A Expedição da Nova Era (Paulo Roberto Azevedo Varejão) Cada - TopicsExpress



          

A Expedição da Nova Era (Paulo Roberto Azevedo Varejão) Cada um de nós podemos pensar a “Expedição Manuelzão desce o Rio das Velhas” sob mais de uma perspectiva . Existe o enfoque formal, ou “politicamente correto”, que explica a referida expedição como parte de um movimento pela revitalização do Rio das Velhas e pelo retorno dos peixes à sua bacia hidrográfica. Paralelamente, pode-se também perceber, ou privilegiar, a dimensão lúdica do trabalho, ou seja, vivenciar a expedição como festa. Estas duas perspectivas iniciais não se encontram em uma relação mútua, mas antes complementam-se entre si. Existe o trabalho e existe a festa da navegação, um e outro potencializando-se e contribuindo para o sucesso do projeto. No entanto, temos a convicção de que se a expedição encontrou eco e a acolhida formidáveis por parte da população ribeirinha, isso se explica essencialmente por um terceiro viés de abordagem que incorpora e transcende os outros dois: a flotilha do Velhas tocou, em suma, no inconsciente coletivo dos povos da Bacia. De fato, há que se sublinhar que o Rio das Velhas ocupa, na História brasileira, um lugar exponencial. Foi por ele que se iniciou o processo de interiorização do Brasil; foi seguindo seu curso que o nosso Brasil; foi seguindo seu curso que o nosso país começou a abandonar o seu perfil antes exclusivamente litorâneo, voltado para o pau -brasil e a cana-de-açucar, e ganhou pela ação dos bandeirantes o território das Minas. Inversamente, deve-se ressaltar também o caráter povoador dos currais de gado que, acompanhando desde o nordeste o curso do São Francisco, adentraram o Rio das Velhas a partir de sua foz. As correrias bandeirantes, preando índios e procurando os metais e pedras preciosas, lograram constituir, em curto espaço de tempo, os fundamentos iniciais da primeira civilização de base urbana no Brasil. Esse esforço titânico explica-se, em larga medida pelas sugestões de maravilhas prometidas por um amplo leque de mitos de conquista lastreados nos motivos edênicos presentes na epopéia da conquista e colonização da América Portuguesa. O português e o mameluco brasileiro dos séculos XVI e XVII, contemporâneos assim das primeiras bandeiras que devassaram o interior, eram herdeiros de uma visão de mundo que estava ancorada ainda na Idade Média, e imersa naquela carga de religiosidade que tão bem caracteriza aquela época histórica. As Escrituras Sagradas eram apreendidas na dimensão literal de seu texto, por exemplo. No tocante ao que nos interessa mais de imediato, registre-se aqui que o português da época dos descobrimentos acreditava piamente na materialidade do Paraíso Terrestre, aquele mesmo descrito no Livro do Gênesis e a respeito do qual, em algum momento, firmou-se a convicção de que se encontrava oculto no interior do Novo Mundo. Os primeiros cronistas do Brasil colônia e a cartografia lusitana do século XVI forjaram uma dimensão geograficamente fantástica do que viria a ser o espaço físico brasileiro, baseados nas sugestões que uma interpretação literal dos textos bíblicos lhes fornecia quando confrontados com a observação da sua remota colônia americana. Com efeito, lê-se no Gênesis que do Paraíso Terrestre nascem quatro rios de uma fonte central, os quais se chamam Gion, Fison, Heidekel e Eufrates. Os teólogos medievais consumiram muito tempo em tentar identificar quais seriam esses rios em nosso mundo mortal. O Eufrates não constituiu obviamente motivo de polêmica; o Heidekel foi assimilado ao Tigre e o Fison ao Ganges, restando como enigma maior o Gion. Este rio tenderia a ser sucessivamente apontado como o Nilo, ou o Senegal, até que se fixasse a sua aproximação com o brasileiríssimo São Francisco. Ora, o Gion possuía uma peculiaridade significativa: dos quatros rios bíblicos era o único que, ao abandonar o Paraíso Terrestre e adentre o nosso mundo, mergulhava por um longo trecho debaixo da terra até reaparecer aos nossos olhos. A assimilação que no Brasil quinhentista se fazia entre o São Francisco e o Gion era tão espantosa que os mapas portugueses da época efetivamente mostravam, numa certa altura, o curso do Velho Chico interrompido, como se o rio concretamente sumisse naquele intervalo,e neste escrivam candidamente “Sumidouro”. Um insólito corolário se inferia, então, daquela delirante postulação de cronistas e cartógrafos lusos: se o São Francisco é de fato o Gion, então as suas nascentes se encontram no Paraíso Terrestre. Transpondo a geografia edênica da época para a geografia atual, chegaríamos à elementar conclusão que o Éden perdido se localizava, para os homens daquele tempo, em algum lugar ignoto das brenhas mineiras. Praticamente a totalidade das entradas e bandeiras, organizadas ainda no alvorecer da colonização do Brasil, dirigiram-se meio consciente, meio intuitivamente, para regiões do interior que jaziam ao longo do mesmo paralelo onde se situa a confluência do São Francisco como o Velhas. No entorno daquela área, poderia se encontrada a fonte de onde manavam os principais rios brasileiros, fonte esta na época identificada a uma mirifica lagoa dourada, a Vupabuçu. As áureas promessas de metais preciosos se fundiam, como veremos, aos mitos edênicos da nossa colonização. Da mesma lavra é a temática que, esgalhada do mito da conquista castelhano do El Dorado, viria a se confundir no Brasil dos Seiscentos com a insistente crença na existência do fabuloso Serro Sabarabuçu, em demanda do qual se finou o bandeirante Fernão Dias Paes na beira do Rio das Velhas, em um recanto