Parábolas de S. Lucas (1) Parábola do Pai Misericordioso - TopicsExpress



          

Parábolas de S. Lucas (1) Parábola do Pai Misericordioso Iniciamos esta série de exclusivos de Lucas, com a parábola da misericórdia por excelência. Vulgarmente é chamada “parábola do filho pródigo”, mas deve ser chamada parábola do pai misericordioso. Vai ser o Evangelho do IV Domingo da Quaresma, no dia 18 de Março. Armindo dos Santos Vaz, ocd Professor na Universidade Católica de Lisboa JESUS CRISTO, O ROSTO MISERICORDIOSO DE DEUS-PAI Entre os humanos, misericórdia designa sentimento de compaixão ou de beneFILHO PRÓDIGO (artista dos Camarões, África, in Vie de Jésus, MAFA)volência suscitado pela miséria ou desgraça alheia. A Bíblia entende a misericórdia de Deus, não tanto a partir dos sentimentos, mas a partir da sua fidelidade à aliança. A força impulsionadora da misericórdia é o amor compassivo e afectuoso de Deus conforme à aliança que Ele por bondade estabeleceu com o seu povo. Através de Jesus, a aliança de Deus estendeu-se a toda a humanidade. A sua misericórdia voltou-se para os humanos, radicalmente incapazes de se salvarem. Assim, «Cristo (…) revela Deus “rico em misericórdia”. (...) Tornar presente o Pai como amor e misericórdia constitui na consciência do próprio Cristo ponto fundamental do exercício da sua missão messiânica. (…). Baseando-se neste modo de manifestar a presença de Deus (…), Jesus faz da misericórdia um dos principais temas da sua pregação. Como de costume, também neste ponto ensina antes de mais «em parábolas», porque elas exprimem melhor a própria essência das coisas. Basta recordar a parábola do filho pródigo. (…) Numerosas são ainda as passagens do ensinamento de Cristo que manifestam o amor e a misericórdia sob um aspecto sempre novo. (…) O evangelista que trata de modo particular estes temas do ensino de Cristo é SÃO LUCAS, cujo evangelho mereceu ser chamado o evangelho da misericórdia.» (joão paulo ii, Encíclica Dives in misericordia, 3. Daqui em diante, utilizamos a sigla: DM). A PARÁBOLA DO PAI MISERICORDIOSO Se é especialmente com parábolas que Jesus revela e ilustra a misericórdia de Deus, entre elas sobressai “a parábola da misericórdia” por excelência, em Lc 15, 11-32. Costuma-se chamar “parábola do filho pródigo”; na realidade, é a parábola do pai misericordioso para com os dois filhos. É nela que a «essência da misericórdia divina aparece de modo particularmente límpido. (...) A parábola do filho pródigo exprime de maneira simples mas profunda (…) a mais concreta expressão da obra do amor e da presença da misericórdia no mundo humano» (João Paulo II, DM, 5 e 6). Por isso, para fazer emergir Jesus como o rosto misericordioso de Deus Pai, concentramos nela a nossa reflexão. Aprofundamos os seus níveis de sentido por meio do método da lectio divina, seguindo os seus degraus clássicos. O percurso da lectio divina faz com que, ao longo das várias etapas, a Palavra trabalhe o coração do leitor, lhe dê sabedoria e vá melhorando pouco a pouco a sua vida. PARÁBOLA DO PAI MISERICORDIOSO (ou do filho pródigo) (Lucas 15,1-3. 11-31) 1Aproximavam-se dele todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. Mas os fariseus e os doutores da lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles.” Jesus propôs-lhes, então, esta parábola: […] 11«Um homem tinha dois filhos. 12O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte dos bens que me corresponde.’ E o pai repartiu os bens entre os dois. 13Poucos dias depois, o filho mais novo, juntando tudo, partiu para uma terra longínqua e por lá esbanjou tudo quanto possuía, numa vida desregrada. 14Depois de gastar tudo, houve grande fome nesse país e ele começou a passar privações. 15Então, foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra, o qual o mandou para os seus campos guardar porcos. 16Bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. 