Eles moram, você paga Confira a luxuosa saga destes - TopicsExpress



          

Eles moram, você paga Confira a luxuosa saga destes brasileiros que ganham bem, têm imóvel próprio ou funcional, são donos de mansões ou impérios imobiliários – e recebem auxílio-moradia Lourenço Flores e Márcio Pacelli Em Brasília, a Câmara dos Deputados não diz quantos parlamentares recebem o auxílio-moradia, um benefício de 3.000 reais mensais para pagar o aluguel. Informa que são "uns 300", mas guarda segredo do número exato e da lista dos beneficiados. Em São Paulo, 1.600 promotores e procuradores também recebem a ajuda, mas a chefia do Ministério Público se recusa a dizer o valor. Em Curitiba, os 35 desembargadores do Tribunal de Justiça decidiram, há quatro meses, autopresentear-se com 2.600 reais mensais de auxílio-moradia – retroativo a fevereiro. Para tomar essa decisão, reuniram-se em sessão secreta, cuja ata não pode ser divulgada. Quando o tema é esse tipo de subsídio, ouve-se o mesmíssimo silêncio em diversos pontos do país. A Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, onde 24 deputados recebem o benefício, não fala do assunto. Em Porto Velho, os sete desembargadores do Tribunal de Justiça de Rondônia dão ordens para ninguém comentar detalhes. Tanto silêncio se explica pelo constrangimento das autoridades. É que, no país onde o déficit habitacional passa de 5 milhões de residências, o auxílio-moradia virou a casa da sogra. Na semana passada, em que pese todo o sigilo, VEJA concluiu uma pesquisa nacional para verificar em que medida o benefício se espalhou pelos poderes públicos da União e dos Estados. Em geral, imagina-se que é uma ajuda dada aos políticos e autoridades de Brasília. É um engano: existem, no mínimo, 12.500 cidadãos brasileiros recebendo o auxílio mensalmente, o que custa aos cofres públicos 214 milhões de reais por ano (veja quadro). Levando em conta que há milhões de brasileiros na administração pública, são números até pequenos. Mas são pequenos porque só os donos dos salários mais altos têm direito ao auxílio-moradia. Dos 12.500 beneficiados, nenhum ganha menos de 3.000 reais mensais, o que equivale a vinte salários mínimos. Com isso, a farra nacional da moradia criou um padrão próprio de perversidade raramente observado: só recebe ajuda financeira para pagar o aluguel no fim do mês quem ganha bem. Ou acima da média. – Tem muita gente, como nós, que precisa mais. A gente não tem nem duas telhinhas para se enfiar debaixo – diz Maria da Conceição de Jesus, de 39 anos, que com o marido e a filha de 13 anos divide um barraco de lona preta instalado perto do prédio do Congresso Nacional. O auxílio-moradia é um benefício justo, legítimo, mesmo num país de contrastes sociais tão agudos. Em tese, serve como uma compensação financeira para os burocratas e autoridades públicas que, por força do ofício, precisam mudar de cidade ou sustentar duas casas ao mesmo tempo. Só que, na prática, a teoria virou uma bagunça. Entre os contemplados, há donos de mansões, construtoras, impérios imobiliários. Existe até gente que, num abuso escandaloso, mora em apartamento funcional e mesmo assim ainda recebe uma ajudinha para pagar um aluguel que não existe. Na semana passada, apareceu outro caso. Foi anunciado que o juiz Nicolau dos Santos Neto, acusado de desviar 169 milhões de reais da obra do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, não vai mais receber seus 15.700 reais de aposentadoria. O corte inclui seu auxílio-moradia, que era de 2.400 reais. Parece piada, mas é isso mesmo: até a semana passada, Lalau, o juiz que no auge de suas tramóias comprou um apartamentaço em Miami, recebia 2.400 reais por mês de auxílio-moradia. Foragido da polícia há seis meses, pode-se dizer que, no seu caso, o benefício virou uma espécie de "auxílio-fuga". Tina Coelho Ed Ferreira/AE A mansão do senador petista Lauro Campos, em Brasília, que tem quatro suítes, piscina e imenso jardim com palmeiras. Antes, o senador não recebia o auxílio, mas, de uns tempos para cá, mudou de idéia No bolso do deputado Pompeo de Mattos, do PDT gaúcho, o auxílio-moradia transformou-se em "auxílio-patrimônio". O dinheiro ajuda o deputado a engordar a herança que deixará a seus descendentes. Até março, ele morava num imóvel funcional em Brasília, cedido pelo Congresso Nacional. Resolveu sair porque o fantasma do antigo morador – o deputado Ivo Mainardi, morto há três anos – estava fazendo muito