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SOBRA DINHEIRO, FALTA TUDO Por que a maior e mais rica cidade do país não consegue resolver seus problemas básicos? Por Milly Lacombe e Giavina-Bianchi Imaginemos um dia qualquer em nossas miseráveis vidas paulistanas. Acordamos cedo, tomamos café e saímos para ganhar o troco. Quem não foi abençoado com a definitiva sorte de morar perto do trabalho terá que tourear o trânsito da cidade. De carro, de ônibus, de metrô, de moto ou de bicicleta. E é aí que você começa a ser engolido. O corajoso ciclista será espremido entre carros apressados e, assustado, talvez pule para a calçada, onde perderá o status de oprimido e passará a ter o de opressor. O pedestre, essa espécie que está no último degrau da cadeia ecológica paulistana, tem que andar olhando para os lados para se certificar que pela calçada não vem uma bicicleta ou até uma moto. Enquanto isso, no asfalto a luta é medieval: motos ziguezagueiam para ganhar espaço e tempo, carros buzinam por qualquer coisa, ônibus aceleram sem se preocupar com quem está ao lado. A queima industrial de combustível faz com que a cidade registre 4 mil mortes por ano em decorrência da poluição. Sim, você leu certo: em uma pesquisa sobre o impacto da poluição na saúde pública da capital paulista, o médico Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, concluiu que a maior causa de infartos está associada à poluição do ar e à permanência no trânsito. Se você conseguiu chegar inteiro ao trabalho, a pressão seguinte é por metas: é preciso produzir, manter a margem de lucro. Com a economia rateando e os cortes de custos ganhando o contorno de uma grande onda no horizonte, o canibalismo corporativo só aumenta. Se, para bater a meta eu precisar passar a perna no colega ao lado, fazer o quê? Na hora do almoço, nem pensar em ir para casa, ou mudar de bairro; o trânsito continua medonho. O jeito é comer qualquer merda por ali. Na volta para casa, é preciso estar atento aos assaltos – já que a violência de fato aumentou: o primeiro trimestre deste ano registrou aumento de 18% no número de homicídios dolosos em relação ao mesmo período de 2012, e depois de 11 anos seguidos de queda a partir do ano 2000. […] Para começar a entender, é preciso tocar em dois dos pilares que sustentam o problema: falta de planejamento e desigualdade. “São Paulo sempre contou com pouco planejamento”, diz Paula Miraglia, doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo e diretora executiva do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente). “Isso foi determinante para moldá-la como cidade desigual que, a despeito do crescimento e do desenvolvimento recentes, não conseguiu reverter padrões de desigualdade.” Para o psicanalista e professor de filosofia Tales Ab’Saber, a cidade não é capaz de se resolver porque, embora o dinheiro sobre, muita coisa está em falta. “A diferença está na elite que adora andar na rua e de metrô e falar da qualidade do espaço público, mas só quando está em Paris, Barcelona ou Nova York, por exemplo”, diz ele, que cita o Minhocão, nome popular do elevado Costa e Silva, um dos símbolos da São Paulo que deu errado. “Uma diferença estaria em demolir ou reinventar como parque suspenso o Minhocão, contribuição da ditadura que sacrificou a vida de três bairros excelentes aos carros.” Ab’Saber lembra que a Cidade do México, que tem 9 milhões de habitantes, começou o seu metrô ao mesmo tempo que São Paulo, onde moram 11 milhões de almas, e que a Cidade do México tem 210 quilômetros de linhas contra apenas 70 quilômetros que a capital paulista construiu no mesmo período. Para ele, esse tipo de absurdo explica o atual estado das coisas, especialmente se levarmos em conta que o PIB de São Paulo (cerca de R$ 450 bilhões) é o 360 maior do mundo, segundo análise da Fecomercio - SP – à frente de países como Portugal, por exemplo. […] Figuras públicas como Antanas Mockus e Enrique Penalosa, dois dos ex-prefeitos de Bogotá, que reverteram índices de criminalidade alarmantes, entre outros problemas tão espinhosos quanto os nossos, são unânimes em dizer que a chave do problema está na própria cidade. “Uma cidade só se faz com gente na rua. Mas as pessoas precisam se sentir seguras nas ruas, e o papel do Estado é estar presente em todos os cantos da cidade. Que não haja rincões à margem”, declarou Penalosa em entrevista recente ao jornal O Estado de São Paulo. Só que, para escapar da sensação de insegurança das ruas, a classe média paulistana tomou o caminho contrário e se escondeu em condomínios. “Quando pessoas descrevem orgulhosas a vida num condomínio fechado (“eu nem preciso sair, posso fazer tudo aqui”) elas estão renunciando à cidade. Além de uma vida opaca frente a tudo que São Paulo pode oferecer, estão anunciando que não acreditam ou não estão dispostas a participar da transformação”, diz Paula Miraglia. […] “A sociedade brasileira sempre foi desigual e acabou instituindo o privilégio como regra”, diz Miraglia. “Em São Paulo, a disparidade entre o centro e suas periferias é enorme em termos de qualidade de vida. Ainda hoje as periferias são vitimizadas pela violência e é uma ilusão achar que sem tornar a cidade menos desigual seremos capazes de ter uma cidade segura.” Em Bogotá, Penalosa entendeu a questão e construiu nas zonas mais marginais da cidade colégios, jardins, bibliotecas, programas de nutrição. “Queríamos mostrar respeito pela dignidade humana. Se o Estado não respeita a vida humana, por que os bandidos o fariam?” E, se a solução passa pela ocupação da cidade e pela mistura nas ruas, estamos andando em sentido contrário faz tempo. Leia mais em: revistatrip.uol.br/revista/223/reportagens/sobra-dinheiro-falta-tudo.html
Posted on: Tue, 13 Aug 2013 12:42:36 +0000

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