Uma carta (aberta) ao Prof. Juarez Cirino Dos Santos Escrevi a - TopicsExpress



          

Uma carta (aberta) ao Prof. Juarez Cirino Dos Santos Escrevi a presente carta por ocasião do evento em homenagem aos 70 anos de Juarez Cirino dos Santos, sem a intenção de publicá-la. Pareceu-me que o fato de ser uma mensagem pessoal, escrita mais com o coração do que com a cabeça, contraindicaria a publicidade que agora se consuma. O tempo fez-me perceber que a publicação, além de oportuna, era um dever deste jovem para com toda a geração de penalistas que não conhecem a pessoa de Juarez Cirino dos Santos: um depoimento pessoal talvez seja a mais eloquente referência sobre esse que é um dos professores de direito penal mais importantes de nosso tempo. Afinal, seus vários livros, desde as suas monografias até o seu curso de direito penal, são conhecidos de todos. Juarez Cirino dos Santos é, inegavelmente, um professor de direito penal. E vigoroso professor, como o ano de 2012 reafirmou: a participação ativa no Senado Federal por ocasião da discussão sobre o projeto de código penal, a publicação de novos artigos científicos e a tradução de trabalhos estrangeiros. Todas atividades de um verdadeiro cientista. O inegável perfil acadêmico ainda o presenteou com um livro-homenagem de mais de mil páginas, no qual contribuíram vários de seus colegas, alunos e ex-alunos, nacionais e estrangeiros. Uma honra que poucos professores receberam no Brasil. Não se pode questionar o fato bruto, cujas provas escancaram-se àqueles que pesquisarem a vida de Juarez Cirino dos Santos, de que o designativo professor vincula-se de forma irrevogável à sua pessoa. Segue a carta, levemente alterada: "Se a este jovem penalista fosse permitida a audácia de atribuir ao Prof. Juarez Cirino dos Santos três qualidades, estas seriam: a retidão do caráter, a constância da postura e a generosidade de seus atos. O Prof. Juarez Cirino dos Santos demonstrou a toda uma geração que a flexibilidade e maleabilidade nas opiniões, longe de serem qualidades, são defeitos dos mais graves. Graves para o cientista, cujas linhas entoadas seguem a direção em que sopram os ventos políticos; mas mais graves para um homem de caráter. Podem variar as opiniões concretas, as soluções e atitudes pontuais apresentadas; mas aquilo que constitui o alicerce da vida e obra de um homem, especialmente de um homem da ciência, deve permanecer inabalável. O Prof. Juarez edificou seu pensamento a partir de Karl Marx, desde a apresentação de sua trilogia criminológica (“A criminologia da repressão”, “A criminologia radical” e “Raízes do crime”), até passar por seu “Direito Penal – A nova parte geral” em 1985 e culminando com seu “Curso de Direito Penal”, agora em sua 5a edição (2012). Mas quem conhece o Prof. Juarez em pessoa sabe que a inflexibilidade e firmeza das premissas de que ele parte é perceptível também em sua vida pessoal. Nunca vi o Prof. Juarez, quando questionado ou colocado em um dilema, por mais intricado que este se revelasse, titubear: a resposta vem sempre sem hesitação, com firmeza rara e, mais do que tudo, sem receio de desagradar a quem quer que seja. Se me for tolerada mais uma dose de audácia, eu acrescentaria: por vezes, até deliberadamente para desagradar aqueles desacostumados com o embate de idéias, com a disputa de argumentos, normalmente os que se sentem inatingíveis em seus altares. Talvez nem o Prof. Juarez saiba, mas, por essas coincidências da vida, estava eu a bisbilhotar os alfarrábios e a biblioteca de meu pai, quando encontrei um exemplar de “Raízes do crime”, com dedicatória de ano que não revelarei, mas receio que eu sequer tinha nascido. Indaguei meu pai sobre o livro, e ele respondeu: “é livro de um professor e advogado que conheci em Maringá, famoso pela seriedade e combatividade”. Foi a primeira vez que soube algo mais sobre aquele que eu só conhecia pelas opiniões científicas. Naquele tempo lembro de ter me impressionado com dois artigos que o Prof. Juarez publicou na saudosa Revista de Direito Penal, intitulados “A dialética da norma de conduta” e “Defesa social e desenvolvimento”. Pois a retidão do caráter é a razão da segunda qualidade, a constância, a previsibilidade da postura. Ali onde estiver o poder em exercício arbitrário estará o Prof. Juarez a levantar a voz, a duvidar da legitimidade do poder exercido – um poder que, vez por outra, voltou-se e volta-se contra ele. Não é preciso esperar: tão logo ocorra qualquer abuso, todos sabemos, o oprimido encontrará guarida na postura de Juarez Cirino dos Santos. Quem duvidar, olhe a biografia do nosso homenageado. Quando li pela primeira vez o Projeto n. 236 de