barulho. "O aparelho de som começava a tocar sozinho, as luzes se acendiam e apagavam sozinhas", reclama ele, a sério. Fugindo da assombração, o deputado deixou o imóvel e passou a requisitar na Câmara os 3.000 reais mensais de auxílio-moradia a que todo parlamentar tem direito. Conseguiu um financiamento na Caixa Econômica Federal e comprou uma casa de 200 metros quadrados em Águas Claras, perto de Brasília. Paga as prestações com o dinheiro do auxílio-moradia. "Bobo é quem fica num apartamento funcional. É muito melhor pegar a verba do auxílio-moradia. Quem não faz isso perde dinheiro", afirma o deputado, com desassombro. – Só com o dinheiro desse auxílio eu já ia viver muito bem – diz Eliane Rodrigues de Oliveira, 49 anos, que vive pelas ruas do Recife há quase duas décadas. Hoje, sua casa é um pequeno plástico preso a uma cerca no centro da cidade. Paulo Pinto/AE Paulo Renan Antunes/Ag. Estado O apartamento de Miami do juiz foragido Nicolau dos Santos Neto: três quartos, quatro banheiros, sala de estar, sala de jantar e um terraço com vista para Bay Shore, uma das regiões mais bonitas da cidade. Até a semana passada, quando teve a aposentadoria suspensa, Lalau ainda faturava 2 400 reais por mês de auxílio-moradia Desde julho passado, o Tribunal de Contas do Distrito Federal é um exemplo de aberração. Naquele mês, seus sete conselheiros resolveram se autoconceder 1.650 reais mensais de auxílio-moradia. Fizeram a mesma coisa que 21 de seus colegas de tribunais de contas instalados em outros quatro Estados. Mas há uma agravante no caso do Distrito Federal: dos sete conselheiros, quatro moram em apartamento funcional, graciosamente cedido pelo governo local. São todos vizinhos num mesmo edifício, situado na Asa Sul, bairro de classe média de Brasília. Quer dizer: eles recebem salários de mais de 7.000 reais por mês, têm apartamento de graça e, embora não gastem um tostão com habitação, embolsam mais 1.650 reais de ajuda para pagar aluguel. Nenhum dos quatro conselheiros se achou no dever moral de abrir mão do benefício. Nenhuma autoridade do governo do DF achou que deveria cancelar a oferta dos imóveis funcionais. Até fevereiro passado, o auxílio-moradia era mais ou menos limitado. Nessa época, porém, o ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal, resolveu conceder o benefício aos juízes federais, que ameaçavam entrar em greve. Foi apenas um pretexto para dar aumento salarial à categoria e evitar a paralisação. O ministro Jobim concedeu aos juízes uma parcela correspondente ao auxílio-moradia recebido por deputados e senadores. Tanto que, no contracheque dos juízes, o valor não aparece como "auxílio-moradia". Ganhou um daqueles apelidos que só a burocracia federal é capaz de inventar: é a "parcela autônoma de equivalência salarial". Feito isso, todo mundo que podia foi reclamar sua "parcela autônoma". A fila, é claro, não parou de crescer. Quem não precisava pedir a ninguém autonomamente se concedeu a "parcela autônoma". Surgiram, assim, situações tão embaraçosas que alguns desistiram de receber a mamata autônoma. Eugenio Novaes Ricardo Stuckert No STF, o único dos onze ministros que recebe o auxílio é Marco Aurélio Mello: dono de uma casa de 400 metros quadrados em um dos bairros nobres da capital federal, Mello diz que "não pode" descumprir uma decisão do próprio tribunal Em Mato Grosso, um dos vinte desembargadores do Tribunal de Justiça achou um abuso ganhar ajuda para o aluguel, ainda que disfarçada de "parcela autônoma", e resolveu não recebê-la. No Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, cinco dos 33 ministros recusaram o agrado. No Tribunal de Contas da União, dos nove membros, só quatro recebem. O desconforto mais notório surgiu no Supremo Tribunal Federal. Dos seus onze ministros, dez renunciaram ao benefício, inclusive Nelson Jobim. Só um embolsa tudo: o ministro Marco Aurélio Mello. Sua história pessoal é uma crônica de sucessos habitacionais no poder público. Em 1990, a União vendeu parte de seus imóveis, em condições facilitadas, aos funcionários que os ocupavam. O ministro aproveitou a pedida e comprou o apartamento em que morava. Deu 10% do valor do imóvel de entrada e financiou o resto. Mais tarde, vendeu o apartamento, comprou uma casa de 400 metros quadrados e resolveu a questão da moradia. – Se o povo ficasse sabendo que eles têm essas coisas, eles nem iam aprovar isso – diz Aparecida Cristina de Souza, de 26 anos, que mora