Acompanho há 10 anos o trabalho do cineasta mexicano Alfonso - TopicsExpress



          

Acompanho há 10 anos o trabalho do cineasta mexicano Alfonso Cuarón (desde que ele salvou pelo menos um volume de uma série besta da literatura popular inglesa contemporânea, ao adaptá-la ao cinema, série a qual não vou nem denominar...) e sempre botei fé nele. E ele não decepcionou no filme Gravidade. Na verdade, superou minhas expectativas! Em primeiro lugar, ele conseguiu fazer o que há de mais difícil na ficção: dotá-la de um efeito-real, ou seja, tornar o enredo e o uso dos efeitos especiais o mais congruente possível com a realidade. Deve-se mencionar que é bastante difícil para qualquer cineasta fazer isso. Nem sequer os grandes cineastas da ficção contemporânea (como Spielberg, cujo segredo do sucesso é tornar suas ficções o mais real possível aos olhos de quem assiste ao filme...) são capazes de fazer isso o tempo inteiro. Mas Cuarón conseguiu. Por isso friso isso mais uma vez: o filme é tão congruente que se não fosse a existência do observador onipresente (a visão da câmera), não haveria por que dizer que aquilo era um filme de ficção. Não há rupturas lógicas, não há contradições, não há exageros. O equilíbrio que o enredo possui com o que realmente acontece ou poderia acontecer, é até assustador. Em segundo lugar, Cuarón usou um âmbito bastante batido e desgastado na história do enredo cinematográfico - o espaço sideral - para embutir um realismo convincente. Filmes sobre espaço, em geral, não são convincentes. Mas Gravidade é o mais convincente há décadas - talvez desde Kubrick! Cuarón, na verdade, o desmistificou, destituindo toda aquela imagem que o cinema sempre trouxe do espaço - como um lugar a ser explorado (fronteira final), um lugar dotado de suma graça e beleza, o lugar que guarda diversas aventuras, o lugar onde reside formas de vida irmãs da nossa, o lugar onde o homem pode estar mais próximo da divindade, enfim, um lugar que, por ser iluminado pelas estrelas, só tem poesia a oferecer, etc. etc. Em Gravidade, não. Não há beleza ou esperança no espaço. É um lugar frio, vazio, morto. Impossível existir vida nele. Improvável manter-se a vida dentro dele por muito tempo. Depois de assistir esse filme, não tenho a menor dúvida de que ser astronauta está fora de cogitação. Em terceiro lugar, o filme traz uma mensagem de superação - não dos perigos que o espaço pode trazer, mas dos demônios internos que residem no ser de uma pessoa. E isso sem usar truques cinematográficos, como cenas do passado, etc. Muito menos a existência dos dilemas existenciais abordados pelo filme são de fácil identificação e reflexão. A mensagem trazida pelo filme tampouco é batida. A protagonista se transforma, de uma mulher fraca e chorosa a uma verdadeira heroína, e isso sem forçar demais os fatos que vão se desenrolando. O que a personagem faz, por mais extraordinário que possa parecer, é exatamente o que qualquer um de nós faríamos se estivéssemos na mesma situação - principalmente depois de termos perdido a tudo e, inclusive, de termos nos conformado com a morte. Spoiller: a parte em que ela aceita o fato de que irá morrer é o marco do filme, pois deixa claro que ela já estava morta - só que por dentro. Talvez, já estava morta anos antes de se tornar uma astronauta. Mas a parte em que ela ressuscita dessa sua morte interior, é épica! Em quarto lugar, não se trata de um filme sobre espaço sideral, nem sobre as aventuras de um(a) astronauta. Trata-se, sim, de uma experiência assustadora, mas que é capaz de fazer pressão para que saía de nós tudo o que somos (caso contrário, a morte será a única opção disponível.); de uma viagem, não ao segundo céu, mas uma viagem interior, epifânica, iluminadora, de auto-esclarecimento e tomada de decisões extraordinárias. É um filme espiritual. Não há como não se conectar empaticamente com a protagonista (mesmo sendo interpretada pela atriz Sandra Bullock, que, pra mim, é uma atriz mediana ou mesmo ruim...); não há como não entrar em sua pele e não há como não sentir catarse ao ver as humildes tentativas de continuar a existir transformando-se numa vitória magnífica porém silenciosa diante das forças impassíveis ou mesmo cruéis da natureza - na verdade, do universo! Portanto, é um filme denso, psicológico - ainda que isso não fique muito na cara para a galerinha pipoca que adora filmes que contam as aventuras de cachorros falantes. Gravity é um filme que emite uma forte áurea de espiritualidade. Não a falsa espiritualidade transmitida por todas as nossas religiões modernas, mas a espiritualidade que diz respeito a mais bela comunhão, o mais intenso rapport, do ser humano com seu próprio ser e com o universo. Em suma: Sim, é um dos melhores filmes do ano!
Posted on: Mon, 04 Nov 2013 04:10:03 +0000

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