existem duas formas de doar a medula óssea: por punção de veia periférica para filtração das células-mãe, as células progenitoras, através de um aparelho ou puncionando a medula diretamente da cavidade do osso. Drauzio – Como é feita a doação por punção da veia periférica? Carmen Vergueiro - É um procedimento parecido com o de doar plaquetas do sangue. Antes o doador recebe um medicamento que estimula a produção de células brancas, principalmente de células progenitoras imaturas, que migram da medula óssea para as veias. Cinco dias depois, seu sangue passa por uma máquina semelhante à de diálise, onde é filtrado para coletar essas células. Em média quatro horas de filtração bastam para conseguir a quantidade necessária de material que será processado e levado para o paciente que precisa do transplante. Drauzio – Esse procedimento dura, em geral, quatro horas. O doador sente algum desconforto? Carmen Vergueiro – Algum desconforto pode ocorrer quando ele faz uso do estimulante para produzir mais células progenitoras. São sintomas semelhantes ao de uma gripe, um mal-estar que cede com qualquer analgésico. Drauzio – Durante a filtração das células progenitoras, o doador corre algum risco? Carmen Vergueiro – Não corre nenhum risco nem sente qualquer desconforto. É um procedimento realizado há mais de 20 anos, e nunca houve nenhum acidente com o doador. Drauzio – Você disse que são dois métodos. Um é retirar as células progenitoras do sangue periférico. E o outro? Carmen Vergueiro – O outro é puncionar diretamente a medula óssea do osso, do tutano, como você disse. Usando seringa e agulha, são feitas punções no osso do quadril para aspirar o material que contém as células progenitoras do sangue. Nesse caso, o doador é anestesiado para que não sinta dor. Esse procedimento dura 40 minutos. Drauzio – Quem pode ser doador de medula óssea? Carmen Vergueiro – Qualquer pessoa entre 18 e 55 anos, em bom estado de saúde, pode ser doadora de medula óssea. Não existe nenhum outro critério para exclusão. Drauzio – Não são excluídas pessoas que tiveram hepatite nem as portadoras do vírus HIV? Carmen Vergueiro – A princípio, não. Pede-se apenas que a pessoa tenha boa saúde. A sorologia não é importante no momento em que entra no programa, pois a probabilidade é que, em cada dez mil, só uma seja doadora, talvez vários anos depois de ter-se inscrito como voluntária. O importante é saber como ela está clinicamente na hora de doar. Só, então, se irá avaliar, por exemplo, se a hepatite representa um risco tão grande quanto o benefício de receber um transplante de medula óssea. COMPORTAMENTO DOS DOADORES Drauzio – Como os potenciais doadores se comportam ao saber que basta tirar uma amostra de sangue e preencher um cadastro para fazer parte do REDOME? Carmen Vergueiro – O desconhecimento sobre a doação de medula óssea é enorme. Quando as pessoas são informadas de como é fácil ser doador voluntário ficam surpresas. Não podiam imaginar que doar a medula óssea fosse simples nem que pudesse ser feita em vida. Não sabiam que ela se reconstitui, se regenera em pouco tempo. Nesse campo, a falta de informação é o principal problema. Drauzio – Que tipo de abordagem vocês fazem para motivar a população para doar a medula óssea, uma vez que o ideal seria que todas as pessoas entre 18 e 55 anos fossem doadoras, pois a chance que os doentes têm de encontrar uma medula fora da família é muito pequena? Carmen Vergueiro – Em geral, as pessoas só se sensibilizam quando veem o desespero e o sofrimento de uma família que procura um doador para alguém muito próximo. Por isso, temos feito um trabalho com doentes e familiares que passaram por essa experiência na vida. Formamos com eles um grupo que divulga material informativo, distribui folhetos, faz palestras, visita faculdades para conseguir doadores voluntários. Se soubermos que numa cidade alguém precisa de transplante e não encontra doador, vamos para lá e iniciamos uma campanha de esclarecimento. Assim, além de informar corretamente a população, conseguimos registrar muita gente que se solidariza conosco e se engaja na campanha. Drauzio – Você faz uma ideia do número de doadores inscritos nesse programa? Carmen Vergueiro – No REDOME há atualmente em torno de 45.000 pessoas registradas. Os Estados Unidos têm cinco milhões. Portanto, no Brasil é muito pequena a possibilidade de achar um doador compatível. Já nos Estados Unidos, em média, é de mais ou menos 50%. Dependendo do tipo de herança genética, se for das mais frequentes, a chance de achar alguém no registro americano é de 80% e, se for uma herança mais rara, de 30%. Nós, brasileiros, podemos recorrer aos registros americanos e europeus, mas como nossa herança genética é muito miscigenada, o mais provável é encontrar um doador no nosso País.
Posted on: Sat, 19 Oct 2013 04:27:48 +0000

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