17E, caindo em si, disse: ‘Quantos jornaleiros de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! 18Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e vou dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; 19já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros.’ 20E, levantando-se, foi ter com o pai. Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos. 21O filho disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho.’ 22Mas o pai disse aos seus servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha; dai-lhe um anel para o dedo e sandálias para os pés. 23Trazei o vitelo gordo e matai-o; vamos fazer um banquete e alegrar-nos, 24porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.’ E a festa principiou. 25Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa ouviu a música e as danças. 26Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. 27Disse-lhe ele: ‘O teu irmão voltou e o teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo.’ 28Encolerizado, não queria entrar; mas o seu pai, saindo, suplicava-lhe que entrasse. 29Respondendo ao pai, disse-lhe: ‘Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos; 30e agora, ao chegar esse teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo.’ 31O pai respondeu-lhe: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado.’» (Lc 15,1-3.11-31) “LECTIO DIVINA” DA PARÁBOLA DO PAI MISERICORDIOSO A leitura divina é um exercício de leitura orante e meditação contemplativa duma passagem da Sagrada Escritura, acolhida na fé como Palavra de Deus, sob a acção do seu Espírito. Esta forma de leitura da Bíblia faz subir o leitor crente pelos sucessivos degraus do sentido desse texto: do texto para Deus e de Deus para a vida: ● o leitor começa pela lectio propriamente dita ou leitura; ● esta leva-o espontaneamente para a meditatio (meditação), ● que progride para a oratio (oração) ● ou se expande no patamar da contemplatio (contemplação); ● tudo isto tende a transformar-se em vida, na actio (acção) quotidiana. OS DEGRAUS DA “LECTIO DIVINA” Geralmente, costumam “subir-se” estes cinco degraus, como fazemos aqui: 1. a leitura procura o sentido do texto no seu contexto original, literário e religioso; 2. a meditação encontra o sentido para a minha vida, hoje; 3. a contemplação saboreia o atributo de Deus proposto pela passagem bíblica; 4. a acção traduz em actos a vontade de Deus “assim na terra como no céu”; 5. a oração responde à Palavra de Deus e pede força para viver a sua mensagem. A.V. _____________________________________________________________________________________________________ Para uma apresentação mais completa deste método de leitura da Bíblia, ver A. dos S. VAZ, A arte de ler a Bíblia: em louvor da lectio divina (Fundação ‘Ajuda à Igreja que sofre’ - Edições Carmelo; Lisboa - Paço de Arcos 2002). Neste artigo só deixamos o indispensável para a lectio divina de Lucas 15,11-32. 1. Leitura compreendida (Lectio) O primeiro degrau da lectio divina intenta perceber a mensagem que o texto queria comunicar aos leitores daquele tempo. Para isso, convém tomar consciência do género de texto usado para a comunicar. As características literárias desta narrativa apontam para uma parábola. Por estar em forma de história e recorrer a imagens e figuras concretas, o relato em forma de parábola causa impacte na imaginação e nos sentimentos do ouvinte. A sua significação deve ser buscada para lá do que ela conta literalmente. Num jogo de sobreposições, uma história significante vai fazendo emergir outra história significada: por exemplo, na parábola do semeador as diversas produções da semente sugerem os efeitos da Palavra de Deus (ver Mt 13,3-9.18-23). Típico da parábola narrativa é surpreender o leitor com uma situação fora do comum: um patrão que paga o mesmo salário por uma e por doze horas de trabalho (Mt 20,1-16), um