Excelente entrevista concedida por Marcelo Freixo. Vale a leitura - TopicsExpress



          

Excelente entrevista concedida por Marcelo Freixo. Vale a leitura na íntegra! Abaixo alguns trechos das sábias palavras: -Ué, cara, bandido perigoso lendo Jorge Amado? - Tá me sacaneando? Tá tirando onda com quem é macho? - Eu não, mas você falava que ler não era coisa para você. Que não se renderia aos estudos. - É que agora sou mais perigoso do que eu era antes. Larguei a arma para pegar no livro. Já fora do “momento entrevista”, com gravador desligado e canetas em posição de descanso, Marcelo Freixo, 40 anos, contou esse episódio do bandido que resolveu se tornar ainda mais perigoso para o sistema. Como começou sua militância política? Fui criado no Fonseca, bairro da zona norte de Niterói, um lugar que também tem favela. Jogava bola no time Fla-Flu, que misturava asfalto e favela, por isso esse nome. A gente jogava no campo do presídio que tem lá. O presídio não era algo tão distante. Era, pelo contrário, o lugar onde eu mais me divertia. Só que com 14 anos, é lógico, eu não tinha menor idéia do que representa o sistema penitenciário. Como uma área periférica, o bairro é marcado pela violência policial e pela violência do varejo da droga. Vi situações absurdas e tive um monte de amigos mortos.Já mais velho, depois de fazer Economia, fui fazer História. Estava no segundo período na Universidade Federal Fluminense e recebi um convite de uma socióloga para dar para dar aula de graça, dentro do presídio, maior roubada [risos]. A equipe começou a ler Paulo Freire e montamos uma Escola Popular, um projeto de educação dos mais brilhantes que já participei.Foi revolucionário, pois os presos se envolveram muito. O Edimar, que está ali na porta [apontando], foi um dos presos do projeto, e o Robson, que também trabalha aqui no mandato, também. São exemplos concretos de que projetos assim funcionam, e não a repressão. Em que ano começou o projeto? Ele funciona até hoje? Foi em 88, 89, mas não existe mais. Tivemos muita dificuldade. O diretor da prisão, no início, não deu a menor bola. Depois, os presos estavam todos mobilizados, aprendendo a reivindicar, fazendo até carta para o Ministério Público. Aí o diretor não gostou. Mas é claro, né? O resultado de uma educação popular é a organização do povo, é a conscientização. E esse grupo cresceu muito, aprendi muito com aquelas pessoas. E como você avalia o sistema prisional hoje? Qualquer sistema penitenciário reflete a sociedade que o produz. Não existe um sistema penitenciário em crise, existe uma sociedade em crise que, aí sim, produz esse sistema penitenciário. Em um país desigual como o Brasil, em que uma parcela da população sobrou, não está empregada, não é cidadã, não serve e precisa ser anulada socialmente e, por vezes, anulada fisicamente, o sistema penitenciário tem seu papel. Esse papel é o da pena de morte social.Vivemos em uma sociedade onde a relação de classes é muito perversa. Ela não apenas passa mais por um processo de exploração capital-trabalho, mas é um processo de exploração no qual mais que o desemprego, mais do que o não acesso ao trabalho, você tem a anulação do outro como pessoa. Mais do que a porta da fábrica, a porta da favela é a maior trincheira da luta de classes hoje.E quantas vezes eu já não escutei que direitos humanos são os direitos de defesa do bandido? Na verdade, o que se nega não é fato de ter direito, é o fato de ser humano. Como você não considera que ele tenha os compromissos éticos que você tem, você o anula. E aí se torna inadmissível que ele tenha um conjunto de direitos. A mídia ajuda a manter essa situação? Claro! Ela consolida valores. É instrumento fundamental para uma sociedade como a nossa, com uma ordem tão violenta e desigual. E aí é a ordem que é violenta, não é o que atinge a ordem, entende? É como fala Brecht: “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violenta às margens que o comprimem”. Essa ordem é tirânica. É só olhar para as condições de vida da população pobre.Na ditadura, a produção de inimigos tinha a ver com uma lógica política. Era aquele que pensava diferente, era a ameaça ideológica ao regime. É só pegar o texto do AI-5 e ler. Mas isso mudou e o novo inimigo público é aquele que sobrou de uma sociedade de mercado. É aquele que está desorganizado, desassistido. É identificado pela cor de pele e pelo local de moradia. Se o cara é negro e foi morto pela polícia, não precisa de investigação, né? Ele já é considerado bandido.Normalmente, para o poder judiciário permitir que a polícia entre na sua casa, tem que ter uma especificidade, é preciso ter um motivo que garanta que não existem outros caminhos, é algo muito singular. E o que tem acontecido no Rio de Janeiro? O poder judiciário emite o mandato de busca genérico, isto é, determina que a polícia pode entrar em qualquer casa de certas áreas. Que áreas? Só as favelas. É o judiciário absorvendo na sua prática o processo de criminalização da pobreza. Além de identificar quem faz parte da sociedade e quem não faz, esse processo é acompanhado por políticas públicas pensadas e efetivadas. O Caveirão é um exemplo? É sim. Como imaginar um país que diz viver um Estado Democrático de Direito, existir um carro blindado que é de policiamento ostensivo? Ele não é para casos de exceção. O Caveirão não tem lugar para botar preso, não tem a chamada “caçamba”. O Caveirão é feito para matar! É um carro com um alto-falante, usado como instrumento de pânico, de terror. É o medo vindo das mãos de quem deveria garantir a segurança ao conjunto da população. É a inversão completa do papel da polícia. Ele é utilizado para uma política de guerra.Hoje, a essência da luta de classe passa pela questão dos direitos humanos. Falam que estamos em guerra e na guerra tudo vale. Para haver guerra, é necessário um território. No território do inimigo não existe parâmetro legal. E que território é esse? É a favela. É aí que eu digo que a imprensa tem papel fundamental, porque noticia a “guerra do Rio”. E quando se absorve de forma inquestionável que estamos em guerra, você naturaliza e aceita uma série de coisas que a guerra traz, inclusive a morte. E de preferência a morte de quem não é igual a você. Esse também é o discurso do Bope. [...] Quem ganha com isso? Essa política trouxe a redução da criminalidade? Tem construído uma sociedade mais segura? Não! Além de ser uma política desumana e que serve a apenas uma classe, é ineficaz.[...]"
Posted on: Thu, 26 Sep 2013 02:47:41 +0000

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