AFRO-RASURAS CANÔNICAS: O ESTÉTNICO NA FEIRA LITERÁRIA DE - TopicsExpress



          

AFRO-RASURAS CANÔNICAS: O ESTÉTNICO NA FEIRA LITERÁRIA DE FRANKFURT DE 2013 Por Henrique Freitas A foto de Pelé segurando um livro para divulgar oficialmente a inserção (afro?)brasileira na Feira de Frankfurt na Alemanha é relevante para pensarmos na dinâmica semiótica da pilhagem epistêmica que vigora na cena literária brasileira há bastante tempo (explicarei isso brevemente mais a frente), só para suplementar o conceito de racismo epistêmico de meu amigo Renato Nogueira, porque aqui o racismo epistêmico opera na dimensão da pilhagem escancarada mesmo: usurpa-se o corpo negro e seu saber-representação para que ele identifique aos olhos estrangeiros um Brasil muito nítido (na figura do Pelé campeão mundial ou do Edson, se que é que vc me entende) que parece se refletir no livro que o atleta do século soergue. Mas Pelé, ali, reencena como paisagem natural encomiástica apenas um neo-Peri negro que avaliza convenientemente o que nossa "crítica-mor da literatura brasileira" (risos e mais risos) Marta Suplicy afirma, contrariando a evidência da lista de escritores escolhidos (por quem efetivamente? Sob que argumentos reais?): "O critério não foi étnico, o critério foi outro e eu achei correto". Desconfio demais d@s defensor@s da "boa literatura"; dos arautos de uma estética neutra que, por sua grandeza, por si só, faz a obra permanecer no tempo; daquel@s que defendem cegamente uma literatura sem adjetivação. Nos inúmeros debates de que tenho participado, indagações simples sobre que escritor@s negro-brasileiros ou negro-african@s são conhecid@s ou quando dou uma visada rápida sobre os programas de disciplina implementados vejo o que significa a pretensa neutralidade não adjetivada da literatura: a completa ou quase total invisibilização de autor@s, muitas vezes mesmo que tenham ganhado prêmios literários importantes. Para esses e essas, é sempre bom recordar os trabalhos de Sérgio Micelli, em especial Intelectuais e classe dirigente no Brasil compilado anos depois também na obra Intelectuais à brasileira. Uma das coisas que fica claro, sem pudores, por parte de Micelli, ao fim e ao cabo, é a ligação histórica de boa parta de nossos escritores canônicos com o Estado, ou seja, com quem faz "mutatis mutandis" as listas, como essa da Feira de Frankfurt. Ademais, sejamos francos: o grafocentrismo; a desconfiança alegórica herdeira de questões platônicas e aristotélicas que nunca desafiaram o real (último reduto da verdade) em nossa literatura nacional como as escritas africanas e indígenas fazem (não é à toa a remissão a essas culturas em muitas obras consideradas clássicas, apesar da sempre invisibilização dos corpos negro e indígena); as heranças de sistemas fechados de leitura e interpretação (inclusive, por exemplo, muitos operadores derivados de uma tradição marxista dura encerrados em dicotomias superestruturais e infraestruturais que não dão conta de textos que desfiam-se e desafiam a própria noção de escrita) produziram um epistemício (Cf. Renato Nogueira e Eduardo Oliveira) ante a limitação da crítica literária e ao bloqueio aos textos que desafiavam e des(a)fiam este logos. Tem mais: a pilhagem epistêmica tem produzido no Brasil aberrações transnacionais com alguns escritores africanos circulando amplamente no país por causa das leis 10639 e 11645 que, como o Pelé da propaganda da Feira de Frankfurt, beneficiam-se de grandes projetos didáticos que tentam dar conta das referidas leis, mas dizem aos quatro ventos em suas entrevistas que são contrários às ações afirmativas, às cotas, que a questão racial não pode ser posta para se pensar em alguns países africanos... Não é isso que inclusive os escritores e escritoras negro-african@s