Em "Raízes do Brasil", um dos livros fundamentais para se - TopicsExpress



          

Em "Raízes do Brasil", um dos livros fundamentais para se entender a sociedade brasileira, Sérgio Buarque de Holanda analisa, extensivamente, o famoso "homem cordial" brasileiro. Uma das deduções que podemos fazer de sua análise, é que esta "cordialidade" encobre, de fato, uma profunda aversão pelo conflito e isto, muitas vezes, mantém, associado ao personalismo de nossas relações cotidianas, uma profunda hostilidade em relação à igualdade e a submissão a regras universais, requeridas por um regime político democrático. A insistência com que nossas elites propalam o caráter cordial e pacífico de nossa sociedade, só contribuem para expurgar da vida política qualquer enfrentamento direto do "status quo", já que implicaria conflito direto e ameaça aos "donos do poder" (lembrando Raimundo Faoro) de ontem e de hoje. Não é fortuito, desta maneira, que a democracia brasileira é vista somente pela perspectiva do voto! Periodicamente, vamos as urnas, fazemos comícios animados e passeatas ruidosas, depois votamos como cordeiros mansos e pacatos. Mas democracia é mais do que isto, e as ruas hoje em dia expõem claramente aquilo que a tese da cordialidade quer expurgar do espaço público e da vida política. Democracia requer, mais ainda do que o ritual cíclico do voto, participação, e participação é ruidosa, é enfrentamento direto das elites no poder - sejam elas políticas, econômicas etc. -, é exposição direta do conflito e a negação do homem cordial. Todas as vezes em que o povo foi para as ruas na história brasileira, ainda que suas demandas fossem difusas e dispersas, as elites se sentiram encurraladas e apelaram para a nossa famosa cordialidade, ao mesmo tempo que recorriam à força ou desqualificavam sistematicamente os movimentos, procurando neutralizar os protestos ou capturá-los para a sua órbita de influência. Esta estratégia parece estar se repetindo novamente. Antes os meios de comunicação de massa, porta-vozes enrustidos do "status quo", classificaram os movimentos de vandalismo e baderna ou, então, tentaram desqualificá-los de forma irônica e debochada, à maneira de Arnaldo Jabour, guru de certos segmentos da classe média. Depois voltaram atrás e adotaram estratégia diferente. Os movimentos eram legítimos e era necessário separar os manifestantes pacíficos e bem intencionados daqueles que eram vândalos e baderneiros. A estratégia parece ter surtido efeito, já que segmentos dos movimentos parecem ter adotado a tese do "bom mocismo" que, nada mais é que o "homem cordial" revisitado. Duas consequências parecem advindas desse processo. Em primeiro lugar, concedeu-se espaço para que a repressão policial funcionasse abertamente, já que ela se apoia na tese de que está agindo somente contra os baderneiros, e não contra os "bem comportados" que marcham pelas ruas pacificamente. Em segundo lugar, produziu uma cisão no interior do movimento, dividindo-o entre "mocinhos" e bandidos". O resultado foi a quebra de solidariedade que deveria vincular todos os manifestantes e a propagação da ideia - um embuste, na verdade - de que todo aquele atacado pela polícia é, de fato, um baderneiro e, portanto, merecia ser objeto da violência praticada contra ele. Mas o fato é que a violência das forças do Estado, tem sido exercida indiscriminadamente contra os manifestantes, e a expressão maior de tudo isto, é carta do médico Giovano Iannotti - reproduzida em minha linha do tempo e no link abaixo. (algumas pessoas me garantiram que o relato é verdadeiro, portanto estou confiando em seu depoimento) Não sei se existem grupos querendo, ou não, um cadáver para a Presidente, mas sei que o relato médico expressa claramente a natureza da ação policial. Dias atrás, durante a violenta repressão policial na cidade do Rio de Janeiro, uma enfermeira deu um depoimento relatando o lançamento de bombas - não letais, é claro - contra um hospital - apesar de terem avisado várias vezes aos policiais que se tratava de um hospital. No relato do médico fica clara a total despreocupação dos policiais em socorrer as vítimas ou de fornecer-lhes tratamento humanitário. Isto contraria as versões da polícia e deixam a amostra a dificuldade do Estado brasileiro em lidar com a participação popular, quando esta extrapola os estreitos limites dos canais tradicionais, e explode nas ruas com intensidade que lhe foge totalmente do controle. Ao que parece, a polícia está reprimindo, sim, indiscriminadamente os manifestantes e, depois, escudando-se na ladainha de baderneiros e bandidos, secundados pelos Governos e pela mídia, fiel acólita. O balanço policial sempre se reduz a demonstrar suas ações em relação a estes grupos, ocultando ou suavizando as ações quando estas se referem aos "manifestantes do bem" - ou seria o famoso "efeito colateral"? Espero que relatos como deste médico, e da enfermeira no Rio de Janeiro, acordem os manifestantes do discurso do "bom mocismo". Ele nada mais é do que o velho apelo ao "homem cordial" no sentido de fomentar a acomodação e a passividade diante de nosso modelo político e de nosso ordenamento social desigual. Não estou lhes solicitando que peguem em armas contra o Estado, mas que se lembrem que o conflito é inerente à política e, negá-lo, só beneficia aqueles que são "donos do poder". Sobretudo, lembrem-se que devem ser solidários com aqueles que estão nas ruas marchando lado a lado, e que divergindo ou não de nossas perspectivas políticas, estão, assim como todos, sujeitos a arbitrariedade do poder de Estado. Daí o meu estranhamento diante de nenhum protesto contra a violência policial e as vítimas que, a cada manifestação, são tratadas de forma desumana, como demonstra o depoimento do médico. Reproduzir a lógica do "bom mocismo" nada mais é do que fazer o jogo daqueles que dizem combater! (não me venham desqualificar a carta, e nem a mim, pelo fato de ela ter sido postado em um "site" socialista)
Posted on: Mon, 24 Jun 2013 19:26:10 +0000

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