O manicômio tributário Em 1821, dom Pedro, recém-nomeado - TopicsExpress



          

O manicômio tributário Em 1821, dom Pedro, recém-nomeado príncipe regente, viu-se em uma enrascada. O Brasil estava quebrado. Para tentar reverter o quadro, uma de suas primeiras medidas foi abolir o imposto do sal e da navegação de cabotagem, que encareciam a produção de charque, um dos principais itens da economia de então. É, o excesso de impostos já era um entrave. Brasileiro, você sabe, paga muito imposto. Somos só o 75º país em PIB por habitante. Mas temos a 14ª carga tributária mais alta: 36,2% em relação ao PIB. Mas o buraco é mais embaixo. Se fosse uma pessoa, nossa carga tributária seria aquele namorado problemático, cheio de picuinhas e histórias mal contadas. Imposto é uma coisa tão complicada no Brasil que as empresas gastam 108 dias por ano só para preparar, registrar e pagar tributos. Estamos em 130º no ranking de burocracia do Banco Mundial (que é de trás para a frente: quanto mais embaixo na lista, mais burocrático é o país). Se sua Praga fosse aqui, Franz Kafka teria muita inspiração para escrever a respeito (a República Tcheca manda um salve do 65º lugar, aliás). A média nos países desenvolvidos é de uma semana para tratar da papelada. “Já ouvi donos de multinacionais dizerem que as equipes da área de tributação são dez vezes maiores aqui que no exterior”, diz Fernando Pimentel, diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil. “É um manicômio tributário”. As empresas gastam um terço do ano para lidar com impostos. São 88 tributos federais, estaduais e municipais, que vão da contribuição para a aposentadoria à taxa de lixo. Além disso, as regras mudam constantemente: 46 normas tributárias são editadas por dia. A cada 26 minutos, a Receita Federal cria uma nova regra. Olhe seu sapato. Se for Made in China, ele custava cerca de US$ 5 quando desembarcou no Porto de Santos. A partir daí, o preço sobe. Primeiro, é o Imposto de Importação, um tributo federal que, no sapato, é de 35%. Depois, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é recolhido pelos Estados (e, em cada um deles, há uma tarifa diferente). Os famosos PIS e Cofins também aparecem nessa operação. O Programa de Integração Social (PIS) foi criado para alimentar um fundo de pagamento de seguro-desemprego. Já a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) serve para investimentos em saúde, previdência e assistência social. No caso do sapato, eles somam 9,1%. Também há uma taxa de Cofins exclusiva para importados e, no exemplo chinês, uma sobretaxa de US$ 13,85 por par desembarcado no Brasil. É uma medida antidumping do governo. Ou seja, ela serve para evitar que o preço baixíssimo do calçado chinês prejudique a indústria calçadista brasileira – e também dá uma folga para que essa indústria não seja obrigada a baixar suas margens de lucro por causa da concorrência. Ok. Agora, se o seu sapato foi fabricado aqui, a história muda. São 12% de ICMS e mais 9,25% de PIS e Cofins. Mais outros 34% de Imposto de Renda e de Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), um imposto que também foi criado para ser revertido em saúde, previdência e assistência social. Depois são 0,04% de IOF, o Imposto Sobre Operações Financeiras. E ainda tem os gastos com os funcionários: Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que é aquela poupança que o governo faz em seu nome, caso você seja demitido sem justa causa. E a taxa do INSS, o Instituto Nacional da Seguridade Social, que um dia pagará sua minguada aposentadoria. Somados, dão 6,5%. Assim, o calçado sai da linha de produção a R$ 59, segundo a gerente de custos de uma fábrica de grande porte que preferiu não ser citada. Cansou? Pois isso é só na indústria. Sobre o varejo, incidem ICMS, PIS e Cofins, além de um outro, o ISS, sobre serviços, cobrado em cada município (varia entre 2% e 5%). Calma que piora. Se você simplesmente somar os percentuais de impostos, a conta não fecha. É que há tributos que incidem uns sobre os outros. E vão depender se a empresa paga imposto sobre o lucro presumido ou real, por exemplo. E aí os preços ficam como ficam. No ovo de Páscoa, 38,5% do valor cobrado são impostos. E, no bacalhau importado, gordurosos 43,7%. Por isso que cada vez mais gente vai às compras no exterior: um Samsung Galaxy SIII, em Miami, sai por R$ 650. Em São Paulo, o celular não sai por menos de R$ 2.048. Pelo menos em parte, dá para culpar os impostos: lá são só 7%, enquanto aqui são quase 40%. Para desatar o nó, economistas, políticos e empresários clamam pela reforma tributária. A maioria dos especialistas ouvidos pela SUPER defende que o imposto migre do consumo para o patrimônio, ou seja, que pese sobre o lucro e sobre a renda e não sobre trabalho, produção e consumo. Isso faz muita diferença. “Hoje, a maior parte do que pagamos de imposto é sobre o faturamento [tudo o que entra em caixa], não sobre o lucro”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike. Ou seja: os