significativamente conhecido pelo nome de Quinta do Sumidouro. Note-se então, o quanto que a taponímia da área mineradora encontra-se, ainda hoje, saturada de expressões como “lagoas douradas” e “sumidouros”. Este amaranhado de nomes, mitos e sugestões edênicas que permeiam todo o entorno da Bacia do Rio das Velhas acabaria fixando poderosamente, no inconsciente coletivo brasileiro, a profunda convicção de que naquele espaço geográfico a Nação encontrariam, de uma maneira ou de outra, o seu Destino Manifesto. Uma pouco conhecida conspiração nativista da primeira metade do século XVIII contribuiu de forma eficaz para o enraizamento de tal crença. Em 1741, foi preso o português Pedro de Rates Hanequim, que foi contemporâneo das primeiras lavras de ouro das Minas, e que participou também, ao lado da parcialidade emboaba, daquela guerra que paulistas e adventícios travaram entre 1708 e 1709. Pedro de Rates mais tarde teve associado o seu nome a uma conspiração que tramava elevar ao trono do Brasil o infante Dom Manuel, irmão do rei Dom João V de Portugal, antecipando assim, em cerca de 80 anos, a nossa independência política. Submetido a processo judicial em Lisboa, Hanequim foi condenado por acórdão de 1744 a ser afogado na Ribeira das Naus, e depois ter seu corpo queimado para que nenhum vestígio restasse de sua memória. No entanto, a sentença de morte executada contra Hanequim deveu-se menos ao crime de inconfidência do que a sua caracterização, pela Inquisição, como heresiarca e apóstata. Com efeito, inspirado por aquela antiga noção de que no interior do Brasil se encontraria o Paraíso Terrestre, ele sustentou perante os seus juízes que Adão nasceu e se criou no Brasil, e transferiu-se posteriormente para Jerusalém, passando a pé enxuto pelo seu caminho, posto que as águas do Oceano Atlântico se abriram para ele. Mais ainda, o nosso Pedro de Rates sustentava que os índios brasileiros descendiam das tribos perdidas de Israel e, respaldado sem dúvida na leitura das obras proféticas do Padre Antônio Vieira, eivadas de um irrecusável cariz sebastianista, afirmou também que um Quinto Império Universal ergueria a sua capital nas proximidades serranias mineira, e não em Lisboa como vaticinara aquele jesuíta. Viajantes estrangeiros, como Spix e Martius, constataram nas suas andanças a existência , em Minas Gerais, de focos ativos de sebastianismo. Na região de Catas Altas eles encontraram guarida, em 1818, na fazenda do Guarda-mor Inocêncio, homem grisalho, um tanto solene, e que fazia parte dos sebastianistas. Estes, segundo os dois naturalistas bávaros, seriam em maior número no Brasil, e especialmente em Minas Gerais, do que na própria mãe-pátria. O próprio Capitão Burton, quando transitou pelo Rio das Velhas, em 1967, certamente possuía um conhecimento razoável das tradições herméticas lusitanas, sistematizadas por Vieira. Aquele oficial inglês, viajante experimentado, não deixaria de confessar em seus escritos sobre o Brasil que, de todas as regiões do mundo por ele percorridas, tinha particular predileção pelo eixo Vermelhas_ São Francisco. Ele chegaria até a adiantar que mais cedo ou mais tarde o centro politico do Brasl se deslocaria para algum lugar não muito distante da confluência daqueles dois rios. De alguma maneira, ecos dos vaticínios de Hanequim parecem participar do universo mental de Burton. A própria fundação de Brasília, orientada em direção daquele sítio pelo jornalista Hipólito da Costa já no princípio do século XIX, parece ser um broto arquitetônico daquela semente edênica plantada ainda nos primeiros anos da era colonial. Tomando o rumo do encontro do Velho Chico com o Velhas, e adentrando um pouco mais para o oeste, a cresça de que uma Nova Era emergiria do Planalto Central Brasileiro foi tomando forma. Ora, estamos convencidos de que a “Expedição Manuelzão desce o Rio das Velhas” mobilizou, exatamente, essas energias psíquicas que dormem no íntimo de cada brasileiro, e particularmente no dos povos que habitam suas margens. Os expedicionários, no seu trajeto pela calha do rio, passaram a limpo o próprio país . Resgataram o passado histórico das bandeiras, reconquistaram simbolicamente a principal via de interiorização do Brasil empunhando a bandeira de revitalização do Velhas. Transcendendo, porém, o próprio objetivo operacional do projeto Manuelzão, que é o retorno dos peixes ao rio, a equipe dos caiaqueiros tocou no nervo exposto da nacionalidade. Fez lembrar a todos o futuro luminoso há séculos previsto para a região da bacia. Paraíso Perdido, ou Sede do Quinto Império, o fato é que a esperança de ser o centro de uma Nova Era sempre trespassou a alma do maior rio exclusivamente mineiro. Fantasia ou não, foi o poder mobilizador dos símbolos, mitos e emblemas da nossa História que, acima de tudo, permitiu que a expedição em bons termos chegasse ao seu final. Bibliografia BURTON, Richard. Viagens aos planaltos do Brasil: do Rio de Janeiro ao Morro Velho. São Paulo: Comp. Ed. Nacional, 1983. Tomo 1. GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil: história da província Santa Cruz. 2.ed. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed.da Universidade de São Paulo,1980. 150p. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 4.ed. São Paulo: Comp. Ed. Nacional, 1985. 360p. ROMEIRO, A . Um visionário na Corte de Dom João V: revolta e milenarismo nas Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil; 1817-1820.4.ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:Ed. Univers. São Paulo, 1981.3v.
Posted on: Sun, 25 Aug 2013 05:57:00 +0000

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