Resposta de um colega médico à reportagem que está no link. O - TopicsExpress



          

Resposta de um colega médico à reportagem que está no link. O texto é longo, mas vale a pena de ser lido. Abraço a todos! --------------------------------------------------------------------------- Minha resposta ao Colunista Hélio Schwartsman ao texto "Os médicos e Darwin" publicado na Folha de São Paulo. Obs: A resposta dele está logo abaixo. www1.folha.uol.br/colunas/helioschwartsman/2013/06/1291859-os-medicos-e-darwin.shtml Boa tarde, Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente texto, e por sua visão que consegue abordar os dois lados desta discussão. Com toda a certeza, Hélio, algo, ainda que pouco, é melhor que nada. Entretanto, tem algo que gostaria de ponderar a respeito. Semana passada, durante uma aula de cirurgia do aparelho gástrico, o professor abordou esta discussão, questionando o movimento pró-revalida, que inclusive, eu ajudei a organizar em minha cidade (Maringá-PR). Segundo ele, quando recém-formado, ele trabalhou em uma UBS de uma cidade muito pequena, onde não existiam as mínimas condições de trabalho, mas que, durante este período, ele percebeu que um médico com boa vontade e um estetoscópio resolviam 90% das necessidades em saúde da população. Além disso, depois de ter se especializado como cirurgião do aparelho gástrico, enfrentou muitas situações difíceis. Inclusive, relatou um caso de uma apendicectomia (cirurgia de emergência para casos de apendicite), em um local onde não havia leitos. O centro cirúrgico estava disponível, mas não havia espaço para a internação. O paciente estava sofrendo com as dores, sentado em uma cadeira no corredor do hospital. Esse médico, em um ato de bravura, realizou a cirurgia, e após isto, o paciente passou pela recuperação do pós-cirúrgico na mesma cadeira, no mesmo corredor. Percebi que os olhos dele brilhavam ao contar isto. Realmente, Hélio, este foi um ato quase heróico do cirurgião, assumindo os riscos da falta de estrutura, uma vez que a vida do paciente corria riscos se não fosse feito nada. Ainda que a vida dele também corresse riscos após a cirurgia se não recebesse um tratamento pós-cirúrgico adequado. Mas, como o senhor falou, e tenho que concordar, algo é melhor que nada. E em situações emergenciais, algo deve ser feito. Isso vale para o paciente sem leito para a apendicetomia, isto vale para o povo sem atendimento em cidades do interior, isto vale para os 90% dos problemas que o médico com um estetoscópio consegue resolver. Há, porém, que se considerar que vivemos em um país em que o jeitinho brasileiro, a gambiarra, o provisório ditam o curso das coisas. Não há como negar a falta de atendimento às populações das regiões, que sendo remotas ou não (por exemplo em periferias de grandes centros), falta o médico. O profissional, com seus motivos, não aceita trabalhar sob tais condições de trabalho, mas também não reclama, não grita, não denuncia. A sua forma de protesto, pobre ao meu ver, é não assumir a culpa por esta situação caótica e deplorável da saúde destas cidades. De certa maneira, isto é compreensível, pois durante os 6 anos do curso de medicina, aprendemos a praticar uma medicina ideal, baseada em estudos, em evidências, presumindo que teremos ao nosso alcance meios para levar saúde à população, seja isso de maneira preventiva ou curativa. Acontece, que ao se formar, a maioria dos recém-formados começam a fazer plantões em pronto-atendimentos em locais onde faltam médicos mais experientes, e, ao depararem-se com a situação real da saúde pública, há o choque do ideal com o real. Não é necessário dizer que a maioria deles, à primeira oportunidade, evade destes locais. De certa forma, apesar de bem-intencionados, por não quererem prestar um mau atendimento à população destes locais, ao não pedir socorro, ao não denunciar, acabam lavando suas mãos sobre a situação da saúde daquela população abandonando-a ao próximo que quiser atender. Outros profissionais, até perduram, devido aos excelentes salários oferecidos, e permanecem em silêncio sobre as condições precárias de atendimento, mas, aos primeiros calotes (que são de praxe) das prefeituras, evadem sem remorsos. Com isto, queria deixar uma reflexão: este silêncio dos médicos (que muitos usam como protesto, outros, como conveniência, outros ainda, como descaso), é um dos maiores responsáveis pela falta de estrutura, mau atendimento e desigualdade na distribuição regional de médicos no país. Como eu disse, este é o país do jeitinho, da gambiarra, do provisório, onde a exceção vira regra. Ora, se ninguém reclama, quer dizer que está tudo bem. Se está tudo bem, o que nossos prefeitos precisam fazer para melhorar? Nada! Se o médico abandona o barco, é porque ele não quer trabalhar ali. Se ele se nega a trabalhar por excelentes salários, é porque ele não quer viver no interior. Se faltam médicos é por culpa dos médicos. Há uma transferência de culpas, e uma aceitação mediante o silêncio que soa como consentimento. Voltamos ao nosso