com o marido e dois filhos num barraco às margens de uma rodovia de Curitiba. Nenhum dos personagens desta reportagem fez algo ilegal em relação ao auxílio-moradia – nem o juiz Lalau. Todos recebem a ajuda com pleno amparo na lei. E esse é um dos problemas. Em Belo Horizonte, o deputado estadual do PFL Eduardo Hermeto vive num luxuoso edifício em Lourdes, bairro de classe média alta da capital mineira. Seu apartamento ocupa um andar inteiro, tem 420 metros quadrados e vale cerca de 1 milhão de reais. Mesmo assim, todos os meses Hermeto ganha, legalmente, 2.250 reais de auxílio-moradia. Será que precisa disso? Além de morar com muito conforto, o deputado era dono de uma construtora, a Guatambu, incorporada há uns dois anos pela construtora Líder, que no ano passado faturou 200 milhões de reais. Sua mulher, Liliane, é herdeira da Líder. Faz sentido receber auxílio-moradia? "Moro em Belo Horizonte, onde nasci e me criei, mas meu trabalho não é só na cidade. Vou ao sudoeste de Minas e ao Vale do Jequitinhonha visitar minhas bases. Parte do custo das viagens é coberto pelo auxílio-moradia. É um benefício do qual não abro mão." Na farra da moradia, o deputado mineiro criou uma nova modalidade: o auxílio-moradia que vira "auxílio-transporte". Nos países em que a ajuda habitacional é concedida, há limites mais bem definidos. Deputados que residem na própria cidade onde trabalham, ou num raio de até 100 quilômetros, não recebem o benefício. Nos Estados Unidos, nem isso existe. Os parlamentares que chegam a Washington ganham um salário e com ele se viram para morar. Na Alemanha, o governo pagava o auxílio quando a capital era Bonn. Com a transferência para Berlim, acabou a moleza. Os parlamentares podem alugar imóveis do governo, se quiserem, mas pagam preço de mercado. A única vantagem é que os imóveis do Estado são próximos do Congresso. Por que então um deputado nascido e criado em Belo Horizonte deve ter auxílio habitacional para trabalhar em Belo Horizonte? O senador petista Lauro Campos foi eleito por Brasília e é antigo morador de Brasília. No início do mandato, ele se recusava a receber os 3.000 reais de ajuda-moradia. Mas, hoje em dia, diz que mudou de idéia e embolsa o benefício. "Estou terminando meu mandato e não vou mais me candidatar. Tenho 71 anos e levo uma vida íntegra. Sou marxista e desprezo a propriedade e o dinheiro. Não ligo para isso. Mudei de idéia por uma questão de justiça com meus colegas", justifica-se. Em sua lógica, sua recusa em retirar o auxílio prejudicaria os "candidatos populares" da periferia de Brasília, que, se eleitos, não teriam como cumprir seus mandatos a contento morando em barracos pauperizados. Lauro Campos resolveu, então, criar outra variação para o auxílio-moradia: é o "auxílio-marxista". Como ele, os senadores Hugo Napoleão (PFL-PI), Edison Lobão (PFL-MA) e Nabor Júnior (PMDB-AC) também têm residência própria na capital federal e ganham o benefício. Lauro Campos deve ficar feliz de saber que a tróica Napoleão-Lobão-Nabor presta um serviço à causa marxista... – Isso é um atentado à justiça social – diz Raimundo Bonfim, que integra a Central de Movimentos Populares e é hoje a principal liderança nacional dos sem-teto no país. Ele mora em Heliópolis, a maior favela de São Paulo. Com os 214 milhões de reais que os cofres públicos pagam a 12.500 brasileiros seria possível construir, em São Paulo, exatamente 12.500 casas populares de 42 metros quadrados, com quarto, sala, cozinha e banheiro. No Nordeste, onde o custo de construção é bem mais baixo, poderiam ser erguidas 30.000 casas. Se fossem, por um passe de mágica, ali aplicados em habitação popular, os 214 milhões de reais beneficiariam 150.000 brasileiros. Ainda assim se estaria longe de combater o déficit habitacional do país, mas mais perto de fazer justiça. No final do ano passado, uma massa de sem-teto invadiu seis propriedades em São Paulo. Os edifícios estavam vazios. Em seguida, por decisão liminar da Justiça, eles foram despejados de quatro dos seis prédios. Raimundo Bonfim, que liderou as invasões, apresenta o contraste: "Os juízes que expedem as liminares de despejo são os mesmos que recebem o benefício do auxílio-moradia". Com reportagem de Maurício Lima, de Brasília, Roberta Paduan, de São Paulo, Sóvero Filho, de Belo Horizonte, Liége Fuentes, de Curitiba, e Nahara Bauchuvitz
Posted on: Mon, 01 Jul 2013 21:55:29 +0000

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