Palavra do Oriente Através de um convite que me foi formulado - TopicsExpress



          

Palavra do Oriente Através de um convite que me foi formulado pela Representação de Taiwan em Portugal, entre os dias 1 e 7 de Setembro, visitei aquele país, integrando um grupo de 22 pessoas, onde se encontravam, entre outros, diplomatas, especialistas em assuntos aeronáuticos regulamentares, jornalistas e eu, especialista e académico em Safety e assuntos aeronáuticos operacionais. A ideia do Governo de Taiwan subjacente à organização desta visita prende-se com a tentativa de obtenção do estatuto de Estado Observador na ICAO. Nada de relevante haveria, não fosse o caso de Taiwan não ser reconhecido como país pela República Popular da China (RPC). Na realidade, em 1971, a Resolução 2758 das Nações Unidas (depois de tremenda pressão por parte da RPC), reconheceu a RPC como representação única da China nas Nações Unidas, levando a que, gradualmente, a maioria dos países descontinuassem o reconhecimento de Taiwan como nação. No entanto, até ao presente, Taiwan tem um governo independentemente eleito pelos seus cidadãos, forças armadas próprias e uma constituição baseada em três princípios democráticos: “uma república democrática, governada pelas pessoas e para as pessoas.” Na realidade, para todos os efeitos práticos, Taiwan funciona como um país. Ironicamente, a nação com quem Taiwan tem a maior troca na sua balança comercial é a República Popular da China, o que prova que política pode ser uma coisa e negócio outra. Toda a organização da visita esteve a cargo do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, tendo decorrido de forma imaculada. Horários cumpridos, acesso a tudo o que se possa imaginar, simpatia sem igual, mas, sobretudo, o que mais me impressionou foi a educação das pessoas de Taiwan, especialmente no que toca à deferência para com as gerações mais velhas. Certamente que Taiwan continua a praticar costumes que o Ocidente parece ter já perdido, estabelecendo desta forma um contraste com aquilo que alguns Sociólogos e Filósofos afirmam ser a decadência do Ocidente. Um bom substituto para a leitura e entendimento de muitas das teorias da decadência do Ocidente será uma visita a Taiwan. A primeira reunião decorreu no Ministério dos Negócios Estrangeiros e foi liderada pelo Director Geral do Departamento das Organizações Internacionais, Dr. Kelly Hsieh. A estratégia ficou clara e baseia-se nos seguintes aspectos, que têm o peso inerente a matéria tão séria quanto Safety e Security: 1. Avançar para um céu integrado: A participação de Taiwan na ICAO ajudará o cumprimento da missão da Organização, ou seja, garantir um seguro (safe and secure) e sustentável desenvolvimento da aviação comercial internacional, permitindo um sistema integrado (universal) de navegação aérea. 2. Obter informação em tempo útil: A participação de Taiwan na ICAO permitirá ao “país” obter informação em tempo útil emanada por esta Organização, por exemplo, Standard and Recommended Practices (SARPs), estando assim no loop das razões que levam à composição e emanação da regulamentação. Desta forma, a organização, desenvolvimento e operação da Flight Information Region (FIR) de Taipei cumprirá atempadamente com os requisitos da ICAO. 3. Implementar regulamentação internacional: No seguimento do ponto anterior, os aspectos técnicos que a ICAO deseja ver implementados em todas as FIRs serão mais rápida e racionalmente coordenados e implementados na FIR de Taipei. 