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Texto interessante para os amantes da Flor do Lácio! EU COLOCO, TU COLOCAS, ELE COLOCA... João Guilherme Linke Se é verdade que o idioma é um patrimônio importante de um povo, vale observar que a língua portuguesa do Brasil vem sendo, por razões que resta analisar, desfigurado e empobrecido de várias e estranhas maneiras. Um exemplo é o famoso gerúndio cultivado preferentemente por telefonistas, atendentes e similares. Mas não é desse que vamos ‘estar falando’, e sim de outro fenômeno igualmente curioso. São fatos bem assentados que o verbo pôr (como o inglês put, o francês mettre, o alemão legen) é vocábulo genérico, com vasta gama de aplicações, ao passo que colocar (a que correspondem em inglês place ou set, em francês placer, em alemão stellen), ainda que se possa classificar como sinônimo, tem o sentido mais restrito de ‘pôr ou dispor em certo lugar, em certa posição, em certa sequência, em certa relação’, em consonância com sua derivação latina. Não obstante, de um certo tempo para cá, parece que no país (com a cumplicidade de toda a mídia escrita falada e televisada) pôr e botar, com mais uns tantos outros verbos, foram sumária e inexplicavelmente eliminados do idioma, cedendo posto a colocar, que passou a imperar indiscriminadamente, em empregos com frequência esdrúxulos ou transformando locuções consagradas pela tradição. Assim: hoje em dia as pessoas não mais vestem a camisa: ‘colocam’; não calçam os sapatos: ‘colocam’; não ateiam ou prendem fogo: ‘colocam’; não metem a colher em conversa alheia: ‘colocam’. E mais: ‘colocam’ água no copo; ‘colocam’ a mesa para o jantar; ‘colocam’ sangue pelo nariz; ‘colocam’ a mão na consciência; ‘colocam’ fé nas promessas dos candidatos (não as ‘colocam’ em dúvida); ‘colocam’ a mão no fogo; ‘colocam’ a viola no saco; ‘colocam’ a boca no mundo; ‘colocam’ o pé na estrada; ‘colocam a mão na massa; ‘colocam’ no olho da rua; ‘colocam’ as barbas de molho; ‘colocam’ em brios; ‘colocam’ as cartas na mesa; ‘colocam’ em pratos limpos; ‘colocam’ o preto no branco; ‘colocam’ o dedo na ferida; ‘colocam’ os pingos nos is; ‘colocam’ para quebrar; ‘colocam’ os pés pelas mãos; ‘colocam’ o rabo entre aas pernas; e por aí afora. (Autores mais jovens de dramas de época deveriam ser advertidos de que essa excentricidade se instaurou em anos relativamente recentes.) Qual seria a origem do modismo? Nem eufonia, nem a lei do menor esforço, o justificam. Creem alguns que um preconceito popular inicial contra pôr e botar teria nascido da sua acepção (entre tantas outras) de deitar ou produzir ovos (‘quem bota é galinha’). No entanto, por incrível que pareça, já chegamos ao ponto em que as aves ‘colocam’ ovos (donde por consequência não será de estranhar que logo se louvem galinhas boas ‘colocadeiras’). E, nesse andar, logo poetas estarão cantando um belo ‘colocar-de-sol’; o tradicional bairro carioca será rebatizado ‘Colocafogo’; iremos à estação para o ‘coloca-fora’ de um amigo. E nos resignaremos ao fato de que o homem coloca e Deus discoloca! Lamentavelmente, o fenômeno parece irreversível.
Posted on: Thu, 05 Sep 2013 22:05:14 +0000

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