crônica de domingo Vida e vento Madô Martins - TopicsExpress



          

crônica de domingo Vida e vento Madô Martins E-mail: [email protected] “Céu pedrento/ ou chuva/ ou vento”. Numa dessas manhãs de forte calor, as nuvens pareciam um bando de carneiros pastando no azul. Então, ouvi de alguém e, horas mais tarde, da mãe desse alguém, este dito popular, escutado por ambos do avô e do pai, respectivamente. Os meus não falavam assim. Havia outras previsões meteorológicas infalíveis na família, mas nunca soubera desta, igualmente precisa: o rebanho permaneceu no céu até a noite e, no dia seguinte, o vento foi tanto que causou estragos pela Cidade. Meu avô materno era perito em anunciar tempestades. Um dos tios paternos sabia que ia chover porque a barba coçava. Há os que dizem que o canto dos bem-te-vis é prenúncio de mau tempo. E antigas fraturas servem como barômetro para quem, mesmo curado, sempre sente dor nas juntas, se aumenta a umidade do ar. Aprendi a me tranquilizar diante de raios e trovões, contando os segundos que separam o clarão do estrondo e, assim, medindo a distância entre a ameaça e o perigo. Se a sequência for quase imediata, melhor buscar abrigo. Da área de serviço, pude ver crescer a tempestade de areia que o vendaval carregava não só da praia, mas também das inúmeras construções em andamento pelas redondezas. Uma visão ameaçadora, que avançava rapidamente em direção ao prédio, fazendo dobrarem-se as árvores que encontrava pelo caminho. Fiquei imaginando que, a qualquer momento, aquele faraó malévolo do filme A múmia surgiria por cima dos edifícios, aterrorizando a população com sua bocarra devoradora. Por via das dúvidas, mantive a casa fechada, até voltar a calma lá fora. Talvez tenha sido mais um exagero de imaginação de minha parte, mas algum outro monstro invisível deixou marcas de sua passagem, durante as violentas rajadas. Na Ana Costa, um novo tótem desabou, desta vez sobre carros estacionados por perto... Quando passei por lá, o guincho recolhia as carcaças retorcidas e o imenso marco jazia estendido no chão. No meio do congestionamento, um rapaz de moto quase se acidenta, quando uma lufada o empurrou na direção dos automóveis. Enquanto o táxi avançava pela avenida, comentei o ditado recém-descoberto com o motorista. Ele o conhecia desde a infância, na voz da avó espanhola. E acrescentou que, no passado, aprendera muito sobre as oscilações do tempo no convívio com pescadores que, observando o mar, prediziam o quanto as condições eram favoráveis à navegação e à pesca. Comecei a matutar sobre outros sopros, esses que fazem nossa vida virar de pernas para o ar e nos enlevam ou nos derrubam sem consulta prévia. Na véspera daquele dia de vento intenso, grandes mudanças já se anunciavam na família Martins: o filho ficou noivo, e a felicidade do casal me comove até agora. A partir das alianças, vem aí uma nova etapa na existência de todos nós, inédita, instigante. Mas, assim como um mesmo vento pode tanto espalhar sementes quanto arrasar telhados, naquele táxi havia tristeza. Voltava do velório de uma parente ainda jovem, vítima de acidente de trânsito. A dor de sua mãe contrastando com minha alegria materna, ambas acontecidas em questão de horas, sem qualquer interferência de nossa parte. Fatalidade e bonança às voltas com o mesmo espanto. Lições, que vamos aprender até o último dia. Assim como os ditados, que acompanham acontecimentos de todo tipo. Para a mãe sofrida, haverá frases consoladoras como “não há mal que sempre dure”, “o tempo cura todas as feridas”. Para as mães afortunadas, “quem espera sempre alcança”, “felicidade é uma arma poderosa”. E para os que agridem a natureza, fato que já virou rotina por aqui em variados níveis, talvez a mais clássica: “quem semeia vento colhe tempestade”...
Posted on: Tue, 24 Sep 2013 00:58:30 +0000

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