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LIVRAMENTO RESISTE Reginaldo José da Silva Estive em Livramento, uma comunidade quilombola que fica no pequeno município de São José de Princesa, no sertão paraibano. Fui conversar com as lideranças da comunidade sobre a implantação de uma biblioteca comunitária voltada para a temática da afrodescendência, um projeto que estou tendo a honra de assessorar. Ao chegar, fiquei fascinado com a beleza do povo e da história do lugar. Passei um dia inteiro lá e uma palavra não me saiu da cabeça: “resistência”. Uma das definições do Dicionário Aurélio para a palavra “resistência” é: “Força que se opõe ao movimento”. Tudo em Livramento “fala” de resistência. A comunidade, criada por escravos foragidos das fazendas de gado da região, no final do século XVIII, resiste desde a época em que era um quilombo. Vários movimentos tentaram destruí-la. Primeiro, o movimento dos capitães do mato, que eram pagos pelos fazendeiros para capturar os escravos foragidos que para lá se dirigiam. Depois da abolição, teve que resistir ao movimento do preconceito: as comunidades que se formaram ao redor de Livramento chamavam o lugar de “cinzeiro”, pois diziam que os negros não tomavam banho e eram cinzentos por causa da sujeira. Também diziam que as mulheres da comunidade “pariam como porcas”. Hoje, Livramento resiste aos constantes ataques a sua cultura e história: mesmo sendo reconhecida oficialmente como comunidade quilombola, ainda briga para que a educação desenvolvida em sua escola seja contextualizada e para que as políticas públicas específicas para a população quilombola cheguem por lá. Há também a luta para que a agricultura familiar desenvolvida na comunidade seja fortalecida e amparada por tecnologias de convivência com o semiárido. E é esta disposição para resistir que faz com que em Livramento haja pessoas como Dona Rosa, que, a partir do que ouviu dos seus avós e pais, reúne crianças, adolescentes e jovens no seu pequeno sítio para contar as histórias dos negros que fundaram a comunidade; pessoas como Dona Chicó, que, sem nenhuma formação técnica no campo da preservação do patrimônio histórico, preserva em sua propriedade uma casa de pedra típica da época em que Livramento era um quilombo e tem orgulho de abrir a boca para dizer: “Aqui é o meu lugar. Se depender de mim, os jovens daqui serão ensinados a nunca deixar esta comunidade. Não há lugar melhor do que este para se viver”; pessoas como Paula, uma jovem líder comunitária, nascida e criada em Livramento, que, como diretora da escola da comunidade, transformou a instituição escolar num verdadeiro centro de cultura e memória, mesmo com poucos recursos e sem investimento público. Os escravos fugiam dos latifúndios e construíam quilombos para resistir à escravidão. Livramento nasceu e continua existindo como expressão dessa resistência. Agora, a comunidade não resiste mais ao sistema escravagista que existiu no Brasil entre os séculos XVI e XIX. Contudo, resiste a outros sistemas que escravizam, procurando ser uma sociedade diferente do que o nosso capitalismo pós-moderno tenta nos impor como único e inevitável.
Posted on: Fri, 27 Sep 2013 23:06:07 +0000

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