6º argumento: Deus não criou sem motivo; mas é impossível - TopicsExpress



          

6º argumento: Deus não criou sem motivo; mas é impossível encontrar um único motivo que o levasse a criar De qualquer forma que se pretende examiná-la, a criação é inexplicável, enigmática, falha de sentido. Há uma coisa que salta à vista de todos: se Deus criou, como vós dizeis, não pôde ter realizado este ato grandioso — cujas consequências deviam ser, fatalmente, proporcionais ao próprio ato, e por conseguinte incalculáveis — sem que fossem determinado por uma razão de primeiro ordem. Pois muito bem. Qual foi esta razão? Porque motivo tomou Deus a resolução de criar? Que móbil o impulsionaria a isto? Que desejo germinaria em seu cérebro? Qual seria o seu intuito? Que ideia o perseguiria? Que fim perseguiria ele? Multiplicais, nesta ordem de ideias, as perguntas; gravito, conforme quiserdes, em torno deste problema; examinai-o em todos os seus aspectos e em todos os sentidos, e eu desafio seja quem for a que o resolve em outro sentido que não seja o das incoerências. Por exemplo: Eis uma criança educada na religião cristã. O seu catecismo afirmou-lhe, e os seus mestres confirmam, que foi Deus que a criou e a colocou no mundo. Suponhamos que a criança faz a si própria a pergunta: porque é que Deus me criou e me lançou no mundo?, e que quer obter uma resposta judiciosa, racional. Nunca obterá. Suponhamos ainda que a criança, confiando na experiência e no saber de seus educadores, persuadida do caráter sagrado de que eles — padres ou pastores — estão revestidos, possuindo luzes especiais e graças particulares; convencido de que, pela sua santidade, estão mais próximos de Deus e, portanto, melhores iniciados que elas nas verdades reveladas; suponhamos que esta criança tem a curiosidade de perguntar aos seus mestres por que e para que Deus a criou e a pôs no mundo, e eu afirmo que os mestres são incapazes de contestar a essa simples interrogação com uma resposta plausível, sensata. Não lhe poderão dar, porque, em verdade, ela não existe. Mas, rodeemos bem a questão e aprofundemos o problema. Com o pensamento, examinaremos Deus antes da criação. Tomemo-lo mesmo no seu sentido absoluto. Está completamente só; bastando-se a si próprio. E perfeitamente sábio, perfeitamente feliz, perfeitamente poderoso. Ninguém lhe pode acrescentar sabedoria, ninguém lhe pode aumentar a felicidade, ninguém lhe pode fortificar o poderio. Este Deus não experimenta nenhum desejo, visto que a sua felicidade é infinita. Não pode perseguir nenhum fim, visto que nada falta à sua perfeição. Não pode ter nenhum intuito, visto que nada falta ao seu poder. Não pode determinar-se a fazer seja o que for, visto que não tem nenhuma necessidade. Eia! Filósofos profundos, pensadores sutis, teólogos prestigiosos, respondei a esta criança que vos interroga e dizei-lhe por que é que Deus a criou e lançou no mundo! Eu estou tranquilo. Vós não lhe podeis responder, a não ser que lhe digais: “Os mistérios de Deus são impenetráveis”! — e aceitais esta resposta como suficiente. E fareis bem, abstendo-vos de lhes dar outra resposta, porque esta outra resposta — previno-vos caritativamente — cava a ruína de vosso sistema e o derribamento de vosso Deus. A conclusão impõe-se, lógica, impiedosa: Deus, se criou, criou sem motivos, sem saber por que, sem ideal. Sabeis onde nos conduzem as consequências de tal conclusão? Vamos vê-las. O que diferencia os atos de um homem dotado de razão dos atos de um louco, o que determina que um seja responsável e o outro irresponsável, é que um homem dotado de razão sabe sempre — ou pode chegar o sabê-lo — quando procede, quais são os móbiles que o impulsionam, quais são os motivos que o levam a praticar aquilo que pensava. Quando se trata de uma ação importante, cujas consequências podem hipotecar gravemente as suas responsabilidades, é preciso que o homem entre na posse de sua razão, se concentre, se entregue a um sério exame de consciência, persistente e imparcial, exame que, pelas suas recordações, reconstitua o quadro dos acontecimentos de que ele foi agente. Em resumo, é preciso que ele procure reviver as horas passadas para que possa discernir quais foram as causas e o mecanismo dos movimentos que o determinaram a obrar. Frequentemente, não pode vangloriar-se das causas que o impulsionaram, e que, amiúde, o levam a corar de vergonha. Mas, quaisquer que sejam os motivos, nobres ou vis, generosos ou grosseiros, ele chega sempre o descobri-los. Um louco, pelo contrário, precede sem saber por que; e, uma vez realizado o ato, por grandes que sejam as responsabilidades que dele possam deriva-se, interrogai-o, encerrai-o, se quiserdes, numa prisão, e apertai-o com perguntas: o pobre demente não vos balbuciará senão coisas vagas, verdadeiras incoerências. Portanto, o que diferencia os atos de um homem sensato de um homem insensato, é que os atos dos primeiros podem explicar-se, tem uma razão de ser, distinguem-se neles a causa e o efeito, a origem e o fim, enquanto que os atos do segundo não se podem explicar, porque um louco é incapaz de discernir a causa e o que o levam a realizá-los. Pois bem! Se Deus criou sem motivo, sem fim, procedeu como um louco. E, neste caso, a criação aparece-nos como um ato de demência.
Posted on: Tue, 09 Jul 2013 01:04:14 +0000

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