proprietário que elogia a astúcia desonesta do seu administrador (Lc 16,1-8), um pai que acolhe em festa o filho esbanjador e debochado… E geralmente é provocante, envolvendo o ouvinte nas redes da trama narrativa (veja 2 Sm 12,1-14). Ao transportar o ouvinte para outro mundo, a alteridade divina vem ao seu encontro de modo surpreendente. Sugere superar a forma demasiado humana de ver Deus, baseada no mérito e demérito relativamente ao cumprimento da Lei. Insinua que a justiça de Deus não assenta em leis de equidade distributiva, comutativa ou reivindicativa e só tem um nome: amor e misericórdia. É isso o que revela de Deus a parábola do pai misericordioso. À procura da sua mensagem, impõe-se perguntar desde logo: porquê a narrativa põe em cena dois filhos e não um ou três? E porquê um mais novo e outro mais velho? Um primeiro nível de resposta parece simples. São dois, porque Lucas diz na introdução à parábola (vv.1-3) que «os cobradores de impostos e os pecadores se aproximavam de Jesus», enquanto «os fariseus e os escribas murmuravam» dele. Cada um dos dois filhos quer, pois, ilustrar o comportamento destes dois grupos de pessoas na sua relação mútua e com Jesus/Deus: :: O filho mais novo representa «os cobradores de impostos e os pecadores» (vv.1-2). Ou seja: a outra parte do mundo da qual os judeus observantes de então se distinguiam, eles que dividiam o mundo em dois grandes blocos: nós, os eleitos, e os outros, os pecadores. Estes são representados pelo filho mais novo, porque, tal como ele, tinham entrado mais tarde na lógica das promessas divinas e da aliança de Deus com o seu povo. :: O filho mais velho representa «os fariseus e os escribas», que se julgavam justos, porque cumpridores da Lei de Moisés e herdeiros das promessas divinas desde Abraão; por isso, consideravam que a salvação lhes era devida. Para estes doutores da Lei (pelo menos enquanto audiência) ia inteirinha a parábola, como resposta imediata à sua murmuração contra Jesus; ao mesmo tempo, acenava com a misericórdia de Deus aos pecadores, para que se arrependessem. :: A mensagem da parábola vai continuar a emergir, à medida que formos subindo para sucessivos degraus desta lectio divina. 2. Meditação (Meditatio) Neste patamar, interrogo-me: Que quer dizer a parábola para mim? Meditando-a, sou induzido a pensar que ela me diz respeito, como um peÍcone do Filho Pródigodaço da minha vida real. É um pouco da história da minha vida. E torna-se eficaz quando me deixo interpretar por ela, quando me identifico com as atitudes das personagens ou de uma delas, que podem ter muito em comum com as minhas. :: Às vezes na vida pareço-me ao filho mais novo, embora sem o corte radical que a parábola descreve. Ele fez uma aposta errada na roleta da vida e perdeu tudo. Chegado a um beco sem saída, só tinha uma alternativa ao desespero: fazer o caminho de retorno. Tomou a decisão correcta, “dando a volta” à sua situação miserável e voltando ao seio do pai. Foram a meditação e a oração que o repuseram no caminho direito: «Caindo em si, disse: “Irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: pai, pequei contra o céu e contra ti”.» A atitude lúcida de pôr-se a caminho da casa do pai corresponde à essência da boa-nova de Jesus: «Arrependei-vos e acreditai no evangelho» (Mc 1,15; Mt 3,2). Esta metanoia ou conversão é um deixar de olhar para o passado e um voltar-se para o futuro, iniciando uma vida nova. A autêntica declaração feita diante do pai é uma das mais sentidas formulações bíblicas da confissão dos pecados. Mas – note-se – o que o salvou o filho não foi a confissão; foi o amor entranhado do pai, expresso no seu abraço, nos beijos efusivos e no acolhimento afectuoso, ainda antes da confissão do filho. O filho mais novo é o tipo de pessoa que goza a vida e gosta de a sorver às mãos cheias, querendo desfrutar dela depressa, mesmo que para