4. Participar nos mecanismos da ICAO: Estando a ICAO a promover o sistema GSIE – Global Safety Information Exchange, cujo objectivo é melhorar a partilha de informação de Safety, Taiwan não deverá ser excluído deste sistema. No mesmo sentido, Taiwan deve fazer parte do USOAP – Universal Safety Oversight Audit Program da ICAO, permitindo que esta região seja auditada de acordo com os standards preconizados pela ICAO. 5. Participar na cooperação global do combate ao terrorismo: Os esforços de Security serão tanto mais eficazes, quanto mais integrados forem a nível internacional. Para tal, é crucial que Taiwan tenha acesso à documentação pertinente em tempo útil, para assim poder implementar de imediato todas a medidas necessárias. 6. Partilhar a experiência de Taiwan: Taiwan poderá partilhar as suas experiências directamente com os Estados Membros da ICAO, contribuindo para o desenvolvimento global da aviação. No segundo dia, aquela que deveria ter sido uma das reuniões mais importantes do programa, na Civil Aeronautics Administration (CAA), parte integrante do Ministério dos Transportes e Comunicações, saldou-se como a única desilusão dos trabalhos, pois pouco se discutiu e, consequentemente, nada se adiantou. Já a primeira reunião da tarde deste mesmo dia, na China Airlines (a transportadora aérea oficial de Taiwan), seria um sucesso. Liderada pelo seu Sénior Vice-Presidente, Dr. Steve Yang, teve como participantes activos, para além do nosso grupo, as seguintes personalidades: Vice-Presidente Corporate Safety Office, Jia-Min Sun, Vice-Presidente de Corporate Communications, Pierre Yang e Vice-Presidente Assistente de Corporate Development, Jenny Tsao. A grande vantagem para o transporte aéreo advinda da entrada de Taiwan na ICAO ficou clara: a recepção em tempo útil da informação oriunda da ICAO permitirá uma gestão mais Segura e eficiente do transporte aéreo em toda a FIR (espaço aéreo) e Aeroportos de Taiwan. Houve ainda oportunidade para visitar o centro de treino da China Airlines, a qual foi inesquecível, tanto no plano oficial dos trabalhos, como no plano pessoal, pois o meu interesse nas organizações de transporte aéreo transcende o plano funcional, tendo o centro de treino, no que respeita à infraestrutura, exibido o plano mais académico da empresa, cujos meios evidenciaram uma enorme dedicação à excelência do treino e da aprendizagem. A segunda reunião do dia decorreu na Câmara Municipal de Taoyuan, região onde se situa o Aeroporto Internacional de Taiwan. Liderada pelo seu Presidente, Dr John Chih-Yang Wu, a reunião serviu essencialmente para nos dar a conhecer o mega projecto para o chamado Aerotrópolis de Taoyuan, o qual será o maior projecto metropolitano na história de Taiwan. Os pormenores do Aerotrópolis ficaram a cargo do Eng. Wei F. Lee: área de desenvolvimento do projecto: mais de 4500 hectares; investimento previsto: €130 biliões; revenue previsto: €59 biliões; novos postos de trabalhos previstos: 300 mil. Não pude evitar pensar que reputadas construtoras Portuguesas terão nesta iniciativa uma boa oportunidade, devendo eu, através da APPLA, levar esta informação a quem de direito, contribuindo assim para o desenvolvimento das empresas Portuguesas. O terceiro dia foi totalmente dedicado ao aspecto cultural de Taiwan. Tanto eu, como aqueles que viriam a ser os meus amigos naturalmente eleitos nesta viajem, o Japonês Nishida (chefe delegado e editor do jornal Sankei Shimbun) e o Filipino Eric Apolonio (como eu, homem dos sete ofícios: consultor especial da CAA Filipina, colunista do jornal Manila Standard Today, Engenheiro Químico e empresário), decidimos passar a manhã a trabalhar (no meu caso passei a maior parte do tempo a estudar) e almoçar juntos. O programa da tarde e da noite foi definido pelos meus dois companheiros, profundos conhecedores da “verdadeira” Taipei, tendo sido atendidos aspectos de índole cultural, incluindo a inevitável subida ao Taipei 101, mas, especialmente, a minha missão era conhecer a verdadeira Taipei, onde o seu povo se movimenta. Não vos posso, infelizmente, descrever neste pequeno artigo a experiência, mas sinto um arrepio ao pensar