MESA DE BAR (13) – Perdoem-me se atrapalho, mas eu gostaria - TopicsExpress



          

MESA DE BAR (13) – Perdoem-me se atrapalho, mas eu gostaria de interromper essa animada conversa de vocês sobre futebol. Garanto que é por pouco tempo. – Sem problema... – Diga lá o que o incomoda, amigo. – Professor, o seguinte é esse. Eu queria que o senhor resolvesse... resolvesse não, esclarecesse uma dúvida que tenho. Eu ouço muita gente boa dizendo assim: “Concordo com você em gênero, número e grau”. Isso está correto? – Vamos por partes, como diria o Jack. Primeiramente, note que essa expressão se reveste de uma boa carga metafórica, pois que trazida para uma realidade diversa da que lhe dá origem por haver entre essas realidades uma forte identidade: a concordância plena, absoluta, irrestrita. E qual a realidade que lhe dá origem? Um fenômeno linguístico gramaticalmente denominado de “concordância nominal”. – A do adjetivo com o substantivo, certo? – Um pouco mais que isso. Na verdade, as estruturas frasais em português se formam em dois grandes blocos: o dos nomes e o dos verbos. Daí, a concordância ser nominal ou verbal. No bloco dos nomes, o núcleo é o substantivo. Com ele designamos ou nomeamos as coisas, os seres, os atos, as qualidades, os sentimentos. Em torno dele giram outras classes gramaticais, que exercem a função de determinantes. Explico: o substantivo sozinho é abrangente, é genérico. Por exemplo: a palavra “cerveja” nomeia todas as bebidas que possuírem a mesma composição desta que, aqui e agora, nos apetece tanto. Se eu quiser torná-la específica, definida, determinada, única, tenho de recorrer a outros elementos que a determinem, que reduzam o seu campo de significação. Artigos, numerais, adjetivos, pronomes adjetivos e orações adjetivas funcionam como determinantes do substantivo. E aí eu posso dizer: A cerveja gelada que agora bebo... Pronto. A loiríssima deixou de ser genérica... agora é específica. Não é mais qualquer uma; é esta. – Professor, eu concordo com você em... – Calma. Como você pode perceber na frase dada – A cerveja gelada que agora bebo... –, temos um artigo definido [a], um adjetivo [gelada] e uma oração adjetiva [que agora bebo...], e esses elementos determinam o substantivo [cerveja], delimitam o seu campo de significação. Isso está claro? – Claríssimo. – Você acaba de empregar um adjetivo no grau superlativo sintético, concordando com o pronome substantivo “isso”. Percebeu? – Sim. Só não me recordava era desse rótulo pomposo que a gramática lhe dá... – Ok. Agora, para que possamos entender mais claramente o mecanismo da concordância – nominal, no caso –, vamos lembrar dois fenômenos ocorrentes na língua portuguesa. Um: a flexão do substantivo se dá em gênero [masculino e feminino] e número [singular e plural]. O outro: o adjetivo, por sua natureza léxica, deve adaptar-se ao nome; portanto, concorda com o substantivo a que se refere em gênero [masculino e feminino] e número [singular e plural]. É muito clara a relação existente entre eles, a qual transborda para artigos, numerais e pronomes adjetivos. Para onde o substantivo vai, eles vão atrás. – E o grau? – O grau é um fenômeno que ocorre no âmbito exclusivo de cada um deles. E com efeitos distintos: no nome, de dimensão: grande/pequeno; no adjetivo, de intensidade: maior/menor. Um eventual aumentativo ou diminutivo do substantivo em nada implica na estrutura do adjetivo, e vice-versa. Observe: Que cachorrinho lindo! É um cachorro lindíssimo! Que linguicinha saborosa! E que cerveja geladíssima! As concordâncias ficam no plano do gênero e do número, percebeu? – Então, é errado dizer... – Claro está que, sob o rigor gramatical, não cabe falar-se em concordância de grau... mesmo porque ela não existe. Agora, a língua não é prisioneira da gramática e, por isso, não deve servi-la; ao contrário, por ela deve ser servida. Sob o olhar mais generoso da semântica, por exemplo, é bem mais significativo, bem mais enfático dizer-se: concordo em gênero, número e grau! Há até quem defenda uma tese – pra mim, academicista demais – segundo a qual, comete-se propositadamente esse exagero, como se se pretendesse incutir no ouvinte/leitor a ideia de que a concordância entre eles é tão expressiva e até mais que absoluta (se é que isso é possível...) que ultrapassa os limites da regra, da norma, do recomendável, do defensável. Eu prefiro olhar esse fenômeno pelo viés da variação sociolinguística, da língua em uso. Trata-se, a meu ver, de uma variante fortalecida pelo uso de maior frequência. As pessoas ouvem, recolhem como algo permitido e também usam. E a expressão vai-se cristalizando e assumindo o status de aceitável. – Vê se entendi: é o caso do pode, mas não deve... – Ora, pois. Digamos que sim. – Professor, você falou em academicista... isso tem a ver com “academia”, né? – Sim, mas a academia lugar onde se processa o conhecimento científico: pesquisa, observação, hipótese, antítese, tese... coisas do gênero. – É exatamente o que pensei. – Satisfeito? – Sim e muito obrigado. – Não há de quê. [Suspense. Leia a sequência no MESA DE BAR (14)].
Posted on: Wed, 30 Oct 2013 01:17:43 +0000

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