se satisfazer tenha de servir-se de tudo e de todos. É protótipo dos marginais, dos incrédulos, dos proscritos da sociedade, daqueles que não se permitem o luxo de amar… mas que, quando se emendam, têm grande capacidade de fazer festa, conscientes de que todos os prazeres juntos não têm sentido em comparação com a alegria que sentem na casa do pai. Este filho, não sendo imitável na dilapidação dos dons paternos, é de seguir na «determinada determinação» de não ficar encarcerado na miséria e de se acolher à misericórdia do pai. :: Outras vezes na minha vida pareço-me ao filho mais velho, descrito como fiel cumpridor das ordens do pai. O seu problema era pensar a relação com ele segundo a lógica do contrato, em vez da lógica do amor. Calculista, era incapaz de amar gratuitamente, dando importância a coisas materiais: «nunca me deste um cabrito…» Nessa concepção mesquinha da vida, quando as coisas não correm perfeitas, não se pode ser senão ressentido. E enquanto houver ressentimento não se pode ser feliz. Ele estava bloqueado pelos seus mecanismos de defesa, especialmente pelo cumprimento meticuloso dos deveres, que lhe dava orgulho e sentido de perfeição própria. Esse rigor esterilizou nele a capacidade para compreender o amor. O encerramento dentro de si próprio cegava-o para a ternura do pai e dava lugar ao rancor. Não percebia que ‘amor só com amor se paga’ (e que isso não é propriamente uma paga); nem que a sua maior recompensa era estar permanentemente na casa do pai e em comunhão com ele. E eu? Dou porque me é dado e para que me seja dado, ou dou como exteriorização de um amor interior? A figura do filho mais velho ilustra este drama de cada pessoa nas suas multiformes relações. :: O essencial da parábola é o festival da misericórdia, promovido pelo pai, pródigo de amor. De facto, a história de cada filho termina de forma idêntica, com um apelo efusivo do pai à necessidade de fazer festa, como forma subtil de perdoar sem fazer alarde de tão generoso acto. Em relação ao filho pródigo, a misericórdia do pai não humilha. Ele nem sequer menciona a absolvição: acolhe sem condições e sem censurar o desatino do filho. A decisão de fazer festa brota de sentimentos interiores: comoveu-se nas suas entranhas – «entranhadamente comovido», diz o texto. Vê-lo ao longe, correr ao seu encontro, lançar-se-lhe ao pescoço e cobri-lo de beijos é como introduzi-lo outra vez nas próprias entranhas e gerar de novo esse filho desfeito. O pai é como que tocado no seio maternal, que gera a vida; o seu amor é total e implica todas as dimensões: amor paterno, materno e de amigo. Enquanto tal, é criativo e regenerador: por isso, poderá dar de novo a vida ao filho que «estava morto». Essa regeneração acontece através da misericórdia. Perdoando, cancela objectivamente a ofensa e dá uma oportunidade completamente nova. O perdão e a alegria do pai anulam o pecador e fazem renascer o filho. Olha para o filho, não para o seu pecado. A sua atitude de amor extremo e extremoso deixa entender que é na misericórdia acolhedora que está o limite para a violência. :: À luz disto, a minha postura será deixar-me ser filho perante um pai tão generoso. 3. Contemplação (Contemplatio) Nesta etapa, subimos do texto até Deus. E a nossa atenção dirige-se para o seguinte: Qual a relação desta narrativa com Deus? Já vimos que se trata de uma parábola; ora, este género literário não deixa soar o nome de Deus uma única vez. Mas Ele pode ser contemplado por trás de cada uma das palavras e das atitudes do pai desta história, pois revela-se nelas. O comportamento do pai traduz o plano de reconciliação de Deus enquanto Pai misericordioso, realizado pelo Filho. A parábola encerra a essência do Evangelho de Jesus e do cristianismo, pois vela e desvela a imagem do verdadeiro Deus. Antes de Jesus, os profetas e os sábios tinham anunciado um Deus