À nossa queda, um brinde! Ele era apenas um pai. Jovem, talvez - TopicsExpress



          

À nossa queda, um brinde! Ele era apenas um pai. Jovem, talvez tanto quanto eu. Em idade e, engulo a modéstia, aparência. Desfilava com suas duas filhas gêmeas e a esposa, também jovem. -Por que trocaram suas juventudes por duas crianças?- Perguntaria. -Somos culpados, mas foi acidental- Responderiam-me, talvez em uníssono. É que não consigo acreditar que um jovem casal tenha trocado a liberdade que há na juventude por duas crianças que lhe sugarão até a última gota de tudo o que tiverem durante o resto de suas vidas. Não estou dizendo que todos os filhos sejam malditos parasitas. Generalizar é uma forma burra de se expor. Então digo: alguns são malditos, outros, parasitas. A felicidade que há no ato de ser um pai ou mãe faz parte do nosso desejo, sobretudo quando nos sentimos inúteis. Não é então a reprodução a única maneira de contribuir com esse mundo que não seria mundo sem nós, mundanos? A humanidade é quem criou todas as desnecessariedades existentes e, uma vez criadas por nossos antecessores, nos vimos completamente dependentes de suas loucuras: nada mais louco que acreditar no valor do dinheiro e de tudo aquilo que dele depende, por exemplo. Desejo ser pai, mas meu desejo é da espécie obrigatória. É o que equivale ao desejo do casamento, um lance puramente social. Homem que é homem, até onde aprendi, tem filhos. Desejo ser pai, porque desejo ser homem e reconhecido como tal. Homem. Que maravilha e orgulho ser homem! Homem, feito aquele. Jovem, é verdade, mas ainda assim homem. E devoto! Devotava aquelas duas criaturas minúsculas de passos incertos. O cara, a julgar pela boca em giz, parecia feliz. Fotografava as duas criaturas que exploravam a praça, embevecidas pela liberdade de irem de um lado a outro, cambaleantes. Uma trajava um vestidinho azul e a outra rosa. Como se entendessem da psicologia das cores que diferenciam o macho da fêmea, cada uma se fazia como tal. A de rosa, de passos contidos e desequilibrada, limitava-se a cair e levantar, cair e levantar. A de azul, apesar das quedas causadas pela pressa e ousadia de investir a liberdade numa corrida, mantinha-se firme. Caía, erguia-se, ia mais longe que a outra tão dependente de seu pai que a punha toda vez que caia. A de azul se aproximou de nós, que observávamos da concha o espetáculo de duas vidas que se iniciavam ali à custa de outras. Os olhos da pequena toparam com os meus e o seu riso quase sem dentes e puríssimo fez com que eu sentisse uma espécie de constrangimento. Parecia justo, visto de longe, que a infelicidade, por mais que futura, fosse a moeda para a felicidade alheia. As gêmeas, naquele momento, eram felizes. E livres. E também corajosas. A cada queda, erguiam-se (uma independente, a outra não) e persistiam, caindo outra vez, e mais outra, e mais outra, mas nunca entregando-se ao medo do risco. Cair é inevitável. Todos nós vamos cair e sempre será assim. Elas pareciam dizer: nunca cair será uma vergonha, apenas permanecer no chão colado ao medo de levantar e tentar outra vez. Por mais que soe Paulocoelhanismo a parte, foi exatamente o que elas pareciam dizer. E eu lá, observando a inocente felicidade alheia, bêbado, permaneci sentado. Caí uma, caí duas, caí tantas vezes quase não me lembro mais. Só sei que elas, pelo que vi, caíram mais do que eu naquela noite. E mesmo assim sorriam. Por isso eu sorri também. Então pensei: não, elas não são parasitas nem malditas.
Posted on: Thu, 15 Aug 2013 05:33:36 +0000

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