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183 Livros 183 Cláudia Castelo, Passagens para África. O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole, Porto, Edições Afrontamen- to, 2007, 405 páginas. A historiografia sobre a recente empreitada colonial portuguesa em terras africanas está a passar por uma mudança assombrosa. Podemos dizer, sem medo, que nos dias do fim da presença portuguesa nos grandes territórios de Angola e Moçambique o debate historiográfico era, em grande medida, alimentado por uma evidente polarização ideológica: de um lado, os que se alinhavam com o regime instituído pelo Estado Novo português, que resistia às transformações em curso no continente africano e insistia na realidade desterritorializada e multirracial da nação portuguesa; do outro, os que há muito se opunham à ditadura fascista e colonialista existente em Portugal e nas suas colónias e que, fortalecidos a partir do início dos anos 60 pela eclosão dos movimentos de libertação nacional, procuravam denunciar a falácia de um colonialismo de cinco séculos ou a suposta continuidade espiritual existente entre a metrópole e os territórios ultramarinos. Se é verdade que encontramos ecos deste debate na cena pública portu- guesa contemporânea ao lado de revivalismos de um luso-tropicalismo tardio e mesmo um certo mal-estar em diversos círculos portugueses, distintas correntes historiográficas vêm-se debruçando sobre as transformações que tiveram lugar nos territórios africanos de língua oficial portuguesa e, num diálogo dinâmico com a produção africanista, acompanhamos a produção de trabalhos de qualidade excepcional, preenchendo imensos vazios e formulando novas questões sobre uma história em grande medida ainda por ser escrita. O trabalho de Cláudia Castelo pertence, sem sombra de dúvida, ao que há de mais vigoroso em Portugal. Em publicação anterior, que teve origem na sua dissertação de mestrado, O Modo Português de Estar no Mundo. O Luso-Tropicalismo e a Ideologia Colonial Portuguesa (1933-1961) 1 , Cas- telo enfrentou o labirinto mítico que cercava o colonialismo português, a sua áurea de mistério e a incorporação do luso-tropicalismo freyriano com o propósito de perpetuar a presença lusitana em terras africanas. A historiadora desenvolveu então uma história crítica das ideias, revelando as distintas leituras, por vezes antagónicas, de que a obra de Freyre fora objecto em Portugal antes da sua transformação definitiva em ideologia oficial do regime. À leitura detida da obra de Freyre sucedeu outra, não menos detida, das múltiplas leituras a que Freyre foi submetido até a assunção do luso- -tropicalismo por parte da intelligentsia política colonialista portuguesa. Con- solidado como ideologia de Estado, e longe de um debate público democrático, 1 Porto, Afrontamento, 1999. 184 Análise Social o luso-tropicalismo acabaria por afectar a vida dos portugueses e de todos aqueles que se encontravam em territórios sob a administração colonial de Portugal. De ideologia, transforma-se numa verdadeira visão do mundo, a informar jovens obrigados ao alistamento militar e a uma guerra em terras longínquas e mesmo aqueles que procuravam nas colónias aquilo que lhes era negado em Portugal. E é sobre o povoamento com naturais da metrópole nas grandes colónias de Angola e Moçambique o novo trabalho de Cláudia Castelo. LONGE DO BRASIL, NA ÁFRICA COLONIAL Em Passagens para África. O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole encontramo-nos com o mesmo vigor crítico do seu trabalho anterior — agora num trabalho de maior fôlego e ambição. Cláudia Castelo tem como propósito descrever os distintos fluxos de colonos metropolitanos rumo a Angola e Moçambique ao longo de boa parte do século XX . Se é verdade que a presença portuguesa nestes territórios sempre foi relativamente pequena (no final do século XIX e início do século XX era realmente diminuta), não é menos verdade que ela foi crescente e que não apenas houve pretensões de transformá-la em verdadeiras colónias de povoa- mento, como de facto o fluxo metropolitano foi contínuo, crescente e de- cisivo entre os anos 20 e o início dos anos 70. Parte da historiografia existente estava por de mais preocupada em denunciar as falácias do luso- -tropicalismo, insistindo mesmo, como fez Gerald Bender, na quase inexis- tência de colonos até um período extremamente tardio. Ora, o carácter anacrónico assumido muitas vezes pelo colonialismo português em África, a existência de colónias penais até à entrada do século XX , não deve deter a pesquisa, e Claúdia revela-nos o crescente, embora desigual ao longo do tempo, estabelecimento de naturais da metrópole nos grandes territórios africanos. E, como faz a autora de entrada, deve-se comparar o assentamen- to de colonos em Angola e Moçambique com outras experiências europeias no continente africano, em particular na Argélia, no Quénia, na Rodésia do Sul e mesmo na África do Sul, distanciando assim, definitivamente, a expe- riência lusitana nos grandes territórios africanos da ocorrida no Brasil. O Brasil aqui não entra como comparação, nem poderia. O país sul- -americano surge antes como uma espécie de problema — para aqueles que, desde o início do século XX , queriam redireccionar os fluxos migratórios portugueses — ou como uma solução — para os que percebiam o carácter dependente do Estado português com relação às divisas geradas pela emigra- ção. Não se trata de um parâmetro comparativo para a experiência dos colonos em África, como gostariam os entusiastas do luso-tropicalismo! Em Angola e Moçambique, mesmo nos anos de relativa hegemonia do pensamen- to luso-tropical em Portugal (a partir de meados dos anos 50), a experiência
Posted on: Mon, 23 Sep 2013 23:14:15 +0000

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