comerciantes têm de pagar impostos gordos mesmo quando têm prejuízo. Isso estimula bastante a livre-iniciativa – só que ao contrário. Enquanto a reforma não sai, alguns setores da economia fazem acordos pontuais. No ano passado, por exemplo, a indústria automobilística foi beneficiada pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Resultado: a venda de veículos subiu 4,6% em relação a 2011 – e o IPI virou garoto-propaganda dos comerciais de carro. Mas não. Os impostos não explicam tudo sozinhos. Nem o custo Brasil. Outro fator também entra na conta: o “lucro Brasil”. O lucro Brasil No México, o Honda City é um carro importado. Não do Japão, mas de Sumaré, no interior de São Paulo. O City sai da fábrica da Honda, na região de Campinas, embarca para o México, e é vendido lá por R$ 33.500. Aqui, o mesmo modelo, da mesma fábrica, custa R$ 53.600. O custo Brasil não explica a diferença, já que o carro é feito aqui, sob o corredor polonês de penúria que é produzir aqui. Tem os impostos. No Brasil, 36% do preço final de um carro é imposto. Significa que, despido de taxas, o City sairia por R$ 34 mil. Ok. Mas o México não é o Jardim do Éden tributário. O imposto lá equivale a 18% do preço final de um carro. Então o preço mexicano do City sem os tributos de lá seria de R$ 27.500. Ou seja: mesmo tirando os impostos da jogada, o City brasileiro ainda custa R$ 6.500 a mais que o seu irmão mexicano. Com o Gol acontece a mesma coisa. No México, ele é um carro importado do Brasil, com a diferença que o modelo básico lá é bem superior ao nosso, que é 1.0, duas portas e sem ar. Mas vamos comparar só os modelos com a “configuração mexicana” – 1.6, quatro portas, com ar. Descontando os impostos de cada lado, como fizemos com o City, o Gol brasileiro vendido no México ainda é R$ 4.500 mais barato que o nosso. Conclusão: a margem de lucro aqui é maior do que lá. E em tese deveria ser menor: o Brasil é o quarto maior mercado consumidor de carros no mundo, atrás apenas de China, EUA e Japão. É mais fácil ganhar na escala (vendendo mais a um preço menor) do que no México. Nosso mercado dá quatro vezes o deles. Mas não. Aqui é mais caro, mesmo tirando os impostos e o custo Brasil da jogada. A Associação Nacional dos Produtores de Veículos (Anfavea) se defende. Diz que não é possível falar em preços fora da realidade do mercado em um ambiente competitivo como o brasileiro, onde há mais de mil modelos à venda, entre nacionais e importados. De fato. Talvez o problema esteja mesmo na “realidade do mercado”. Nessa realidade, pagar R$ 100 mil em carro passou a ser uma despesa aceitável, mesmo que isso comprometa uma fatia gorda do salário. A verdade é que preços altos têm uma força magnética no País. Gostamos de gastar, de ostentar. É status. A ponto de lojas de preços acessíveis na Europa, como a espanhola Zara e a inglesa Topshop, virarem grife aqui. A regra no Brasil é consumir muito e poupar pouco. Segundo o instituto de pesquisas Nielsen, os brasileiros guardam 27% do que ganham – contra uma média de 39% no resto da América Latina. No ano passado, consumimos quase 10% a mais que em 2011, em especial nas concessionárias (30,3%) e nos supermercados (28,8%). Isso não é ruim na essência – no Japão, gastam pouco e poupam muito, e a economia deles está estagnada. Mas se a produção não acompanha o consumo, não tem jeito: os preços sobem. Outro problema é que nos endividamos muito. Uma pesquisa recente do Ibope diz que 41% dos brasileiros têm dívidas. Entre os alemães, por exemplo, são 10% (e isso é um recorde histórico lá). “Nunca tivemos tanto crédito e, por falta de educação financeira, o pensamento é: ‘Estão me dando dinheiro, vou gastar’”, diz o economista Samy Dana, da Fundação Getúlio Vargas. Para Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, “as pessoas não estão acostumadas a lidar com isso. Doce é bom, mas demais lambuza”. Temos uma boa desculpa, até. Não faz tanto tempo, em 1993, a inflação medida pelo governo alcançou estratosféricos 2.477%. Todo dia 5, os brasileiros corriam ao supermercado para abastecer a despensa de arroz e feijão e o freezer de carne. Porque, no dia 6, os preços já teriam sido remarcados. Como pensar em poupar em um cenário desses? O negócio era gastar, antes que o dinheiro – ou seus zeros à direita – desaparecesse. A verdade é que temos muito a aprender sobre como lidar com dinheiro. “Agora chega”, diz a economista Virene Roxo Matesco, da FGV. “A inflação foi debelada em 1994. Já temos uma geração de consumidores que não sabe o que é isso”, diz. “As pessoas não têm ideia do custo-benefício de poupar”. Pois é. Uma hora a gente aprende. Mas, se o governo e as empresas não colaborarem, investindo mais em produção e cortando tributos excessivos, não vai adiantar grande coisa. E vamos continuar enxergando os preços justos como uma atração turística do exterior. *Com reportagens de Clarissa Barreto e Cristine Kist
Posted on: Tue, 09 Jul 2013 21:50:40 +0000

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