bondoso, criador, libertador, fiel, suma Verdade, fonte de Vida. Mas o grande feito da história da salvação é outro: «Há mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento» (v. 7). Esta é a suprema revelação de Jesus: que Deus é Amor apaixonado, mesmo por quem não o merece; é Misericórdia. A MISERICÓRDIA DE DEUS-PAI O traço distintivo da revelação de Jesus foi o inconcebível: a possibilidade de acesso à salvação por parte de toda a espécie de malfeitores, desde que O amem. A misericórdia de Deus em Jesus Cristo revelou ao mundo uma nova forma de se relacionar com Deus: já não precisa de contar com os próprios méritos, bastando-lhe confiar na bondade gratuita de Deus. Como a parábola também é uma crítica às autoridades religiosas judaicas do tempo, representadas no filho mais velho, a mensagem comunicada também soa assim: Deus alegra-se quando aquele que “estava perdido foi recuperado”; garantidamente, vai à procura e ao encontro dos perdidos. E a simples possibilidade de o seu perdão ser acolhido é motivo de festa. A.V. O modo de ser do Deus de Jesus fica ulteriormente ilustrado pelas posturas dos filhos. O mais novo estava disposto a renunciar ao nome de “filho” e a aceitar a condição de “assalariado” bem pago («trata-me como um dos teus jornaleiros»: v.19), imaginando que o pai poderia comportar-se como um patrão. O mais velho fala do pai como de um patrão a cujo serviço trabalha como escravo: «Há já tantos anos que te sirvo [douléuô = como escravo]…». Realmente, a ideia que no tempo de Jesus todos os fiéis observantes das leis judaicas tinham de Deus era a de um patrão que paga equitativamente o merecido, não a de um pai misericordioso que dá por magnanimidade. :: Com a parábola do pai misericordioso encontramo-nos perante um novo ponto de partida nas relações de Deus com o homem. 4. Em vista da acção (Actio) Como acabamos de ver, a leitura divina faz o leitor subir do texto até Deus, mas também o faz descer até à vida concreta. Por força da insistência na justiça e nos direitos das pessoas, impera hoje uma mentalidade que induz os que falam de misericórdia a sentirem-se quase envergonhados. Perante isto, os cristãos não podem deixar esvaziar de conteúdo a misericórdia, que é a fina-flor das relações sociais e o meio mais eficaz da transformação do ser humano e da sociedade. O pedido e a oferta de perdão não são sintoma de fraqueza, mas de grandeza de alma, e incarnação de uma atitude divina na sociedade humana: só o perdão é capaz de libertar do ódio e da violência, tornando a pessoa livre. Às vezes só a misericórdia consegue romper a espiral de inimizades, agressões e conflitos interpessoais, em círculo estreito ou em larga escala. Nessa linha de acção, o direito, a justiça e a misericórdia não são contraditórios mas complementares: A misericórdia autêntica é, por assim dizer, a fonte mais profunda da justiça. Em certo sentido, também é a mais perfeita incarnação da “igualdade” entre os homens e, por conseguinte, a incarnação mais perfeita da justiça. O mundo dos homens só se tornará mais humano se introduzirmos no quadro multiforme das relações interpessoais e sociais, juntamente com a justiça, o “amor misericordioso” que constitui a mensagem messiânica do Evangelho... É evidente que exigência tão generosa em perdoar não anula as exigências objectivas da justiça. A justiça bem entendida constitui, por assim dizer, a finalidade do perdão. O perdão manifesta que, além do processo de “compensação” e de “trégua”, que é a característica da justiça, é necessário o amor para que o homem se afirme como homem. Ao analisarmos a parábola do filho pródigo, dirigíamos a atenção para o facto de que aquele que perdoa e o que é perdoado se encontram num ponto essencial, que é a dignidade, o valor essencial do homem, e cuja afirmação ou reencontro é origem da maior alegria (João Paulo II, DM 14). O verdadeiro significado da