Código Penal, já antevia o óbvio: “não tardará para o Prof. Juarez se manifestar”. Dias depois, li a entrevista dura que Juarez Cirino dos Santos concedeu a um jornal de grande circulação, questionando a renovada voracidade do legislador penal. Há pouco, além de escrever artigos científicos a respeito do projeto de código penal, Juarez Cirino dos Santos ocupou a bancada de nossa Casa das Leis para criticar a imperícia e atabalhoamento de nosso legislador: na frente, na cara dele. O mesmo ocorrera em 1985, ano em que o Prof. Juarez publica seu livro sobre a reforma da parte geral que recém se empreendera, um livro que – recordo-me claramente dessas palavras do próprio Prof. Juarez – foi “escrito com raiva”. Raiva que é sentimento dos que não têm “nervos de nylon”, dos que enxergam para além da própria carreira, dos que não perdem a visceral indignação contra os abusos que se cometem contra o povo brasileiro. De fato, algo inacessível à percepção dos juristas de gabinete. Não por outra razão, o Prof. Juarez conseguiu formar no Paraná um grupo hoje já bastante extenso de penalistas e criminólogos, que, a despeito de concordarem ou discordarem de algumas opiniões científicas – discordar não é o pão de cada dia do cientista? –, são todos devedores confessos de Juarez Cirino dos Santos. Cheguei a me surpreender uma única vez com uma atitude do Prof. Juarez. Tínhamos sido democraticamente proibidos de realizar reuniões de um grupo de estudos aos sábados nas dependências da Universidade. Relatei o fato ao Prof. Juarez Cirino dos Santos e, antes que conseguisse terminar o relato, ouvi as seguintes palavras: “Alaor, está aqui a chave do meu escritório. Podem se reunir quando quiserem na sala do Instituto de Política Criminal e Criminologia”. A surpresa com essa atitude – eu mal tinha completado 20 anos –, advirto ao leitor, deveu-se exclusivamente ao fato de eu não conhecer o Prof. Juarez àquela época. Hoje, essa atitude soa-me intensamente “sua”, uma atitude de Juarez Cirino dos Santos, este homem de posturas firmes, previsivelmente firmes. Sobre a generosidade do Prof. Juarez Cirino dos Santos sinto-me em condições plenas de falar: dela fui e sou vítima contumaz. Não se trata de uma generosidade ardilosamente alardeada, mas sim de generosidade revertida em atos concretos, por vezes cingidos e confinados a uma sala trancada, tudo restrito aos presentes. Certa vez, encontrava-me em uma situação que unia perigosamente duas variáveis: a necessidade de tomar uma decisão relevante em meu plano de vida e minha impulsiva juventude. A decisão era a de mudar definitivamente para a Alemanha, de onde escrevo, agora, 3 anos depois, esta carta. Aconselhei-me com três pessoas; uma delas era o Prof. Juarez, que me recebeu – ele talvez já não se recordará, mas eu seria um ingrato em me esquecer – com serenidade e relativa surpresa. Desde então, e depois com meus primeiros trabalhos, recebo do Prof. Juarez um grande apoio pessoal, que vai desde as indicações técnicas até o plano afetivo. O Prof. Juarez é, por assim dizer, um dos meus “leitores imaginários”: sempre que escrevo algo, logo penso: “o que me diria o Prof. Juarez?”. Há pouco, no entanto, por ocasião da discussão do mal-aventurado Projeto n. 236/12 de Código Penal, recebi uma longa ligação telefônica do Prof. Juarez, na qual ele se dispôs a discutir ponto por ponto um artigo que eu acabara de escrever. Eu, que ficaria feliz em ter dois ou três leitores, e que já me servia da figura motivacional e consoladora do “leitor imaginário”, tinha como interlocutor real, de repente, Juarez Cirino dos Santos. Meu “leitor imaginário”, senhoras e senhores, tornou-se meu amigo real. Não pretendo, com este breve depoimento pessoal, suprir minha forçada ausência física neste evento em homenagem ao Prof. Juarez. Gostaria mesmo é de me desculpar. Pretendo apenas que o homem que me ensinou que coragem e generosidade revelam-se não por palavras soltas, mas por gestos e atos concretos, receba esta carta como corpus delicti de minha admiração e gratidão. Louros, títulos e cargos passam a ser secundários, e a aposentadoria compulsória é contingência, mera formalidade. Quem sempre foi professor nunca deixará de sê-lo; quem sempre gritou por tanta gente, nunca estará sozinho. Felizmente, não se revoga a história de um homem com uma assinatura em papel timbrado. Desejo força e vida longa a esse professor que, não tendo nunca sido meu professor formalmente, sempre o foi – sorte a minha. Obrigado, Prof. Juarez Cirino dos Santos. Alaor Leite Munique, Alemanha, 20 de novembro de 2012."
Posted on: Fri, 05 Jul 2013 13:34:11 +0000

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