Ricardo Araújo Pereira - Um país mais ou menos Só cientistas - TopicsExpress



          

Ricardo Araújo Pereira - Um país mais ou menos Só cientistas sociais muito perspicazes conseguem perceber que Portugal é uma democracia com algumas falhas, e não uma falha com alguma democracia. De acordo com o relatório da Economist Intelligence Unit, Portugal passou a ser uma democracia com falhas. É um estudo que contribui para tornar o País mais homogéneo: depois de nos terem baixado o rating económico, agora baixam-nos o rating político. É natural, e até certo ponto desejável, que um país que começa por ser lixo financeiro passe a ser também, e o mais depressa possível, lixo democrático. A qualidade do relatório e a competência dos relatores é manifesta: só cientistas sociais muito perspicazes conseguem perceber que Portugal é uma democracia com algumas falhas, e não uma falha com alguma democracia. Por outro lado, a conclusão do estudo confronta-nos com uma revelação inquietante: uma vez que Portugal passou agora a ser uma democracia com falhas, isso quer dizer que, até aqui, Portugal era uma democracia sem falhas. Claro que, a bem dizer, uma democracia sem falhas não existe, e portanto todas têm falhas. Quando se define um regime como democracia com falhas, isso significa que começa a haver demasiadas falhas para tão pouca democracia. O que levanta o problema de saber se um regime pode ser relativamente democrático, isto é, se um bocadinho de democracia é democracia. Assim como aderimos mal à ideia de que determinada pessoa possa ser apenas ligeiramente pedófila, ou estar mais ou menos morta, o conceito de democraciazinha também pode causar alguma estranheza. E, no entanto, é o que temos: soberaniazinha popular que elege um governozinho capaz de tomar decisõezinhas. As decisões propriamente ditas são tomadas por outros, que não perdem tempo a ser eleitos. Há, contudo, uma questão acerca da qual o relatório é pouco claro: nesta gradação entre democracia e autoritarismo, quando é que um regime deixa de ser uma democracia com falhas para passar a ser uma ditadura com falhas? No intervalo que separa a democracia plena da ditadura absoluta, a partir de que quantidade ou qualidade de falhas é que um regime deixa de ser uma democracia com falhas para passar a ser uma ditadura incompetente? Talvez um bom método seja o de acompanhar o percurso do regime político em questão, para lhe determinar uma trajectória: se se trata de uma ditadura que passou a ter algumas falhas, há a esperança de que esteja a caminhar para vir a ser uma democracia; se, como Portugal, era uma democracia plena e passou a ter algumas falhas... Enfim, é fazer as contas.
Posted on: Fri, 18 Oct 2013 23:44:31 +0000

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