tem dito, porque cansamos de mediadores e agora perguntamos diretamente a essa "diferença que interroga o cânone" o que acha desses temas e as respostas tem apontado também para uma séria exclusão sob os mesmos argumentos que Marta Suplicy sustenta ao ser indagada pelos alemães (eles não confundem Oktoberfest com Feira Literária e cobraram uma espécie de desgermanização da feição literária do Brasil, ou seja, coisa pra gringo ver) e depois pelos brasileiros sobre a ausência de negros na lista brasileira de autores na Feira de Frankfurt. Com Stuart Hall também quero saber que negro é esse nas literaturas africanas? Que negro é esse desencadernado do próprio livro que empunha? Como bem já frisou Guellwar Adun, Ricardo Riso e a escritora Miriam Alves aqui memso no facebook, a coletânea de escritores negro-brasileiros Schwarze Poesie ou Poesia Negra, organizado por Moema Parente Augel, foi publicada na Alemanha em 1988 e contou com nomes como Miriam Alves, Cuti, Oswaldo de Camargo, Marcio Barbosa, Paulo Colina, Jamu Minka, Éle Semog, Oliveira Silveira, Adão Ventura, Arnaldo Xavier, dentre outros. Portanto, o pseudo-critério de ter sido publicado na Alemanha para a inclusão desses autores na lista da Feira de Frankfurt é falso ante a ausência de todos que citei. A pilhagem epistêmica no campo da literatura brasileira sob o signo de um dado estético reivindicado como critério tem deixado fora do jogo discursivo a força mortiz de um mercado que envolve direitos autorais da família de muito escritor morto, mas guarnecido por críticos que servem para que os milhares de exemplares continuem sendo comprados para fazer parte de programas didáticos. Esse é outro grave problema. Por isso, o óbvio de representações racistas em muitos textos que figuram sempre em nossas listinhas não pode ser dito, destacado, para não se mexer na tradicional "fatia do bolo". Lima Barreto é o signo máximo da pilhagem epistêmica de nossa literatura nacional. Estigmatizado e reduzido como louco e bêbado, apesar de outros escritores terem tomado muito mais Whisky e água de coco que ele e terem construído suas carreiras no limite da sanidade (?), o que se esconde de Barreto, que nunca se diz sobre ele, é que é indiscutivelmente o pilar do Modernismo no Brasil: de um lado as vanguardas e de outro o legado barretiano que funcionou como farol. Apesar de suas incontestes contribuições epigonais, sobretudo estéticas, para a cena modernista, ele é descolado da geneaologia e trabalhado, infelizmente, como um biombo (Milton Gonçalves forja esse conceito para pensar na cena dramática brasileira os inúmeros personagens negros que caem de para-quedas e não tem família, não estudam, não tem uma narrativa sobre si). O critério estético-étnico-ético sempre esteve presente no cânone de uma literatura nacional como recurso de uma pilhagem epistêmica das contribuições negras e como exclusão biopolítica do corpo negro como escritor@ no mercado editorial, na circulação e na visibilização das obras em que se constrói, todos sabemos, o lobby para os prêmios literários vindouros. Nesse caso, presos ficamos, se não partimos para o enfrentamento, à trilha do círculo vicioso, como já nos advertiu Hélio Santos. Como a ironia sempre foi nosso recurso potente de deslocamento das froças estéticas e discursivas vigentes, encerro aqui com uma pérola recente do poeta Ferdinando que em um micro-poema recente sobre as questões que envolveram a feira de Frankfurt, intitulado "Mote do Suplício" decretou: "Lobotizaram e Lobatizaram o Ministério da Cultura". www1.folha.uol.br/ilustrada/2013/10/1350634-marta-diz-que-criterio-para-levar-autor-brasileiro-a-frankfurt-nao-foi-etnico-mas-literario.shtml
Posted on: Fri, 04 Oct 2013 00:10:26 +0000

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