no que vi e vivi, as ruas e ruelas por onde andei e o célebre restaurante, escolhido pelo Nishida, que nem nome tinha, onde comi sem saber o quê e onde o Nishida, no seu melhor Mandarim (que era um pouco melhor que o meu...), perguntou se podia fumar. A empregada sorriu, fez sinal para esperar, trancou a porta do restaurante, correu as cortinas das duas janelas e fez, com a cabeça, sinal que “sim”. O Nishida, acompanhado de todos no restaurante, excepções únicas, o Eric e eu, sacou do seu cigarro e fumou com tal prazer que até a mim me apeteceu fumar – mas resisti, tendo esta sido a minha única resistência durante este tempo já pretérito, mas que comigo para sempre ficará. Quando a porta do restaurante foi de novo aberta, a navegação no interior seria forçosamente IFR, sendo extremamente difícil explicar a qualquer autoridade que por aquelas bandas passasse que se tratava apenas de um fenómeno atmosférico localizado. O quarto dia começou com uma reunião com o Dr Thomas Wang, Director Executivo do Aviation Safety Council. A apresentação percorreu vários acidentes aéreos ocorridos ao longo dos tempos em Taiwan e/ou com companhias de Taiwan. Ficamos na posse documental de que Taiwan está já ao nível estatístico de Segurança do transporte aéreo ICAO e que a entrada de Taiwan para este organismo da UN seria uma mais-valia para a Segurança Aérea Internacional. A segunda reunião foi com o Professor Doutor Joel Shon, no Departamento Internacional de Negócios da Universidade de Tecnologia de Tainan, havendo assim um suporte académico para a tentativa de levar Taiwan aos auspícios da ICAO, ou melhor, segundo se ia revelando mais adequado, levar a ICAO aos auspícios de Taiwan e de todas as regiões que por bem e para o bem querem pertencer a uma entidade que zela pela segurança e eficiência do transporte aéreo internacional. A terceira reunião do dia foi com a Direcção do Aeroporto Internacional de Taoyuan, onde, uma vez mais, ficou demonstrado as vantagens na questão ICAO, tendo ainda havido lugar a uma visita alargada ao aeroporto, o qual impressiona pela atenção ao pormenor, simpatia e profissionalismo dos funcionários, um exemplo prático a reter e do qual qualquer académico faria um case-study sobre Security, cujo título seria: Como Praticar Security em Aeronáutica Mantendo o Mais Elevado Padrão Protocolar. O acontecimento final do dia (para o restante grupo, não para mim), foi uma reunião/visita ao Serviço de Controlo de Tráfego Aéreo, Navegação Aérea e Meteorologia Aeronáutica. Uma das matérias em apreço foi a FIR de Taipei, a qual, com cerca de 180,000 milhas náuticas quadradas, controla cerca de 1.3 milhões de voos por ano, os quais transportam aproximadamente 40 milhões de passageiros. A FIR de Taipei confina com as FIRs de Fukuoka, Manila, Hong Kong e Shanghai. Semanalmente, os movimentos através da FIR são: 150 voos regulares para e da Europa; 400 para e dos Estados Unidos; 660 para e do Japão; mais de 1200 sobrevoos do estreito de Taiwan. Números impressionantes e que colocam o espaço aéreo de Taiwan como um dos mais movimentados do mundo. Faz sentido esta região (ou país, conforme a visão) pertencer à ICAO? Sendo o espaço aéreo do globo “controlado” pela ICAO de longe o mais seguro, a segurança dos utentes do espaço aéreo de Taiwan deverá falar por si só, mas a política, por vezes, tem os seus desígnios difíceis de entender. No final da visita ao ATC, um acontecimento teve lugar: a Associação de Pilotos de Taiwan foi localizada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (algo que a IFALPA não conseguiu). Ao melhor estilo de Hollywood, do lado de fora do enorme recinto do ATC, dois carros aguardavam-me: um VW cinza metalizado e um BMW preto com vidros fumados. Dois homens, extremamente bem vestidos, um de 30 e poucos anos, outro de 50 e