Outras Faces Moisés de Lemos Martins Sociólogo / Professor - TopicsExpress



          

Outras Faces Moisés de Lemos Martins Sociólogo / Professor na Universidade do Minho Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) Foi já neste século que Pintomeira se abriu às correntes estéticas da Pop Art e do Design Gráfico. ‘Novas Faces’ vem no seguimento de ‘Interiores’, tema da Exposição do artista em 2009. E se então era visível a influência de David Hockney e Tom Wasselmann, agora são convocadas as obras de Andy Warhol e Roy Lichtenstein. A Pop Art e o Design Gráfico inscrevem-se no movimento contemporâneo de dessacralização da imagem, o que também quer dizer de dessacralização da arte. Obras de arte sem aura, as imagens da Pop Art e do Design Gráfico têm o seu destino associado à cultura de massas, designadamente à publicidade, à fotografia e ao cinema, e uma condição marcadamente tecnológica, tanto por serem formas tecnicamente reproduzidas como por integrarem a dinâmica da cultura digital. Filiado nestas expressões das artes visuais, uma cultura que imbrica com as artes do espectáculo, o processo de produção artística de Pintomeira compreende a labiríntica travessia do reino das imagens dos media, que saltam para a tela do pintor, tanto da página do jornal ou da revista, como da pantalha do cinema ou do ecrã do computador. E a utilização do Photoshop, um recurso da sua apurada técnica de manipulação das imagens, assim como a impressão digital da imagem sobre tela, apenas confirmam este movimento da arte, que tanto a aproxima das massas como a aproxima das máquinas. Nesta Exposição, com dez quadros exclusivamente figurativos, a linguagem do artista desvincula-se da realidade num processo de total artificialização dos retratos, que passam ao não-lugar da impessoalidade, como se fossem objectos produzidos para consumo. Num estilo neutro e documental, estes retratos figuram, com efeito, a impessoalidade, mas figuram igualmente o isolamento. Não existe neles o espaço crítico da presença de um sujeito; existe apenas o espaço paradoxal da sua desaparição. ‘Novas Faces’ figura a homogeneidade absoluta de sujeito e objecto, de tempo e espaço, num processo de retorno encantatório do mesmo (retrato). Os mesmos retratos dão-nos a ver sujeitos passivos, desnudados, na maior solidão, sujeitos de mera superfície e artifício, sem qualquer interioridade, sujeitos que se libertam de toda a significação natural para ganhar a intensidade espectral do ícone, uma intensidade vazia de sentido. São assim, aliás, os sujeitos mediáticos, as estrelas de cinema e da Pop music, por exemplo, como Warhol no-lo deu a ver nos retratos de Marilyn Monroe, Elisabeth Taylor, Marlon Brando e Elvis Presley. E são assim também os retratos de “Novas Faces”, que nos mostram sujeitos frios e inexpressivos, rebaixados a uma condição profana, sujeitos que não passam de imagens sem aura, realizações mecânicas, decalcadas tanto dos produtos mass-mediáticos como dos artigos comerciais, uns e outros produzidos em série. Os dez quadros constituem duas séries de cinco quadros cada uma. Em cada série ocorre a variação das mesmas figuras, encenadas todavia de modo diferente e pintadas com distintas cores, socorrendo-se o pintor de técnicas igualmente variadas. O pontilhismo, uma técnica impressionista que utiliza pontos coloridos justapostos a fazerem mancha, e a retícula, uma técnica que imprime, por decalque, texturas sobre papel, percorrem praticamente todos estes quadros. As cores lembram, amiúde, o néon dos anúncios luminosos, com tonalidades de amarelo, azul, vermelho, lilás, e têm cambiantes psicadélicos, com sugestões umas vezes obsessivas e alucinadas, outras vezes melancólicas, onde sobressaem harmonias contrastantes e experimentais. Esta luminosidade rarefeita e os seus efeitos psicadélicos criam em cada retrato uma atmosfera artificial. E como, entretanto, de quadro para quadro, em ambas as séries, acontece uma actualização total dos elementos que os compõem, é produzido, por outro lado, o efeito de uma duplicação da realidade, o que constitui um simulacro dentro do simulacro. Esse efeito de duplicação é reforçado em dois quadros, um em cada série, pelo facto de a mesma imagem ser desdobrada em duas. O artista coloca-as lado a lado, variando todavia as cores e sinalizando cada um dos retratos com distintos desenhos geométricos – num caso, uma linha oval, que perfaz uma circunferência irregular, e, noutro caso, uma linha que quebra num rectângulo inacabado, deixando aberto um dos lados. São obsessivos nestes quadros os pontos, as manchas, as linhas e as cordas. Os pontos que são manchas e as linhas que fazem cordas. As manchas que fazem texturas e as texturas que são pontos. O ponto que não é linha, sendo ambos manchas. Uma série de pontos a fazer as vezes de uma linha. Todos, pontos e linhas, a desenharem círculos. Não constituindo uma linha, um alinhamento de pontos insinua ali uma linha recta e acolá uma linha curva. A linha, curva ou recta, indica movimento, direcção, relação e medida. Um alinhamento de pontos pode indicar a mesma coisa, mas num movimento de descontinuidade. Como a vida, que é mais alinhamento de pontos descontínuos do que linha a indicar um fundamento seguro, um território conhecido e uma identidade estável. Com o desenho de linhas e o alinhamento de pontos, Pintomeira figura cordas físicas e tácteis. As linhas, tal como os pontos alinhados em recta, são então cordas tensas, abrigos contra o abandono, a impessoalidade e o isolamento. O artista entrançou-os num tecido a que nos liga. É este drapeado de pontos justapostos e de linhas curvas e rectas que nos permite flutuar e manter abrigados entre o contínuo e o descontínuo, como que em resposta à nossa hesitação entre ser sólido e ser fluido. Moisés de Lemos Martins Sociólogo / Professor na Universidade do Minho Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS)
Posted on: Fri, 22 Nov 2013 10:56:10 +0000

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