quase herói professor. Minha questão para ele foi: ele relatou este caso à nossa secretaria municipal e estadual de saúde? Ele exigiu mais leitos? Ele exigiu mais investimento? Não. Ele parou no ato heróico dele, que beneficiou um, massageou seu ego, e deu uma história para contar aos alunos. Quanto aos 90% que ele conseguia atender com um estetoscópio e boa vontade, questiono: e os outros 10%? Não são responsabilidade dele? Quantos destes 10% morreram porque um estetoscópio e uma estrutura precária não foram suficientes? O que ele fez a respeito? Reclamou, pediu, denunciou? Ou atuou heroicamente em prol dos 90% e calou-se quanto aos 10%? Algo é melhor que nada. Mas este algo, quando permanece no algo, sustentado pelo silêncio, faz a situação piorar. Este silêncio quase consentido dos médicos, por tantos anos, eximiu muitas gestões de prefeituras, governos estaduais e federais do investimento necessário. Sabemos que em certos rincões, onde alguns caciques ainda mandam, o silêncio vai além do consentimento: o silêncio é questão de segurança. Ora, se um médico faz cirurgia de emergência em pacientes internados em uma cadeira no corredor, e, consegue dar conta de 90% das demandas com um estetoscópio, para quê eu preciso fazer mais? Manter a saúde de um município funcionando adequadamente gera menos votos que mantê-la ruim, e comprando ambulâncias para encaminhar os pacientes para os hospitais lotados dos grandes centros. E isso não é exagero, pois é comum vermos ambulâncias de poucos anos de uso sucateadas e paradas, e os prefeitos aparecendo em fotos nos jornais entregando ambulâncias novas, mesmo sendo mais barato e efetivo a manutenção das ambulâncias já adquiridas. Realmente, o silêncio dos médicos durante todos estes anos, acabou acobertando as medidas eleitoreiras, e muitas vezes corruptas, de nossos governantes quanto ao investimento da saúde para a população. Entretanto, com a intenção, que se pretende em caráter de urgência da contratação médica estrangeira sem a revalidação dos diplomas (para fixá-los forçadamente em determinadas cidades), feriu amargamente a classe médica, pois todos os que estão nos bastidores sabem dos por quês da falta de médicos em tais locais apesar de nunca dizerem. Neste momento, muito tardiamente, a classe médica decide denunciar o que não denunciou desde a criação do SUS em 1988, e sugerir meios para interiorizar nossos médicos, com planos de carreira e investimentos para melhores condições de trabalho como alternativas, para que não seja necessária a contratação de médicos estrangeiros. Entretanto, o silêncio de 25 anos tem recaído sobre as costas dos médicos como culpa, e sendo apontada pela frente nacional de prefeitos e ministério da saúde e apoiada pela população como uma medida corporativista, temendo por salários e empregos. Estas acusações tentam calar a voz que denuncia, ainda que com atraso histórico, o descaso das autoridades com a saúde pública, anulando as chances de negociações para a criação de condições melhores de trabalho e atendimento, que facilitaria a interiorização de nossos próprios médicos (são cerca de 17.000 formados todos os anos), e priorizando a medida emergencial de se "importar" médicos, para suprir a carência de profissionais. Não digo que a medida não será boa para a população que receberá estes profissionais. Pelo contrário: será muito boa! Será muito boa, pois será algo, e, como o senho disse, algo é melhor que nada. Mas essa medida, no país do jeitinho, servirá como um remendo, um tapa-buracos iguais aos das nossas estradas que colocam em risco a vida dos viajantes, será como meu heróico professor, que operou o paciente da cadeira. Será mais uma tentativa de suplantar a falta de investimentos, com "algo", com atos heróicos, com gambiarras, que não solucionarão o problema da saúde, mas prolongará o silêncio que funciona com habeas corpus aos que deveriam investir mais. Ainda mais que será um silêncio forçado imposto aos médicos que se submeterão a tais condições de atendimento, e não consentido como o dos nossos de tantos anos. Enquanto houver médico operando o paciente da cadeira em silêncio heróico, ou cubanos heróicos que levam saúde a despeito de todo descaso com a saúde pública, para quê haver melhorias na saúde? De remendo em remendo, chegaremos à quinta economia mundial (pelo menos no papel, que aceita analfabeto funcional como escolarizado). E que esta medida de importação de médicos, (em conjunto com as acusações do governo e da população aos médicos e com o não acordo de criação de planos de carreira e condições de trabalho propostas pela classe médica), uma punição aos médicos pelo silêncio de tantos anos. Apesar de que quem sofrerá mesmo é a população. Aliás, sofrerão um pouco menos, já que terão algo, mas não o necessário, o que é de direito. Eigi Wilton de Souza ---------------------- Eigi, Grato pelas gentis palavras e pelas interessantes considerações. Vamos ver no que dá. Abs. H
Posted on: Sun, 09 Jun 2013 03:17:52 +0000

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