poucos, aguardavam-me, ostentando os imprescindíveis óculos escuros de aviador. Olhar para estas duas distintas personagens encheu-me de orgulho em ser também Aviador. O autocarro da comitiva onde eu seguia ficou repentinamente submerso em silencio. Parou, a porta abriu e o delegado do Ministério dos Negócios estrangeiros de Taiwan chamou numa voz quase militar: “Captain Silviera (SIC – o meu nome ficou assim mesmo), your friends from the Pilots Association await you”. E assim, entre fotos (muitas mesmo), desci do autocarro e já uma mão estava esticada na minha direcção: “Hi Captain, my name is David Koo and I am the President of the Pilots Association of Taiwan; it is a distinct pleasure to meet you.” Respondi conforme manda o protocolo, mas já outra mão estava esticada: “Hi Captain, I am Jaito Dominguez, Boeing 747 First Officer and I will be driving you to our Association.” Entrei no BMW, quase presidencial, e deixei-me conduzir para uma reunião informal, num ambiente de quase misticismo oriental, cruzado com uma estranha energia de underground movement. Seguiu-se um jantar maravilhoso num hotel de luxo, numa pequena sala, só para os três, com cozinheiro designado apenas para nós. O conteúdo da reunião, por não estar no âmbito da visita oficial a Taiwan, não será abordado neste artigo. Apenas vos digo que fiquei a par de uma realidade muito diferente da nossa e com um convite para participar na quase génese Associativa dos Pilotos de Taiwan, que muito me honrou e sensibilizou. O último dia dos trabalhos oficiais da visita teve início com uma reunião liderada pelo Ministro Delegado dos Assuntos Internos, Dr Chu-Chia Lin. Basicamente, ficou assente e claro todo o empenho político para o sucesso da missão em curso, a qual será tratada na próxima Assembleia Geral da ICAO, que terá lugar em Montreal, entre 24 de Setembro e 4 de Outubro. Seguindo a boa tradição de Taiwan, os trabalhos oficiais terminaram com um almoço a convite do Director-Geral do Departamento Internacional e Serviços de Informação do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dividi-mo-nos por três mesas, tendo cada uma das mesas pelo menos 3 representantes do Governo de Taiwan. Na minha mesa, ficaram sentados três: o Director-Geral Adjunto para os Assuntos Europeus, Dr. Yaser Tai-hsiang Cheng, o Dr Philip Shih, Chefe de Secção para os Media, Departamento de Serviços de Informação Internacional e alguém mais cujo registo me escapou. Neste derradeiro almoço da visita, ombro a ombro comigo sentou-se um dos representantes oficiais. Após a conversa circunstancial, olhou-me directamente nos olhos e perguntou-me: “Are you a Pilot?” Respondi-lhe que sim. Ele disse-me que era capaz de reconhecer um piloto em qualquer lugar. Sorri e perguntei-lhe porquê. Os olhos do meu interlocutor atingiram um ponto de concentração quase transcendental e respondeu-me: “My best friend was a Pilot”. Retribui-lhe um olhar penetrante até à alma e ele entendeu de imediato que eu tinha registado o passado “was” e o seu nível de concentração“. Disse-me então: I come from a large family and my closest brother, my best friend, was a Pilot. He died in an accident.” Mantivemos os olhos fixos um no outro por tempo que o tempo não contou, alimentando uma conversa silenciosa que só os dois testemunhamos. A profundidade do olhar foi dando lugar a um sorriso comum e nada mais lhe perguntei, pois para este homem a minha presença como convidado no seu país, algo que nunca esquecerei, transcendia largamente o institucional: era pessoal. As nossas vidas ficaram ali, naqueles preciosos segundos, unidas para sempre. Entenderá a política internacional o profundo sentir de dois seres sentados à mesa de um restaurante em Taipei? Acredito que sim. MS
Posted on: Mon, 09 Sep 2013 05:57:22 +0000

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