misericórdia não consiste apenas no olhar… com que se encara o mal moral, físico ou material. A misericórdia manifesta-se com a sua fisionomia característica quando reavalia, promove e sabe tirar o bem de todas as formas de mal existentes no mundo e no homem (Idem, 6). A misericórdia de Deus, experimentada com anterioridade, deveria ter como consequência a misericórdia dos humanos entre si, como resposta agradecida: «não deverias tu também ter tido misericórdia do teu companheiro como eu tive misericórdia de ti?» – diz-se noutra parábola, a do servo sem misericórdia (Mt 18,23-35). :: A eficácia do amor misericordioso de Deus no ser humano redimido demonstra-se para o exterior no espírito do amor fraterno. mais um degrau, quando de faz em grupo Colação (Collatio) Se a leitura orante se faz em grupo, a meditação transforma-se em partilha de ideias e de sentimentos suscitados pelo texto. E temos mais este degrau… Aqui ficam algumas provocações para reagir em grupo. A parábola incide na postura final de cada filho face ao pai, tendo em conta que as situações de ambos se viram durante a narração: o filho mais novo parte como depravado, mas arrepende-se; o filho mais velho parte como cumpridor da vontade do pai, mas endurece o coração em relação a ele e ao irmão. :: Por qual dos irmãos tem mais simpatia? :: E com qual deles se identifica mais? :: Uma vez lançado ladeira abaixo, como o filho pródigo, haverá forças e oportunidade para travar a tempo de evitar o precipício? 5. Oração (Oratio) Uma boa forma de terminar uma sessão de leitura orante da Bíblia em grupo é com a oração, que responde ao Deus que se revela no texto. Esta que propomos, invoca-o como Pai misericordioso: Pai, “rico em misericórdia”, (Ef 2,4) permite que a escuta assídua da tua Palavra me oriente para ti e me dê o sentido de abertura à tua graça. “Pela tua grande misericórdia, gera-me de novo para uma esperança viva”. (1 Pe 1,3) Que “a lei do Espírito que dá vida em Cristo Jesus”, (Rm 8,2) me faça perceber as surpresas do teu amor misericordioso, para eu ver que a verdadeira liberdade só existe em comunhão com a tua vontade. _______________________________________________________ Para ficar a saber mais sobre as parábolas: C.H. DODD, Las parábolas del reino (Epifanía 6; Cristiandad; Madrid 1974). J. JEREMIAS, Interpretación de las parábolas (Buena noticia 12; Verbo divino; Estella, Navarra 1982). LOPES MORGADO, Quem ouvir que entenda – parábolas dum novo reino (Difusora Bíblica; Lisboa 1986). Para ficar a saber mais sobre a parábola do pai misericordioso: F. CONTRERAS MOLINA, Un padre tenía dos hijos (Lucas 15,11-32) (Verbo Divino; Estella 1999). F. RAMIS DARDER, Lucas, evangelista da ternura de Deus. Dez catequeses para descobrir o Deus da misericórdia (Gráfica de Coimbra 2004). S.A. PANIMOLLE, “«Mi alzerò e andrò da mio padre!» Il ritorno del figlio peccatore: Lc 15,11-32”, «Il ritorno» (Parola spirito e vita 22; EDB; Bologna 1990). H.J.M. NOUWEN, The Return of the Prodigal Son (Doubleday; New York 1992) [versão espanhola: El regreso del hijo pródigo. Meditaciones ante un cuadro de Rembrandt (Madrid 199610)]. J. DUPONT, “Il padre del figliol prodigo (Lc 15,11-32)”, Dio è amore (dir. S. A. PANIMOLLE) (Parola spirito e vita 10; EDB; Bologna 1984). JOÃO PAULO II, Carta encíclica Dives in misericordia (A.O.; Braga 19864). Para praticar a lectio divina: F. MANENTI, Para vivermos como filhos. 3: Lectio divina sobre os evangelhos feriais do tempo da Quaresma (Paulinas; Prior Velho 2004). G. ZEVINI – P.G. CABRA (eds.), Lectio divina per ogni giorno dell’anno. 3 (Queriniana; Brescia 1999-2002). A. dos S. VAZ, Entender a Bíblia – Viver a Palavra: com o método da lectio divina (Edições Carmelo; Marco de Canaveses 2004), onde oferecemos mais exercícios de lectio divina
Posted on: Tue, 23 Jul 2013 04:50:20 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015